• Elisama Santos
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Amigos reunidos, crianças correndo ao redor da mesa, gargalhada, comida e cerveja, quando um dos pequenos cai. O pai, que até então estava às gargalhadas, levanta, aproxima-se da criança, com as sobrancelhas cerradas e voz impaciente, determina que levante e pare de chorar. “Vai chorar? Você é macho ou não?” O menino, assustado, aperta os olhos, na tentativa de fazer as lágrimas voltarem, como se fosse possível conter a força do choro. Os amigos seguem em silêncio, porque já aprendemos – ou estamos aprendendo – que em briga de marido e mulher se mete a colher, mas na relação de filhos e pais não, pais podem fazer o que quiserem em nome da educação.

Pais dos EUA reclamam que filhos precisam comer ao ar livre, mesmo com frio (Foto: Pexels)

(Foto: Pexels)

Uma moça, que observava ao longe, levanta gentilmente, aproxima-se da criança, oferece colo e diz para o amigo: “Calma, ele é uma criança... E todo mundo chora”. O pai larga a cerveja e esbraveja: “O filho é meu, eu educo como eu quiser!”. Põe para fora palavras que não deveriam ser ditas, e o clima pula de festa para tensão em poucos instantes. Como alguém ousou questionar o poder que um pai tem sobre o seu filho?
 

"Precisamos aprender a encarar as conversas desconfortáveis”"

Elisama Santos



Há um tempo, meu filho tinha cerca de 3 anos, escrevi um texto sobre um coleguinha dele que se recusava a sentar em uma das várias cadeirinhas coloridas espalhadas pela sala de aula porque era cor-de-rosa. Eu não falava mal da família ou da criança, mas apenas usava a situação para ilustrar o quanto ainda temos a mudar enquanto sociedade. Assim que postei, alguém comentou: “Problema desse pai e dessa criança, você não tem nada a ver com isso!”. O grande problema é que tenho sim, todos temos. Todos viveremos as consequências da forma que as nossas crianças estão sendo educadas. A forma que o seu vizinho educa o filho ou a filha interfere na sociedade em que a sua filha ou filho vai viver. Simples e complexo assim.


Filho de mãe feminista pode, sim, virar machista, porque mãe sozinha não consegue blindar de todo o machismo do mundo. Por mais que eu empodere a minha filha, por mais que diga o quanto ela é linda, inteligente e capaz, ela ainda pode ser humilhada por um colega ou perder uma vaga de emprego, no futuro, simplesmente por ser negra. A nossa atuação individual tem enormes limitações. A mudança que precisamos tem de ser coletiva. E os filhos que educamos não são nossos, mas parte de uma comunidade – temos responsabilidade social pelo que ensinamos às crianças.

Como você vê a educação? Como vê a relação que estabelece com os seus filhos e filhas e que eles e elas estabelecem com o mundo? Já assumiu que, para além de educar alguém consciente do seu papel social, você também precisa pensar em como tem exercido esse papel? Precisamos aprender a encarar as conversas desconfortáveis, os assuntos espinhosos, os tabus... geralmente é neles que moram as sementes para a construção de um mundo melhor.

Elisama Santos é psicanalista, educadora parental, escritora, palestrante, mãe de Miguel, 8 anos, e Helena, 6 (Foto: Divulgação)

Elisama Santos é psicanalista, educadora parental, escritora, palestrante, mãe de Miguel, 8 anos, e Helena, 6 (Foto: Divulgação)

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