• Dolores Orosco
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É preciso cuidar da saúde mental da mãe nos primeiros dias de vida do bebê (Foto: Pexels/ Pixabay)

 (Foto: Pexels/ Pixabay)

Desde o nascimento de João Francisco, há 3 meses, a empresária Maria Gabriela Esteves de Sousa, 35, vive em uma montanha-russa física e emocional, onde o descanso é raro e as surpresas não param. Em tempos de pandemia de covid-19, as mãos de Gabriela estão rachadas pelo uso constante de álcool em gel. Na maratona de revezamento que é amamentar, trocar fraldas, lidar com as cólicas e os choros do recém-nascido na madrugada, a empresária só pode contar com o marido – mesmo com a mãe morando na mesma rua e ansiosa para ajudar. Com a ameaça do novo coronavírus, a avó está em quarentena e tem pouco contato com o neto.

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“Sinto dores nos ombros e o cansaço mexe muito comigo. Outro dia chorei de tanto sono”, conta Gabriela. “Nas primeiras semanas, não me sentia segura nem para pegar o João no colo. O medo era tanto que sonhei que quebrava o bracinho dele.” Após o desabafo, a empresária se apressa em deixar claro: “Mas esqueço tudo quando vejo o rostinho do meu filho cochilando”.

O tom resiliente com que Gabriela – e outras mães, como você – diz frases assim, mostra a necessidade de atender a uma expectativa social: a de que toda mulher nasce com instinto materno e que estar com um recém-nascido nos braços é algo sublime. No entanto, sabemos que o cenário é bem outro. E pintá-lo em tons pastel gera ainda mais angústia para quem está passando pelo quarto trimestre da gravidez – ou os 90 dias após o parto. Um período de mergulho no desconhecido, que inclui uma zona cinzenta com dores, privação de sono, palpites alheios, além de sentimentos como frustração, culpa e estranheza em relação ao próprio corpo – que não está mais gestando um bebê, mas ainda exibe as marcas de batalha dos últimos nove meses.

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Mãe cansada  (Foto: Getty Images)

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O COMEÇO REAL
Levantamento realizado em 2019 pelo hospital americano Orlando Health Winnie Palmer, na Flórida, Estados Unidos, com 1,2 mil mães de bebês com menos de 3 meses, mostrou que 60% delas sentiam-se ansiosas ou tristes. Por isso, uma das autoras da pesquisa, a ginecologista Megan Gray, defende que, nessa fase, as puérperas sigam recebendo o mesmo acolhimento e atenção médica que tiveram ao longo da gravidez. “O quarto trimestre é um período avassalador para a mulher. Nem todas conseguem amamentar, a criança não tem o sono regular e o corpo ainda sente os efeitos do parto”, afirma a especialista.

O ginecologista Eduardo Zlotnik, vice-presidente do Hospital Albert Einstein (SP), conta que, nas consultas com as pacientes que acabaram de parir, sempre faz a pergunta: “Está tudo bem?”. Não rara, a reação das novas mães é a mesma. “Vejo olhos marejarem. É um momento em que a mulher está exausta, com as emoções afloradas.”

Zlotnik cita o início da amamentação como motivo de grande estresse. “Alguns bebês têm dificuldades na pega, porque o seio da mãe está com o bico malformado, há ingurgitamento [endurecimento] mamário, a criança chora… E se o pediatra recomenda a complementação com fórmula, a mulher se sente menos mãe por não ser capaz de alimentar sua cria”, explica o ginecologista. “Há uma crença de que amamentar é algo instintivo, mas não é! A lactação é algo que mãe e filho aprendem juntos, de um jeito só deles”, garante.

O obstetra João Luiz de Carvalho Pinto e Silva, professor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, completa: “Nenhuma mãe precisa ser uma mulher-maravilha que dá conta de tudo. Não conseguiu amamentar? Calma, seu filho não vai passar fome. Existem hoje ótimas fórmulas no mercado”.

A fotógrafa Vanessa Serra, 45 anos, contratou uma consultora de amamentação que a acompanhou desde o nascimento de Gabriel, 4. Massagens nas mamas e aplicações de laser para aliviar os ferimentos nos mamilos a ajudaram a amamentar o menino durante o primeiro ano de vida. Algo que a deixou de alma lavada em relação ao trauma que ficou do período de lactação da filha mais velha, Isabel, 10. “Eu tinha leite, mas ela não conseguia sugar. Meu seio ficava todo machucado, o leite empedrava e nós duas chorávamos juntas. Depois de 15 dias, a Bel já estava na mamadeira”, lembra Vanessa. “Fiquei arrasada. Já me sentia frustrada com o fato de ter tido uma cesárea e não o parto normal que havia planejado tanto. Não conseguir amamentá-la fez com que eu perdesse muito da minha autoconfiança.”

Por essa razão, a fotógrafa acredita que sua conexão com o menino foi mais fácil do que com a filha. “O Gabe é um chicletinho comigo. Já com a Bel, demorei mais para criar o laço forte que temos agora.”

