• Nathália Armendro
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A bibliotecária Tatiane Mendes de Souza Rocha, 39, e o consultor jurídico Carlos Eduardo Couto Rocha, 40 anos, sonhavam em ser pais havia alguns anos quando engravidaram de Estevão, após duas perdas gestacionais. A gravidez teve desafios desde o começo: com apenas 6 semanas, Tatiane precisou fazer tratamento para trombofilia gestacional e com 17 semanas de gestação foi necessário fazer uma cerclagem. Mas vencidas essas etapas e os tão temidos primeiros meses, a família não contava com o risco da prematuridade.

Mãe pode pegar Estevão no colo pela primeira vez apenas 60 dias depois do seu nascimento (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

Mãe pode pegar Estevão no colo pela primeira vez apenas 60 dias depois do seu nascimento (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

Com 23 semanas e cinco dias de gestação, a mãe precisou ser internada em decorrência de uma infecção de urina assintomática e apenas três dias depois, em 11 de abril de 2016, Estevão nasceu de parto vaginal – um prematuro considerado extremo.

“Comecei a sentir contrações, dores e o quadro evoluiu para um sangramento. Chegamos à maternidade em um sábado e conseguimos segurar três dias, na UTI semi-intensiva, tomando inclusive medicações para preparar o pulmão do bebê. Mas ele queria mesmo vir, e nasceu em um parto normal”, lembra a mãe, em entrevista exclusiva à CRESCER.

A Dra. Débora Passos, pediatra, neonatologista e nutróloga da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Pro Matre, onde Estevão nasceu, explica que alguns fatores podem causar o nascimento prematuro do bebê, entre eles: infecções do trato urinário, hipertensão arterial, estresse exacerbado, tabagismo, alcoolismo ou uso de outras drogas. Ela esclareceu ainda que a melhor forma de prevenir que o bebê nasça antes da hora é fazendo um acompanhamento pré-natal adequado, mas mesmo assim, nem sempre é possível evitar um nascimento prematuro.

Logo após chegar ao mundo, Estevão – que tinha apenas 500g – foi intubado e levado para a UTI Neonatal. A mãe, Tatiane, só pôde pegá-lo no colo pela primeira vez quando o filho já tinha 60 dias de vida. “Ele era um bebê muito frágil, não tinha condição de segurar, cabia na palma da mão. Sabíamos que tudo aquilo era necessário para que ele ficasse bem e fomos assimilando com o tempo. Mas segurar o Estevão pela primeira vez foi mágico, tão pequeno, o primeiro colo foi o momento em que acreditamos que tudo ia dar certo”, relata Tatiane.  

Enquanto não podiam segurar o filho nos braços, os pais apostavam no toque leve, nas conversas e, principalmente, nas músicas que cantavam para o bebê. “A gente cantava para ele o tempo todo e hoje ele é um menino muito musical! A gente sente que ele sabe que passou por uma situação complicada no início da vida, ele foi muito corajoso e a música marcou esse período”, diz Carlos Eduardo, o pai do pequeno.

Pais de Estevão acreditam que o momento tenha memórias musicais do período de internação (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

Pais de Estevão acreditam que o menino tenha memórias musicais do período de internação (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

A dura rotina da UTI Neonatal

Foram mais de 90 dias intubado e quase cinco meses de UTI Neonatal, período no qual os pais o visitavam todos os dias, sem exceção. E nesta jornada, o time multidisciplinar que acompanhou a família foi fundamental: pediatras neonatologistas (especialistas em prematuridade), enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogas, além de especialistas em áreas como cirurgia pediátrica, oftalmologia, genética, neurologia, otorrinolaringologia e cirurgia vascular.

“No começo foi assustador, mas depois fomos tocando. O ambiente da UTI Neonatal é um ambiente de vida! Virou a nossa casa, conseguíamos bater papo com a equipe, dar risada, e esse ambiente leve foi também importante para nós”, descreve a mãe.

