Emilene e a filha Mariana (Foto: Arquivo Pessoal)

Emilene e a filha Mariana (Foto: Arquivo Pessoal)

“Receber o diagnóstico é algo bem chocante, angustiante”, diz Emilene Parlato, 40, de São Paulo (SP). Foi assim que ela se sentiu ao descobrir o câncer de mama em 2014, durante um exame de rotina. Na época, com 34 anos, Emilene estava pronta para iniciar uma nova etapa na vida. “Naquele momento, eu estava me preparando para engravidar”, conta. O sonho de gerar um filho era antigo, e o câncer seria um empecilho.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo, ficando atrás apenas do de pele não melanoma. "O que se espera, no Brasil, é que tenhamos por volta de 60 mil casos por ano da doença", afirma o ginecologista e especialista em reprodução humana Mauricio Chehin, coordenador do programa de Oncofertilidade da Huntington Medicina Reprodutiva.

Pouca gente sabe mas, além de todas as problemáticas decorrentes do câncer, a possibilidade de uma gravidez também fica em risco. Isso acontece pois o processo de quimioterapia atinge células germinativas no ovário, acelerando a perda de óvulos. "Existe um risco que varia de 30% a 70% de infertilidade após um tratamento quimioterápico para o câncer de mama", explica Chehin. De acordo com ele, essa variação depende de fatores como idade na época do diagnóstico, reserva ovariana prévia à quimioterapia, entre outros. Nesses casos, o congelamento dos óvulos pode ser uma forma de driblar esse quadro, dando a possibilidade de uma gestação saudável após a doença.

Há esperança

O processo de congelamento começa logo após o diagnóstico, para que a retirada do tumor e o início da quimioterapia possam acontecer o mais rápido possível. Após identificar o câncer, a mulher tem de 10 a 14 dias para fazer a retirada dos óvulos. No caso de pessoas sem a doença, a coleta acontece no início do ciclo menstrual, já no caso de mulheres com câncer e que estejam em outro momento do ciclo, o processo é induzido por meio de hormônios, já que o procedimento é realizado em uma corrida contra o tempo, e a paciente não pode esperar.

O método de indução hormonal para a preparação dos óvulos é considerado seguro, uma vez que não influencia o quadro do câncer de mama, por não alterar os níveis de estrogênio no corpo da mulher. Ao mesmo tempo, a mulher recebe uma medicação que equilibra a quantidade desse hormônio no organismo.

A certeza de que poderia tentar engravidar após a quimioterapia foi importante para Emilene. "Eu vejo o congelamento como esperança, uma ajuda positiva para encarar o tratamento", conta. 

"Eu fiquei praticamente todo o ano de 2014 em tratamento. Eu fiz quimioterapia, a cirurgia e radioterapia". Emilene passou pelo período contra o câncer sem maiores complicações, e foi instruída a aguardar durante dois anos para pensar novamente em engravidar. "A chance de reaparecimento da doença ou dos sintomas é muito maior no começo, então, conforme o tempo passa temos mais certeza da cura", explica.

"O período [de dois anos] foi complicado pois era pós-tratamento. Você fica muito ansiosa, cada exame é um sufoco para saber se está tudo bem ou não. Quando eu completei dois anos do tratamento tive, novamente, essa sensação de esperança, um sentimento de 'agora posso virar a página e pensar em outra coisa'. E percebi que havia chegado o momento para utilizar os óvulos".

A partir deste ponto, ela pôde começar o processo para realizar o seu sonho. As primeiras tentativas seriam de forma natural e, caso não desse certo, os óvulos congelados seriam utilizados. Desafiando todas as possibilidades, Emilene conseguiu engravidar, de forma natural, de Mariana, atualmente com 2 anos. "Eu engravidei rápido e minha gestação foi tranquila", diz.

Emilene amamentando Mariana (Foto: Arquivo Pessoal)

Emilene amamentando Mariana (Foto: Arquivo Pessoal)

O cuidado especial até o momento da gravidez pode ter sido crucial. "Durante o tratamento para o câncer, tomei alguns medicamentos hormonais, sob a orientação dos meu médicos, que, a grosso modo, me deixaram em uma menopausa induzida. É como se meus ovários não tivessem atividade nenhuma durante o período em que eu estava em quimioterapia, e isso diminui a chance de o ovário ser afetado e da infertilidade. Ainda não é comprovado, mas isso pode ter facilitado minha gravidez natural após o câncer".

Na cirurgia, Emilene retirou um quadrante da mama esquerda e, em seguida, passou por radioterapia. A mama tratada não teve leite, mas ela conseguiu amamentar com a mama direita. "Hoje a Mariana tem 2 anos e 8 meses e ainda mama. Eu escutei muitas vezes que não conseguiria amamentar com uma mama só, que precisaria complementar com fórmula, mas eu queria tentar mesmo assim. E consegui". Ouvir, antes mesmo de tentar, que não conseguiria dar leite à filha não foi fácil. "Para mim, era muito frustrante. Eu tinha o sonho da maternidade e da amamentação, mas, no fim, foi um sucesso". Até os seis meses, a alimentação de Mariana vinha exclusivamente do leite materno.

A prática de congelar os óvulos em situações especiais, como a de Emilene, ainda não é tão comum no Brasil. Em vários casos, as pacientes nem são informadas sobre a possibilidade, inviabilizando o processo de congelamento, que deve começar assim que o câncer é identificado. "É muito triste que após o diagnóstico as pessoas não têm acesso a todas essas informações, ter um profissional que te oriente sobre todas as alternativas possíveis não tem preço", Emilene desabafa.

Apesar de não ter utilizado os óvulos congelados, nada foi em vão. A maternidade tardia é uma opção cada vez mais comum entre as mulheres, e a possibilidade de engravidar mesmo após os 40 anos, como é o caso de Emilene, permite que as mulheres possam decidir pela maternidade quando se sentirem mais confortáveis. Ter essa opção, por si só, é motivo de alívio.

Você já curtiu Crescer no Facebook?