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recém-nascido; pós-parto; mãe; bebê (Foto: Getty Images)

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VÍNCULO SE CONSTRÓI
A amamentação é um momento poderoso de ligação entre mãe e bebê. Mas não o único, como explica o psiquiatra Joel Rennó, diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas da USP. “O vínculo também é construído durante a rotina de cuidados. Em cada troca de olhar durante um banho, cada vez que o bebê adormece ouvindo uma canção na voz materna. Não é porque a criança não foi amamentada no peito que ela não se sentirá ligada à mãe. Esse sentimento vai nascendo gradativamente”, garante Rennó.

E isso vale para os dois lados. Porque se você ainda não está sentindo aquela conexão mágica de amor incondicional com seu bebê, como a maioria das mães descreve, está tudo bem. O quarto trimestre da gravidez é um momento de apresentações: você e o seu filho ainda estão se conhecendo.

“Sentir uma distância afetiva é normal e não deve ser motivo de culpa”, afirma a psicóloga Cristiane da Silva Geraldo Folino, membro do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo. “Durante a gestação, quando a mãe está montando o enxoval e o quarto do bebê, ela também está achando um lugar para a criança dentro dela. Na cabeça e no coração”, diz. Os nove meses de planos, idealizações e expectativas também são responsáveis por essa sensação de distanciamento. “O parto é um momento de ruptura com esse ‘bebê imaginário’ . O impacto que é a realidade de um recém-nascido pode ser duro.”

E nesse momento de apresentações, os palpites alheios – ainda que bem-intencionados – podem cair como uma bomba e ter efeitos devastadores para a mãe em formação. “A mulher está em um cenário de hipersensibilidade, e tudo o que vem de fora é absorvido de uma forma intensa”, diz Cristiane. “No instante em que uma amiga conta que teve êxito na amamentação e começa a dar dicas para alguém que não consegue, ela pode se sentir a pior mãe do mundo por estar falhando.”

Quando opiniões ou experiências forem dadas por terceiros, o psiquiatra Joel Rennó aconselha as novas mães a selecionarem melhor o que absorver. “Peça que sua sogra, uma amiga ou sua própria mãe compartilhem histórias de erros durante o quarto trimestre e preste atenção. Veja como elas deram a volta por cima e perceba como você não está sozinha. Toda mãe erra, e é errando que você descobrirá seu próprio jeito de ser a melhor mãe.”

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Hormônios pós-parto (Foto: Getty Images)

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REDE DE APOIO
Além de ser mais tolerante com você mesma, um conselho unânime entre os especialistas é: não queira dar conta de tudo sozinha. “Precisamos acabar com esse mito da mãe guerreira que tudo suporta. Isso só coloca a mulher em um lugar de sobrecarga. Todas precisam de uma rede de apoio”, diz a psicanalista Viviane Ribeiro, fundadora do Instituto Te Apoio – rede de amparo profissional às novas famílias, do Rio de Janeiro. “Nenhuma mãe é capaz de fazer tudo sozinha o tempo inteiro. Poder assumir isso, sem culpa, é libertador.”

Foi o que fez a advogada Thais Oliveira Neto, 34. Durante a gestação de Isis, hoje com 6 meses, e antes de a pandemia nos levar ao isolamento social, quando convocou sua mãe para ajudá-la nos cuidados com a menina. A avó chegou assim que a neta nasceu, vinda de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, onde vive a advogada, não sem antes terem uma conversa franca. “Acertamos que ela viria para me ajudar a ser a mãe que eu quero ser, não a que ela acha que devo ser. Seria do meu jeito”, diz.

Thais percebe que a mãe se esforça para respeitar a promessa em momentos cruciais. “Às vezes, minha filha dorme um pouco mais e passa da hora de amamentar. Como sou rigorosa nesse ponto, acordo a Isis para alimentá-la”, diz. “Noto que minha mãe fica de coração partido e que, por ela, a bebê cochilaria até a hora que quisesse. Mas ela respeita e me entende.”
A advogada reconhece que poder contar com a avó 100% do tempo deixou tudo mais leve. “Graças a essa parceria, consigo tomar um banho de qualidade e, antes do isolamento, pude até escapar para fazer as unhas. E isso fez um bem enorme tanto para mim, quanto para minha filha.”

A professora Ana Gama de Souza, 27, lembra com carinho das ajudantes a que pôde recorrer durante os primeiros meses de Artur, hoje com 2 anos. “A madrinha do meu filho, minha amiga de faculdade Claudia, foi bastante presente. Como sou mãe-solo, ela sempre teve consciência do quanto era impor- tante eu poder contar com uma rede de apoio”, diz. “Ela ficava com o Artur para que eu pudesse descansar ou fazer algo para mim, como ir à manicure, por exemplo”, lembra Ana.

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Em tempos de pandemia, é fato que ter uma rede presencial de apoio não é uma realidade segura para ninguém, ainda mais para o bebê pequeno. Por isso, baixe suas expectativas de querer deixar a casa impecável (e para que mesmo, né?) e saiba que tem muitas mães como você nesse momento. Além das conversas virtuais, aceite (ou peça mesmo) ajuda da sua amiga vizi- nha que pode compartilhar uma comi- da fresquinha, fazer uma compra e deixar na sua porta. Uma hora você vai poder retribuir tudo isso. E lembre-se: estamos todos, no pós-parto ou não, precisando de compaixão e empatia. Tudo passa, acredite!

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