Entre infecções, diálise e procedimentos cirúrgicos, todos causados pela prematuridade, Estevão demorou para conseguir se alimentar. E mesmo com essas dificuldades, por quase seis meses o leite de sua mãe foi sua fonte de nutrição. “Consegui ordenhar no banco de leite, o que também foi positivo. Ele recebeu o meu leite durante toda a internação. Primeiro com a sonda, porque ainda não conseguia sugar e deglutir, e no finalzinho conseguiu mamar um pouco”.

Dra. Débora explica que é fundamental que o pequeno receba leite materno durante essa fase da vida. “O leite materno é o padrão ouro em nutrição para o recém-nascido prematuro. É o único que atende adequadamente às necessidades nutricionais para o melhor desenvolvimento, principalmente o neurológico. Ele contém ainda anticorpos que ajudam a evitar infecções nesse período crítico do bebê”, ressaltou a médica.

Além disso, outro fator importante que aumenta o vínculo entre mãe e filho e pode até ajudar a mãe a produzir mais leite materno é o contato pele a pele. “Também chamado de Método Canguru, esse contato promove o ciclo entero-mamário, pelo qual a mãe transfere para o filho, via leite humano, a sua memória imunológica, protegendo-o de infecções graves durante a internação”, acrescenta a pediatra. “O Método Canguru também contribui para reduzir o tempo de internação do prematuro, à medida que colabora para diminuir complicações, como infecções, e promove um melhor ganho de peso do bebê”, afirma Débora.

Aos 5 anos, Estevão celebra a vida normal ao lado dos pais, feliz e grato (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

Aos 5 anos, Estevão celebra a vida normal ao lado dos pais, feliz e grato (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Mendes de Souza Rocha)

Vida nova após a alta

Durante os meses de internação, Estevão precisou passar por três procedimentos cirúrgicos para correção do canal arterial, da retinopatia e de uma hérnia inguinal bilateral. O dia da alta era o mais esperado pelos pais. E, em 27 de janeiro de 2017, o casal finalmente pôde levar o filho para casa. “Foi maravilhoso tê-lo em casa depois de tanto tempo, em seu quarto preparado com tanto amor”, conta Tatiane. A família, que morava em São Paulo na época do nascimento, hoje vive em Curitiba, no Paraná.

Em 2020, o pequeno Estevão precisou fazer mais uma cirurgia para correção da cranioestenose, que consiste no fechamento de uma das suturas do crânio, impedindo o  crescimento normal do cérebro. Atualmente com 5 anos, ele cresce saudável, vai à escola, faz natação, aula de música (sua paixão), mas ainda segue com acompanhamento de alguns especialistas, como a fonoaudióloga. 

Dra. Debóra explica que quanto maior a gravidade do caso, maiores as chances de a criança sofrer sequelas neurológicas a longo prazo, como paralisia cerebral, e sequelas gastrointestinais, como a Síndrome do Intestino Curto (SIC), que é caracterizada por uma má absorção intestinal e pode levar a complicações metabólicas. Além disso, existe um risco maior de depressão, TDHA e autismo em crianças que foram prematuras do que em recém-nascidos a termo, ou seja, a partir de 37 semanas de gestação. No entanto, o avanço da tecnologia das UTIs Neonatais tem possibilitado, cada vez mais, que os bebês prematuros sobrevivam sem nenhuma sequela e tenham uma excelente qualidade de vida.

“Uma vida normal era tudo que a gente mais queria. E é maravilhoso vê-lo hoje, grande, forte, cheio de energia, autonomia, feliz e grato. Por muitas vezes a gente pensa ‘quando isso vai acabar?’ E acaba! Digo sempre às outras mães de prematuros: chore o que tem que chorar, mas depois levante, lave o rosto e encare. Confie, acredite que seu filho é forte e esteja ao lado dele. Tudo isso vai passar”, conclui Tatiane.

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