• Mauren Luc
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Davi Calebe de Souza Alves, 6 anos, nunca teve nenhuma doença ou problema grave de saúde. Recentemente seus exames de rotina estavam todos normais. O menino perdeu o avô paterno para covid, em agosto de 2020, mas como ele não apresentou qualquer sintoma da doença, ninguém desconfiou que ele havia sido infectado.

Quatro meses após o seu pai também se contaminar pelo coronavírus, Davi reclamou de dor de cabeça assim que a mãe, Sara de Souza, chegou do trabalho. Ela deu um remédio, mas a febre apareceu. “Levei ao médico, fizeram exame de covid e voltamos pra casa”, conta. “Os remédios não adiantaram e começou uma dor na barriga.”

Davi e a mãe, Sara (Foto: Arquivo Pessoal)

Davi e a mãe, Sara (Foto: Arquivo Pessoal)

A mãe voltou à Unidade de Saúde Municipal de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, onde mora. “Falaram que poderia ser algo que ele comeu e mandaram esperar o resultado da covid em casa. Só que a dor abdominal ficou muito forte. Voltei no médico e depois de exames disseram que ele tinha uma inflamação muito forte, que poderia ser apêndice e ele precisaria de cirurgia.”

O garoto foi transferido para o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, onde fizeram novos exames e tomografia. “Descartaram apêndice e me disseram que o exame de covid havia dado negativo, mas que o Davi já havia pegado a doença e criado imunidade.”

“Explicaram ainda sobre a possibilidade de uma síndrome inflamatória, que eu nunca tinha ouvido falar, e que ele precisaria ser levado para a UTI. Aí foi uma luta. Ele foi piorando de uma forma que parecia que ia mesmo morrer”, emociona-se a mãe. Ao se despedir dela na porta do centro cirúrgico, para colocação de um cateter, “ele disse que me amava”.

Após um tempo, Sara foi vê-lo na UTI. “Entrei e ele já estava intubado; quando eu vi, me desesperei.” Ali ela teve a confirmação da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica Pós-Covid. “Pedi pra saber tudo e a médica disse que era uma doença devastadora e que age muito rápido. O pulmão do Davi estava todo encharcado. Ela disse que o caso era grave e que meu filho corria risco de vida. Ele só abriu os olhos e falou: ‘Mãe, a médica disse que eu vou morrer, né? Eu disse: não filho, você não vai morrer!”

Davi ficou 13 dias no hospital (Foto: Arquivo Pessoal)

Davi ficou duas semanas no hospital (Foto: Arquivo Pessoal)

Os piores momentos

Foram 13 dias no hospital, 8 na UTI. Sara lembra a primeira vez que chegou perto do filho intubado. “Ele estava com as mãos amarradas na cama e só fez sinal para me chamar. Tentou falar, mas eu expliquei que ele não conseguiria e que aquilo era pra ajudar. Eu disse que ficaria do lado dele, perguntando se estava coçando; então molhei um pano e ficava passando no rosto e na barriga dele até ele dormir. Logo acordava agitado e apagava de novo.”

Dois dias depois, Davi foi extubado e passou a usar máscara de oxigênio. “Só que foi ainda pior porque ele tinha muita sede, pedia água o tempo todo e não podíamos tirar a máscara. Foram momentos horríveis pois ele ficava perguntando quando iriamos para casa; eu só respondia: logo!”

A situação, no entanto, piorou. Além do pulmão, o coração de Davi também havia sido comprometido pela síndrome pós-covid. “A médica falou que já tinham feito esse tratamento em 8 crianças e todas responderam bem, mas o Davi não respondia de forma nenhuma.”

Um novo medicamento foi utilizado e a transformação começou. “Ele reagiu a esse remédio muito rápido. Foi uma sensação inexplicável. Fui ao extremo dos sentimentos”, garante a mãe. “Quando ele começou a melhorar, foi extraordinário.”

Mãe não saiu do lado do filho (Foto: Arquivo Pessoal)

Mãe não saiu do lado do filho (Foto: Arquivo Pessoal)

De volta à vida

Já no quarto, após alguns dias, o garoto foi liberado para comer o que quisesse. Escolheu um lanche. “Mas quando saímos do hospital, ele quis a comida da avó.”

