Termo adoção tardia é colocado em questão: "Nunca é tarde demais para se tornar filho"

“Embora ainda seja uma expressão bem comum, a justificativa para que seja substituída é a de que nenhuma adoção é tarde demais", defende Jussara Marra, presidente da Angaad — Associação Brasileira de Grupos de Apoio à Adoção. Entenda

Por Sabrina Ongaratto


No Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão em situação de acolhimento institucional ou familiar. Por outro lado, mais de 35 mil pessoas e/ou casais estão habilitados, à espera de seus filhos adotivos, de acordo com os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Então, por que essa conta não fecha? Segundo a Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, a Angaad, uma organização sem fins lucrativos, a resposta é simples: há uma certa resistência ao que é comumente chamado de adoção tardia.

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Hoje, mais de 77% das crianças que estão à espera de um lar têm mais de 8 anos de idade. “Ainda existe uma crença de que crianças mais novas são como uma ‘folha em branco’, como pessoas ainda livres de vícios de personalidade, que poderão ser moldadas desde o início pelos pais”, aponta Jussara Marra, presidente da Angaad. Isso, segundo ela, reflete um cenário composto por um grande estigma acerca do que a criança ou o adolescente viveu antes de ser encaminhado para a adoção, seja em sua família de origem, seja no acolhimento.

Termo adoção tardia é colocado em questão — Foto: Robert Butts/Pexels

Segundo a associação, o conceito de adoção tardia não é fixo, passa por modificações constantes e não possui uma definição legal. O que existe, hoje, é uma variação de acordo com a realidade da predileção da maioria dos pretendentes à adoção. “Há duas décadas, quando grande parte das pessoas optava por crianças até 2 anos, a adoção de crianças de 3 anos já era considerada tardia”, diz Jussara. Ela explica que, hoje, crianças acima de 8 anos de idade são consideradas dentro do espectro tardio, o que, de certa forma, é positivo no ponto de vista do aumento da faixa etária. Contudo, mesmo com as modificações, parte dos pretendentes busca crianças de até 5 anos, brancas, sem doenças graves e/ou deficiências, sem grupos de irmãos e há uma predileção por meninas.

Termo "adoção tardia"

Outra mudança em discussão diz respeito ao termo "adoção tardia", que, segundo a Angaad, apesar de popular, tem caído em desuso por quem trabalha na área. “Embora ainda seja uma expressão bem comum, a justificativa para que seja substituída é a de que nenhuma adoção é tarde demais. Nunca é tarde demais para se tornar filho, para se tornar família”, defende Jussara Marra. Algumas terminologias, então, têm surgido para substituição, como "adoção de crianças mais velhas e adolescentes", a fim de quebrar paradigmas.

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Mas há opiniões diversas sobre a necessidade de uma modificação. Soraya Pereira, psicóloga, assessora de Psicologia da Angaad e presidente do grupo de apoio à convivência familiar e comunitária Aconchego, de Brasília, acredita que o termo continua atual e esclarecedor. “Já te diz, não no sentido de que toda adoção tem que ser privilegiada. Para nós, do Aconchego, quando falamos em adoção tardia, a gente pensa o seguinte: 'Por que eu te encontrei tardiamente?'. É no sentido de 'por que esse encontro de criança, adolescente e adotante não aconteceu mais cedo?'”, ela diz. “É uma discussão que sempre existirá, da mesma forma que filho biológico e filho consanguíneo. Não acredito que existirá um único termo e, sim, vários. O importante, a meu ver, é que toda adoção é necessária", completou.

Outra questão que envolve a adoção de crianças maiores é a "grande dificuldade em entender que a idade que o documento de registro mostra não condiz com aquela que se vê em atitudes e comportamentos", o que merece uma maior atenção e dedicação para que sejam recuperadas. "Quem quer adotar uma criança maior ou um adolescente precisa ter esse perfil, pois existe uma certa crença de, por exemplo, a pessoa falar: 'Trabalho na área da Educação, sei lidar'. Mas uma coisa é ser mãe ou pai e outra é ser professora ou professor, sabe? Por isso eu acredito que precisamos trabalhar muito essa questão, para que as pessoas não se enganem, não se frustrem após a adoção. Não achem que, sem preparação, darão conta de todos os cuidados que a criança ou que o adolescente precisa”, complementa Soraya.

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