• Sabrina Ongaratto
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Em um vídeo recente, compartilhado no início do mês, a pequena Catarina (ou Nina como é carinhosamente chamada), 3 anos, aparece brincando em um parquinho. Enquanto ela enchia seu baldinho de areia, uma menina se aproxima e pergunta: "Por que seu cabelo tá amarelo?". A empresária do ramo educacional Sarah Barbaresco, 34, mãe de Nina, incentiva a filha a responder, e a criança insiste: "Por que seu cabelo é assim?". Nina, então, responde: "Porque eu sou albina".

A resposta da menina, mesmo sendo tão pequena, é resultado de muito diálogo. "Sei que muitas outras situações vão surgir e, aos pouquinhos, ela vai se sentindo segura, confiante  e vai conseguir se posicionar melhor.  Quero que ela cresça sabendo que é natural falar sobre isso", disse a mãe. Sarah compartilha a rotina com a filha nas redes sociais (@nina.albina), com o objetivo de levar informação às pessoas sobre a condição. "Se quando a Nina nasceu, eu tivesse a informação que tenho hoje, muito sofrimento seria evitado. É isso que quero para as outras famílias – que tenham informações reais de uma criança normal com albinismo e se acalmem", frisou. Confira, abaixo, a entrevista que Sarah concedeu à CRESCER.

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Eu sou albina, diz Nina para uma criança que questiona sobre a cor do seu cabelo (Foto: Reprodução/Instagram)

Eu sou albina, diz Nina para uma criança que questiona sobre a cor do seu cabelo (Foto: Reprodução/Instagram)

CRESCER: Como foi a gravidez da Nina?
Sarah Barbaresco: Depois de 10 anos de casados, decidimos que era a hora de ter um bebê! Foi uma gravidez tranquila, com todo pré-natal em dia, trabalhei até os últimos dias do parto. Ela estava programada pra nascer numa segunda-feira à tarde, mas um dia antes, no domingo cedinho ela já deu os sinais que queria vir ao mundo! Nasceu no domingo, às 12h.

C: Em que momento você descobriu que ela tinha albinismo?
SB: No momento no parto, todo mundo na sala estranhou os cabelos brancos. Eu só me lembro, assustada, perguntar o que tinha acontecido: “Tá tudo bem com ela?”. Não achei normal aqueles cabelinhos e ela estava meio roxinha porque era praticamente transparente. Com a suspeita de albinismo, dois dias depois do nascimento, fomos a um oftalmologista especialista em retina. Nina teve suas pupilas dilatadas e num simples exame de fundo de olho, tivemos a confirmação. Seus cabelos eram brancos porque não tinham melanina, assim como seus olhos. Nina nasceu com albinismo oculocutâneo. 

Nina com os pais, logo após o parto (Foto: Arquivo pessoal)

Nina com os pais, logo após o parto (Foto: Arquivo pessoal)

C: Na época, você tinha conhecimento sobre a condição?
SB: A única coisa que eu sabia sobre albinos é o que a grande maioria sabe – que a pele é sensível e que precisam tomar cuidado com o sol. Eu nunca tinha conhecido ninguém com albinismo. Fiquei bem perdida.

C: Como recebeu a notícia?
SB: Foi um baque. Chorava dias e noites, por meses. Infelizmente, o momento do diagnóstico contribuiu para isso. O oftalmologista foi totalmente apático e disse, friamente, que eles são considerados deficientes visuais; e que “ninguém queria que um filho nascesse assim”, como se eu tivesse parido um "problema". A classe médica não está preparada para acolher uma família com um bebê albino. O que mais ouço de famílias com filhos albinos é a falta de empatia e de conhecimento dos profissionais ao lidar com o albinismo. Se houvesse acolhimento no momento do diagnóstico, muita angústia desnecessária poderia ser evitada.

Nina nasceu com cabelos e pele branquinhos (Foto: Arquivo pessoal)

Nina nasceu com cabelos e pele branquinhos (Foto: Arquivo pessoal)

C: O albinismo vai além dos aspectos físicos. Quais cuidados Nina precisar ter?
SB: Sim, vai além dos aspectos físicos e dos cuidados com o sol. Poucos sabem que a falta de melanina afeta o desenvolvimento visual e, por isso, Nina tem uma visão subnormal, o que a classifica como deficiente visual. Desde que nasceu, fazemos acompanhamento oftalmológico a cada 6 meses. Ela usa óculos de grau desde os 5 meses de idade. Além da baixa visão, ela tem estrabismo, nistagmo (que são movimentos involuntários, repetitivos dos olhos), fotofobia e astigmatismo. Esses achados oculares se apresentam em todos os albinos, salvo raríssimas exceções. E o nível de cada deficiência visual varia de acordo com os estímulos que a pessoa recebe desde bebê e da quantidade de melanina que o organismo produz.