Por três semanas, Davi continuou o tratamento em casa. Agora, seis meses depois, sendo acompanhado no Ambulatório do Pequeno Príncipe, o menino está bem e espera ansioso a volta das aulas de futebol, liberadas pelos médicos.

O garoto está liberado para o jogo (Foto: Arquivo Pessoal)

O garoto está liberado para o jogo (Foto: Arquivo Pessoal)

Ele não gosta de falar sobre os dias no hospital, entretanto, segundo a mãe, não lembra dos piores momentos: a intubação e o uso da máscara de oxigênio. “Ele só diz que teve medo de morrer.”

Sara recorda que tudo foi muito rápido. “Ele estava bem, comemos um bolo, ele conversou, cantou parabéns e no outro dia começou a ficar ruim. É muito triste você ver um filho seu morrendo na sua frente um dia após o outro.”

A mãe, após tudo, vê um propósito maior. “Com isso, aprendi que precisamos amar e valorizar mais as pessoas, pois foi tudo muito rápido e eu poderia não ter mais ele comigo”, completa com a voz enrolada, como tantas vezes durante esta entrevista.

“Eu sinto por todas as mães que não tiveram essa oportunidade. Não sei qual foi o propósito de Deus, mas tem tanta gente sofrendo e não é por falta de fé”, acredita.

O que você precisa saber sobre a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica pós-covid

Muito se fala nessa síndrome, principalmente porque os pesquisadores começaram a perceber que ela se manifestava, em geral, em crianças que tinham contraído covid-19 e aparentemente já tinham melhorado. Lílian Cristina Moreira, pediatra e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que esse tipo de síndrome é parecida com o quadro clínico da Kawasaki, velha conhecida dos pediatras. "Ela é uma doença potencialmente grave, porque se caracteriza como uma vasculite, isto é, uma inflamação dos vasos", explica a médica. Essa vasculite tem uma predileção pelas artérias coronarianas — que levam o sangue para o coração. Além disso, pode acabar causando graves aneurismas, dilatação anormal das artérias.


Com o quadro clínico semelhante da Kawasaki, a síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica foi associada ao coronavírus. A pediatra diz que isso pode acontecer em crianças que tiveram um quadro leve da covid-19. Geralmente, a inflamação generalizada se apresenta após 15 ou 20 dias do início dos sintomas, mas também pode ocorrer em pacientes pediátricos assintomáticos.

"A suposição é que a síndrome é causada por uma resposta imunológica desproporcional à infecção. O coronavírus irrita e agride tanto o organismo que o sistema imunológico reage de forma exagerada", diz a médica. Analogicamente, é como se um exército fosse com tanques e bombas para atacar um pequeno grupo de pessoas. Como o nome diz, a síndrome causa uma inflamação dos vasos do corpo inteiro. "Imagine, todos os vasos sanguíneos — que são os tubinhos que levam o sangue (com oxigênio, glicose e nutrição) a cada célula — inflamados. Nenhum órgão é poupado. Por isso, é uma inflamação multissistêmica", afirma Lílian. Além disso, se os vasos estão inflamados, há dificuldades tanto de levar os nutrientes como de retirar as toxinas do corpo.

Em um momento de pandemia, é importante estar alerta a qualquer sintoma que pode ser covid, mesmo que seja um nariz escorrendo ou uma tosse, porque é possível que a criança desenvolva, dias após a infecção, uma complicação como a síndrome Inflamatória Multissistêmica. Os principais sintomas dessa doença são febre alta persistente, manchas pelo corpo, conjuntivite sem pus, pés e mãos inchados, dor abdominal, vômito e diarreia. Mas, fique alerta! Não precisa ter todos os sintomas, pode ser um ou dois. "Os pais devem estar atentos, apesar de ser uma síndrome rara", explica a pediatra.


O diagnóstico é feito pelos sinais clínicos e alguns exames específicos de sangue também podem mostrar que a criança está com um quadro inflamatório. Já o tratamento depende de cada caso, geralmente os médicos minimizam os sintomas e a resposta inflamatória. É possível que o paciente precise de suporte de oxigênio, já que os vasos estão inflamados e comprometem a troca gasosa. Há possibilidade de usar drogas vasoativas, que melhoram a resposta do coração e a própria resposta dos vasos.

Davi está recuperado (Foto: Arquivo Pessoal)

Davi está recuperado (Foto: Arquivo Pessoal)