• Marcelo Cunha Bueno
Atualizado em

Nada muda da noite para o dia. A gente tem mania de querer que as crianças respondam e correspondam aos aprendizados mostrando que assimilaram, incorporaram e se transformaram imediatamente após a nossa intervenção. Não é assim que funciona. Leva tempo, exige paciência. Porque as crianças estão em busca de coerências e permanências das regras. Coerências nas ações que pedimos com o que praticamos. E permanência das regras, porque desconfiam que elas podem ser alteradas, conforme a vontade delas. Então, não dá para você pedir algo hoje e relevar amanhã.

As regras e combinados precisam ser mantidos para as crianças aprenderem. Elas se sentem seguras quando percebem que as regras estão ali, garantindo segurança, oferecendo limites. Seria ruim transitar por um terreno onde cada hora tem uma conduta.

O nosso trabalho educativo deve ser feito com esse cuidado – que é amor –, e deve ser sempre dotado de muita verdade. Insistência, paciência, coerência, permanência e consciência de que o tempo das crianças não é o cronológico, mas o da intensidade. Elas mudam quando sentem, e não quando acumulam.

+ Marcelo Cunha Bueno: "Aprendizado é acontecimento, transformação, a costura entre dois pontos que não se conheciam"

Criança pinta desenho (Foto: Vlada Karpovich/Pexels)

Por isso, também, é que devemos evitar recompensar as crianças com coisas ou trocas quando fazem algo ou deixam de fazer o que se deve. Isso é chantagem e ensina que a vida no coletivo teria um valor específico, calcado no ter, na posse. Que cada ação, que a ajudaria a viver melhor, pode ser “monetizada”, pode ser comprada.

"O elogio faz com que a criança possa refletir sobre suas ações"

Marcelo Cunha Bueno

Como incutir um espírito ético e empático nas crianças se não somos capazes de provocar sentido nelas? Sentido de aprender para melhorar o mundo, para viver melhor?

O que se pensa quando a gente diz: se não comer, não assiste televisão! Se não tomar banho, não brinca mais. Se não me obedecer, não vai mais jogar. A criança entende que obedecer é obrigação que pode ser comprada com algo, trocada por algo. Eu chamo isso de pensamento corrupto. Dessa forma, são os adultos que incutem na criança esse pensamento corruptível, que estará em busca de recompensa e será frágil na ética. Sempre existirá um interesse escondido em cada ação da criança. Sim, funciona, é rápido, mas não constrói, não consolida um caráter generoso. Os atalhos resolvem o agora, mas não sedimentam o futuro.

O melhor seria, como já disse antes em outras colunas, sempre elogiar. O elogio é o alicerce, a estrutura de uma personalidade empática. Elogiar cada pequena ação para mostrar para a criança que, quando algo ajuda a outra pessoa, ajuda também o meio a se tornar mais equilibrado. O elogio também faz com que a criança possa se olhar, refletir sobre as suas ações. Elogiar é reconhecer o esforço e, para a criança, crescer é um esforço danado. Aprender a conviver é forte e difícil. E elas precisam da nossa ajuda.

Do contrário, continuaremos afundados numa lógica onde cuidar das pessoas, da cidade e do país tem um preço, que não é o da necessidade, o da justiça, mas do eterno toma-lá-da-cá desses filhos de uma educação chantagista.

Marcelo Cunha Bueno é um educador apaixonado pela infância. É pai do Enrique, 9 anos. Diretor da Escola Estilo de Aprender, autor dos livros 'Sopa de pai' e 'No chão da escola: por uma infância que voa' (Foto: Divulgação)

Saiba como assinar a Crescer para ter acesso a nossos conteúdos exclusivos

saiba mais