• Teresa Ruas
Atualizado em
Os cuidados com o sistema imunológico de um prematuro (Foto: Getty Images)

Os cuidados com o sistema imunológico de um prematuro (Foto: Getty Images)

É uma realidade que os efeitos da prematuridade, especialmente da extrema, não se finalizam com a alta hospitalar. Para nós, pais de prematuros, essa afirmação supracitada é bem compreendida e vivida em nosso dia a dia, desde que o o bebê recebe a alta hospitalar, exatamente porque a ida para casa não significa que essa criança não mais necessitará de um cuidado e atenção especial por parte da família.

Um dos cuidados que toda família de prematuros enfrenta é a restrição das visitas em casa. E isso não significa uma superproteção dos pais ou neurose de mãe de UTI Neonatal traumatizada. Ela é necessária, sendo umas das primeiras orientações médicas na alta hospitalar, mesmo que a criança não tenha apresentado nenhum problema mais sério provindo da prematuridade.

É importante frisar que o sistema imunológico de toda criança é parcialmente imaturo até os 4 anos de idade, desenvolvendo-se até completar a sua maturidade no período da pré-adolescência, por volta dos 12 anos. Portanto, especialmente nos primeiros anos de vida de todo bebê, a imunidade ainda é muito baixa, o que requer um cuidado especial por parte de todos os pais. Se o sistema imunológico é imaturo em todos os bebês, mesmo nos que nasceram a termo e sem nenhuma complicação clínica, o dos prematuros é ainda mais.

Essa característica existe porque o prematuro recebeu parcialmente da mãe os anticorpos/ células de defesa, chamadas de imunoglobulinas. Elas são importantes para combater e atuar nas infecções e reinfecções virais e bacterianas, sendo que o maior aporte de defesas do organismo acontece nas últimas quatro semanas de gestação, período em que os prematuros, frequentemente, já não estão mais no útero materno.

Além disso, é muito comum o recebimento de antibióticos em longos e variados períodos da internação em uma UTI Neonatal. Antibióticos agridem os micro-organismos que colonizam o organismo e que possuem uma grande função de defesa contra os agentes agressores. Somado a isso, verifica-se com frequência, que os prematuros, especialmente os extremos, não recebem o colostro nos primeiros dias de vida e podem receber o leite materno de forma mais tardia. O colostro é considerado a primeira vacina dos bebês, por conter células de defesa importantes para a proteção do organismo. O aleitamento materno é fundamental para a promoção da maturação do sistema imunológico nos primeiros anos de vida, especialmente para os prematuros.

Dessa forma, diante de todo um quadro clínico e fisiológico que difere muito de um bebê a termo, os cuidados normais com restrição de visitas, entrada em uma escolinha, passeios em ambientes fechados, com grande aglomeração e ações de higienização das mãos, brinquedos e ambiente domiciliar terão que acontecer por um período muito maior de tempo e com uma outra qualidade quando se trata de um bebê prematuro.

Visitas em casa após a alta hospitalar precisam ser restritas porque as pessoas podem transmitir vírus que, para uma criança com uma baixa imunidade, são capazes de provocar infecções graves, causando o retorno ao ambiente hospitalar. Algumas infecções virais, como gripe, podem até ser assintomáticas e passar desapercebidas para os adultos. No entanto, esse mesmo vírus pode provocar infecções muito graves em prematuros, como a tão temida e traumática bronquiolite.

Pais de prematuros que passaram por um período de longa internação e que possuem filhos com broncodisplasia - doença pulmonar crônica- ou problemas cardíacos temem a mínima possibilidade de seus bebês contraírem qualquer vírus respiratório, em especial o vírus sincicial respiratório, o famoso VSR. Pessoas gripadas são potenciais transmissoras desse vírus, que pode provocar infecção no nariz, na garganta, na traqueia e na parte mais delicada dos pulmões, os bronquíolos, causando um inchaço que estreita as vias respiratórias, tornando a respiração bem mais difícil para o bebê.

