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Gravidez de Gabriel foi tranquila e planejada, segundo lembra a mãe (Foto: Arquivo Pessoal/Erika Postos)

Gravidez de Gabriel foi tranquila e planejada, segundo lembra a mãe (Foto: Arquivo Pessoal/Erika Postos)

Há pouco mais de 2 anos, Erika Postos, hoje com 38 anos, vivia o momento mais difícil da maternidade: precisou se despedir de Gabriel, que morreu durante o trabalho de parto. A perda ocorreu inesperadamente, depois de uma gravidez tranquila, saudável e bastante planejada. Segundo conta, a experiência após o desejo de um parto humanizado a faz optar por uma cesárea agendada agora, na segunda gestação, à espera de Maria Fernanda.

“Engravidei em março de 2018, tive uma gestação tranquila, com um ginecologista com quem já passava havia muitos anos, mas que dava indícios de que era adepto da cesárea. Eu queria muito um parto normal, então decidimos procurar uma equipe. Com 5 meses de gravidez, encontrei o médico que nos acompanharia. Seguimos a rotina de exames e acompanhamento, tudo caminhava normalmente”, lembra, em entrevista à CRESCER.

Erika entrou em trabalho de parto naturalmente, nas primeiras horas da manhã do dia 6 de dezembro de 2018, às 39 semanas e 3 dias de gestação. Chamou a doula, como era o combinado com a equipe médica, e, juntas, decidiram ir para o hospital por volta das 11h. A enfermeira obstetra da equipe já os esperava lá para uma primeira avaliação. A bolsa havia rompido sem que a mãe percebesse, em algum momento em que estava o chuveiro, ainda em casa. Estava com 5 cm de dilatação. E o exame de cardiotocografia na admissão do hospital indicava que o bebê estava bem.

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“Eu estava com muita dor. Muito nervosa, com medo. A enfermeira sugeriu que eu entrasse na banheira para relaxar, e permitir que o trabalho de parto evoluísse. Sugeriu também uma anestesia, para que eu conseguisse descansar. Quando nós entramos na banheira, eu escutei ela falando pra Doula que os batimentos do Gabriel estavam oscilando. Mas depois que tomei anestesia, não senti mais dor, fiquei tranquila”, relata.

O médico, segundo a mãe, chegou ao hospital por volta de 14h. “Ele assumiu, ficou comigo o tempo todo, fazendo exercícios para o bebê descer, e o tempo todo monitorando o bebê com o cardiotoco [cardiotocografia]. Cheguei a cochilar em alguns momentos. Eu estava tranquila porque via que o médico estava tranquilo. Ele vinha sempre perto de mim para olhar no monitor os batimentos do Gabriel. Uma hora ele tirou uma foto e voltou a sentar no chão”, conta Erika.

As oscilações nos batimentos cardíacos de Gabriel pareciam continuar, segundo a mãe, e pouco depois das 16h, sem a evolução do quadro do parto, o médico recomendou uma cesárea. “Ele sugeriu a cesárea, mas estava muito tranquilo. Disse que estava tudo bem, que o parto às vezes demorava mesmo a evoluir, mas que achava que naquele momento uma cesárea era indicada”, afirma.

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E assim eles foram para a sala de cirurgia. Ao chegar no centro cirúrgico, porém, segundo a mãe, o aparelho que monitorava o coração do bebê começou a apitar. “Ele ficou nervoso. Começou a pedir emergência, chamando o anestesista, que veio em menos de 1 minuto. Foi muito rápido. Quando tiraram o Gabriel, notei uma movimentação na sala. O bebê nasceu, a doula ficou atrás de mim, todo mundo foi em cima do bebê. E eu não o escutava chorar. Tiraram meu marido na sala, entraram mais profissionais para tentar salvá-lo. Mas ele já saiu sem vida da minha barriga. Me deram alguma sedação que me apagou”, lembra.

O laudo da morte do pequeno Gabriel apontou, ainda de acordo com a mãe, anoxia antenatal, ou seja, falta de oxigenação dentro da barriga da mãe. “Não me lembro muito do que aconteceu, porque começaram a me sedar. Mas lembro de terem vindo nos contar que o Gabriel nasceu sem vida, e que eles não sabiam o que tinha acontecido. Pude ficar um tempo com o Gabriel no colo. E logo o levaram”.