Desenvolvimento cognitivo não é afetado (Foto: Arquivo pessoal)

Desenvolvimento cognitivo não é afetado (Foto: Arquivo pessoal)

C: Como tem sido o desenvolvimento dela?
SB: Nina tem 3 anos e o desenvolvimento dela tem sido maravilhoso a cada dia! Quem conhece Nina não diz que ela tem baixa visão. É uma criança normal, feliz, ativa. O albinismo não afeta em nada a parte cognitiva. Todos os medos e inseguranças que tive quando ela nasceu foram desaparecendo à medida em que via a forma como ela se adaptava e desenvolvia normalmente.

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C: Em um vídeo recente, a Nina diz para uma menina que é albina. Qual é o entendimento dela sobre o assunto? (Assista ao vídeo clicando aqui)
SB: Acredito que ela ainda não entende muito bem. Sempre explico que ela nasceu sem melanina (que é como se fosse uma “tinta” responsável pela nossa cor) e, por isso, ela é albina. Precisa ter cuidado com o sol, passar o protetor, que a cor do cabelo dela é diferente do nosso e que precisa usar os óculos por causa do albinismo. Geralmente, quando alguém pergunta porque ela é tão loirinha, a gente fala e ela repete: “porque sou albina”. No dia do vídeo no parquinho, foi a primeira vez que eu vi uma criança perguntando e fiquei incentivando para que Nina respondesse o que ela mesma já sabia! Sei que muitas outras situações vão surgir e, aos pouquinhos, ela vai se sentindo segura, confiante, na medida em que conhecer mais sobre sua condição, e, aos poucos, vai conseguir se posicionar melhor!  Quero que ela cresça sabendo que é natural falar sobre isso!

Nina é uma menina feliz (Foto: Arquivo pessoal)

Nina é uma menina feliz (Foto: Arquivo pessoal)

C: Esses questionamentos são normais? Como lidam com a curiosidade das pessoas?
SB: Nina chama muita atenção por onde passa. Todos ficam encantados. Quando ela era bebê, isso me incomodava demais! Todo mundo olhando, cochichando, vendo que tinha algo diferente. Mas hoje, eu abro um sorrisão quando ficam olhando pra ela! Dizem que parece uma boneca, perguntam se os óculos são de verdade ou só "estilo". E não me incomoda mais a curiosidade, desde que não seja maldosa. Amo as oportunidades que tenho de explicar sobre o albinismo e já falo para seguirem o instagram dela!

C: Vocês já enfrentaram algum tipo de preconceito?
SB: Eu mesma tive preconceito quando Nina nasceu. Ela demorou para fixar o olhar, era vago, eu não conseguia ter conexão com ela. Passei por uma fase de luto, de rejeição e me preocupava com o desenvolvimento e com a visão. Depois que aceitei e comecei a olhar a Nina com outros olhos, tudo mudou. Em geral, as pessoas acabam “minimizando” a situação. Ah, é só branquinha. É só cuidar com o sol! Nunca enfrentamos nenhum tipo de preconceito, mas conheço muitas famílias que relatam situações tristes. Nina teve o privilégio de nascer numa família com a mesma cor de pele que a dela, mas a maior incidência de albinos é na população negra, o que agrava ainda mais os preconceitos gerados por falta de informação. Imagine um bebê “branco” nascendo numa família negra! Quantas suposições podem ser feitas sobre aquela mãe, quanta coisa aquela criança vai ouvir sobre seu pertencimento à família e quantos casamentos são desfeitos por não saberem o que é o albinismo! Mães relatam que já foram confundidas com babás ou mães adotivas. Além disso, muitas crianças albinas sofrem bullying na escola pela sua aparência física ou dificuldades com a visão. Pessoas ainda acham que albinismo é contagioso e que albinos tem problemas cognitivos.

As pessoas ainda acham que albinismo é contagioso e que albinos tem problemas cognitivos, diz Sarah (Foto: Arquivo pessoal)

As pessoas ainda acham que albinismo é contagioso e que albinos tem problemas cognitivos, diz Sarah (Foto: Arquivo pessoal)

