• Tainá Müller
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Lembro que pouco antes de engravidar eu me pegava na ala de bebês da farmácia olhando aquela prateleira cheia de coisas fofas, imaginando a diversão que seria escolher os itens “básicos" para o dia em que eu tivesse um filho.

Quando o positivo veio, as inseguranças de um útero que contraiu bastante desde a semana 18 me fizeram adiar os planos. Mas, ao completar seis meses, me toquei para a famigerada viagem aos EUA para adquirir o tão sonhado enxoval. Segundo as pessoas com quem falei, valia a pena não só pelo lúdico da coisa em si, de estar com todas as possibilidades da indústria diante dos olhos, mas também pela questão financeira. Era 2015, o dólar ainda era relativamente baixo e eu, ainda relativamente inocente.

Tainá Muller (Foto: Instagram)

Tainá Muller (Foto: Instagram)

Lá fui eu com meu barrigão fazer todas as compras acompanhada do marido. De fato, para uma consumista moderada como eu era na época, o mundo do enxoval americano era um desbunde. Pra cada “ai” ou “pum" que seu bebê pudesse dar, cinquenta opções de gadgets brotavam como a solução para todos os seus problemas, na promessa do conforto e segurança absoluta. Corredores inteiros de plásticos “PBA free” para fazer a festa no futuro do oceano ofereciam os mais inimagináveis utensílios para cada mês do seu bebê. Pobre Tainazinha.

Saiu de lá com duas malas entupidas de coisas e um sorrisão estampado no rosto, o alívio de quem carregava a certeza de que agora, sim, já poderia ser considerada de antemão uma boa mãe, enquanto o feto Martin dava cambalhotas no ventre anunciando que logo mais iria nascer para desfrutar de tudo aquilo que só o capitalismo inconsequente podia oferecer.

Mas não precisou de muito tempo de puerpério e umas quinhentas tretas com a amamentação para perceber não a falha, mas a falácia do sistema. O bico de silicone, primeiro usado no desespero para fazer o bebê pequenino mamar, fez com que meu leite quase secasse por falta de estímulo boca-mamilo, algo essencial para a mágica cascata hormonal que faz brotar o nosso “ouro líquido” do peito. Saca a tal “confusão de bicos”? Pois não é lenda, ele teve também. A tal concha de silicone, me vendida como essencial para o sucesso do aleitamento, provocou uma candidíase mamária que fez com que eu quase desistisse de amamentar aos dois meses. E por aí vai.

Só consegui salvar a amamentação quando decidi praticar o desapego e abandonar as doze mamadeiras compradas (esse foi o número recomendado por uma amiga) e todos os outros intermédios industriais que atravessaram o caminho da única coisa óbvia que importava: a conexão bioquímica e energética do contato do meu corpo com o corpo do meu filho.

Mas 2015 foi no século passado e, graças às deusas, o mundo e eu temos mudado de forma vertiginosa. Mesmo com criança grandinha tenho seguido e lido muito mulheres que usam as redes sociais para falar de maternidade. Mas não a maternidade da lembrancinha do hospital, ou do look do dia de bebês fofinhos. Me interessa algo, digamos, mais transcendental que vem despontando no horizonte. Como um rio que brota sem fazer grande barulho, mas que nutre o solo e germina em sistema agroflorestal um novo mundo que começa exatamente no começo, no nascer.

Eu falo da sutil potência transformadora de mulheres que posam nas redes sociais absolutamente confortáveis em seus corpos, amamentando seus filhos que já andam, com textos intensos e cheios de confissões. Fotos de partos domiciliar, placentas e luas plantadas, doulas falando de um tal de sagrado feminino e ginecologistas que receitam chás e vaporização uterina. É todo um universo ganhando força e aderência, despertando a curiosidade de urbanoides que querem correr com os lobos como eu. Pois eu ouso a dizer sem medo algum, como o prenúncio oracular de uma carta do iching: é nessas mulheres que mora o início de uma grande revolução.

A maternidade da mulher contemporânea que pode escolher, da roupinha ao parto, está caminhando para o resgate de um saber ancestral que a modernidade patriarcal nos roubou. São mulheres que entenderam que, se você quiser, se você estiver disposta e tiver uma boa rede de apoio, é possível maternar de forma livre. Livre do sistema da cesárea eletiva, da lata de fórmula desnecessária, da violência obstétrica tão cotidiana no nosso país e das centenas de mentiras que o tal “mercado” nos conta todos os dias para vender. São mulheres de todos os tipos e classes sociais que têm algo em comum: o acesso à essa rede de informação cheia de feminismo e rebeldia, que espalha suas raízes como teias neurais por debaixo da terra árida devastada pelo machismo e pelo consumo.

Todos os dias eu me encho de esperança vendo mulheres sendo mães das mais diversas formas. Adoção, fertilização, gravidez natural. A rede de mães do Instagram me faz acreditar que um novo mundo ainda é possível. E que a Terra segue fértil e generosa, nos oferecendo todas as oportunidades. No dia em que a humanidade entender que é cuidando das mães que a gente vai pra frente, esse planeta será o melhor lugar para se habitar em todo o sistema solar. Tão legal que até os bilionários vão decidir ficar em casa, ao invés de migrar para Marte.

Tainá Müller, atriz, jornalista, pós-graduanda em filosofia contemporânea e mãe do Martin, 5 anos. Pensando a maternidade como um potente catalisador de evolução. (Foto: Arquivo Pessoal)

Tainá Müller, atriz, jornalista, pós-graduanda em filosofia contemporânea e mãe do Martin, 5 anos. Pensando a maternidade como um potente catalisador de evolução. (Foto: Reprodução/Instagram)

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