Erika conta ter sido visitada pelo médico ainda no hospital, mas acredita que a sedação a impede de se lembrar da conversa com ele. Depois, só o procurou por mensagens para pedir uma medicação que impedisse a descida do leite, e nunca mais voltou ao seu consultório. Em vez dela, sua sogra teria ido à clínica em que ele atende três meses depois para questioná-lo sobre o que tinha acontecido ao bebê, já que o laudo não apontava qualquer problema de saúde com o bebê.

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“Segundo minha sogra, ele estava muito abalado, disse que não sabe o que aconteceu, mas que desse episódio em diante mudou alguns procedimentos. Se vê qualquer alteração de batimentos, não espera mais, vai para a cesárea. Para minha família, o médico é responsável, ele errou, passou do tempo, ele insistiu em um parto que não era para ser normal", conta.

Depois da experiência, Erika, que está grávida novamente, de 7 meses, decidiu que passará por uma cesárea. “Não tenho estrutura nenhuma para entrar em trabalho de parto. Peço a Deus todos os dias para isso não acontecer. Não consigo nem imaginar entrar em trabalho de parto.”

“Eu acreditava no parto humanizado, não queria sofrer nenhuma violência obstétrica. Depois da perda do Gabriel, fomos muito apontados por pessoas próximas, que questionavam por que ‘inventamos isso’. Mas eu sempre acreditei em parto humanizado. A minha opinião não mudou. Só não funcionou comigo. Comigo, falhou.”

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Depois de perder o filho, Erika deixou o emprego e teve muita dificuldade em retomar a rotina. “Eu não tinha condição de encarar as pessoas. Nunca mais voltei ao apartamento onde eu morava. Não tive coragem de olhar o porteiro, o vizinho, eu me escondi. O salão de beleza, o restaurante perto de onde moro... Há lugares para onde nunca mais voltei.” 

Procurado pela CRESCER, o médico – que preferiu não se identificar – reforça que os batimentos do bebê foram acompanhados o tempo todo durante o trabalho de parto, não havendo explicação para a perda de Gabriel.

“Conheci no pré-natal um casal muito querido, com consultas cheias de risos e numa gestação planejada e saudável que chegou às 38 semanas em um trabalho de parto natural, contrações fortes e ritmadas, chegada à maternidade com colo do útero já bem dilatado e bebê relativamente baixo. Até que iniciaram algumas desacelerações na cardiotocografia (exame que registra os batimentos do bebê e que naquele momento optamos até por deixar contínuo, para maior observação e segurança), mais algum tempo e o parto estava tão próximo! Colo já quase todo dilatado e após alguns exercícios a expulsão se aproximava, mas quedas dos batimentos não me deixavam seguro em prosseguir, momento em que conversei com o casal justamente sobre meus medos, as condições do bebê e sobre a necessidade de mudança dos planos para uma cesariana”, lembra.

Foi durante a transferência para o centro cirúrgico que a história parece ter tomado um rumo trágico. “O coraçãozinho parou de ser monitorizado quando a maca chegou para a transferência até a sala da cesariana e tudo caminhava para uma chegada diferente, mas necessária e linda. Anestesia realizada, rápida abertura das camadas até o útero e o bebê nasce sem vida, sem reflexos e sem retorno com as manobras de reanimação da equipe. Naquela sala, a sensação é que o chão se abriu e junto um misto de culpa, medo, impotência, raiva, tristeza, naqueles braços vazios à espera de um filho. Nem sempre temos as respostas para nossa dor e sofrimento, mas eu escolhi o caminho da resiliência afim de superar o  trauma e seguir a vida. Não há um dia em que não me lembre daquele momento e às vezes até me pego pensando em mudar para uma especialidade com menos riscos, mas logo percebo que chegadas e partidas sempre vão existir e que devemos ter a consciência em sempre tentar fazer o bem, termos empatia e acreditarmos que Deus sempre quer o nosso crescimento”, completo, em relato enviado à reportagem.