C: Você criou um perfil no Instagram justamente para falar sobre o albinismo...
SB: Na verdade, eu criei o perfil para que fosse um lugar de aceitação pra mim. Cada vez que eu falava sobre o albinismo abertamente nas redes, ia ficando mais leve. Aos poucos, fui conhecendo outras mães de crianças albinas e fomos criando uma rede de apoio. Hoje nosso perfil é um espaço de acolhimento! Outras famílias podem acompanhar o desenvolvimento de uma bebê albina, desde o nascimento, e verem o quão normal a nossa vida pode ser. Isso vai acalmando o coração aflito das mães quando descobrem o albinismo. As preocupações são as mesmas, os desafios também. Se quando a Nina nasceu, eu tivesse a informação que tenho hoje, muito sofrimento seria evitado. É isso que quero para as outras famílias – que tenham informações reais de uma criança normal com albinismo e se acalmem. Sou tão feliz em ser mãe de uma menina albina que, às vezes, esqueço que um dia não fui assim. Hoje me concentro em tudo o que já conquistamos juntas! Uma relação de amor, confiança e perdão. Além disso, todos os dias pessoas me mandam mensagens dizendo o quanto estão aprendendo sobre o albinismo. Isso é bom demais! Há muito a ser feito para tirar o albinismo da invisibilidade e estou muito feliz de estar fazendo a minha parte!

C: Qual você acha que será o maior desafio da Nina no futuro?
SB: A visão é sempre a nossa maior preocupação. Então, imagino que o maior desafio vai ser em relação a saber lidar com as dificuldades da baixa visão. Por isso que, desde sempre, busquei fazer as estimulações visuais e, aos poucos, fui ampliando as atividades dela, trabalhando a parte sensorial, a coordenação, o equilíbrio – tudo isso é importante para qualquer criança, especialmente para quem tem alguma deficiência. Quanto melhor ela for desenvolvida em outras áreas, mais facilidade ela terá de criar estratégias, contornar e compensar suas dificuldades. Quero que ela seja independente e autônoma, que saiba se virar sozinha quando eu não estiver por perto. Que ela saiba se acolher quando se sentir frustrada em não conseguir algo por causa da visão, quando ouvir coisas negativas ou quando se sentir excluída. Mas nesses três anos de vida, Nina já provou que consegue fazer muito mais do que eu imaginava, independente do seu albinismo.

Nina é ativa e adora atividades (Foto: Arquivo pessoal)

Nina é ativa e adora atividades (Foto: Arquivo pessoal)

Sobre o albinismo

Segundo a pediatra e geneticista Patricia Salmona, presidente do Departamento de Genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), albinismo não é doença e, sim, uma alteração genética. "É uma condição genética; um defeito na produção da melanina, que é o pigmento responsável por dar cor à pele, aos cabelos e aos olhos", explica. "A coloração da pele, dos olhos e do cabelo variam de acordo com o tipo de mutação. Existem cerca de sete tipos de genes envolvidos no albinismo. Por exemplo, a cor da pele pode ser bem branca ou até mais amarronzada. Os cabelos podem ser totalmente brancos ou mais avermelhados. O mesmo acontece com os olhos", exemplificou. Esses, podem variar de avermelhados, azuis ou acastanhados. "No Brasil, o albinismo oculocutâneo tipo II é o mais comum, que é caracterizado pela deficiência parcial dessa melanina. Então, o cabelo e a pele vão apresentar algum grau de pigmentação", afirmou.

Segundo ela, a condição vai além das características físicas. "O albinismo também pode levar à algumas complicações e são elas que devemos tentar prevenir", alertou, referindo-se principalmente a pele e olhos. A especialista explica que, sem a melanina, essas pessoas ficam expostas totalmente à ação da radiação ultravioleta, então, são altamente suscetíveis aos danos causados pelo sol. "Um risco é o envelhecimento precoce ou o aparecimento de câncer de pele ainda na juventude. Em regiões sem muito acesso a essas proteções, encontramos pacientes com câncer de pele já a partir de 20 anos de idade e em estágios bastante avançados", pontuou. "Além da pele mais sensível, também é muito comum alterações oftalmológicas, como estrabismo, catarata e visão subnormal", completou.

Como prevenir as complicações?
"Para a pele, o uso de roupas com proteção UV, bloqueadores solares e visitas periódicas ao dermatologista são extremamente importantes. Além disso, existe a preocupação com a vitamina D, pois, para absorvê-la, não adianta apenas só repor, é necessária a exposição solar. Sem ela, o aparecimento de alterações ósseas são comuns. Elas devem ser acompanhadas de perto pelos médicos e devem ser prevenidas na medida do possível", lembrou.

Em relação a visão, o uso de óculos solares é fundamental, além de consultas de rotina com um oftalmologista. "Como não existe tratamento específico, é importante trabalhar preventivamente para evitar as complicações", alertou. Por outro lado, a especialista frisa que não há comprometimento intectual. "As pessoas albinas são claramente capazes de ter um desenvolvimento normal, autonomia e uma vida saudável e produtiva como todas as outras pessoas. Claro, sem esquecer de todos os cuidados preventivos. Lembrando que não é uma doença e, sim, uma condição genética", finalizou.