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Como o grande segredo para evitar o contágio de qualquer vírus respiratóro, ou de qualquer gripe, incluindo atualmente o coronavírus, é a prevenção, o hábito de lavar bem as mãos com água e sabão e higienizá-las com álcool 70, antes de tocar no bebê, não é um hábito que nós pais de prematuros apresentamos por estarmos exagerando nos cuidados, proteção ou por tentar “ trazer “ as características de um ambiente hospitalar para a nossa casa. Antes de qualquer julgamento - que, frequentemente, nós, pais de prematuros, recebemos das pessoas ao redor sobre a preocupação extrema com a higiene das mãos -, esse simples ato pode significar a prevenção de doenças muito temidas no período pós alta hospitalar, como a bronquiolite.

Evitar ambientes fechados, aglomerados, sem ventilação necessária e o contato com crianças e adultos gripados/resfriados, tais como o ambiente de uma escola, restaurantes ou shoppings, não significa que, nós pais de prematuros, realmente protegemos os nossos filhos além dos limites esperados. Significa, antes de tudo, que os pais de crianças imunodeficientes e que tem características clínicas distintas dos a termos, compreendem que esta é a melhor forma de evitar hospitalizações frequentes, especialmente durante os dois primeiros anos de vida.

Minha filha prematura extrema de 23 semanas e 1 dia, mesmo recebendo todas as vacinas necessárias, incluindo a Palivizumabe - medicamento indicado para aumentar a proteção dos prematuros contra a infecção pelo vírus sincicial respiratório - foi liberada para a escola após os 3 anos de idade. Já o meu prematuro de 32 semanas, seguindo as mesmas orientações quanto a vacinas, após completar 2 anos. Pessoalmente, como uma mulher que sempre trabalhou fora de casa, nunca imaginei, antes de vivenciar os efeitos a curto e a longo prazo da prematuridade, que teria que abrir mão, temporalmente, de minha profissão. Como minha filha apresentava uma imunodeficiência significativa e problemas respiratórios e cardíacos que exigiam todo um cuidado médico e clínico mesmo após a alta hospitalar, eu e meu marido optamos também por não ter babá, já que a nossa casa já estava sendo “habitada” por vários profissionais de saúde do home care. Desejávamos cuidar e ter momentos com a nossa pequena sem a interferência de ninguém. Particularmente, eu precisava sentir que podia e conseguia cuidar da minha filha sozinha, mesmo com todas as características clínicas que ela apresentava.

Como mãe de dois prematuros, afirmo que todas as transformações que a prematuridade impõe a nós pais, sejam elas pessoais, sociais ou profissionais, podem nos causar muita exaustão física e emocional. Não receber visitas, tardar a entrada do filho em uma escola, escolher ou não ter uma babá ou se ausentar de eventos socais e familiares são escolhas necessárias e orientadas pela própria equipe de saúde que acompanha as particularidades de nossos prematuros. Escolhas sobre as quais não cabem julgamentos ou opiniões que não levam em conta os efeitos a longo prazo da prematuridade para o desenvolvimento infantil e para o contexto familiar.  Porém, posso afirmar também que apesar das dificuldades enfrentadas, aos poucos, vamos percebendo o quanto é possível exercer os nossos papéis pessoais, profissionais e sociais, além daqueles impostos pela maternidade e paternidade de uma criança que exige cuidados e atenção especial por um período maior de tempo. Afinal de contas, ser mãe e pai de prematuros não é um desejo e nem uma escolha nossa, mas a maneira como vamos lidar com toda essa realidade será, sim, uma escolha pessoal e familiar.

Com carinho, Teresa Ruas

Teresa Ruas, a filha Maitê, o marido Marcel e o filho Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

Teresa Ruas, a filha Maitê, o marido Marcel e o filho Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

Teresa Ruas é terapeuta ocupacional infantil, organizadora do livro Prematuridade extrema: olhares e experiências e mãe de Maitê Maria e Lucca, que nasceram prematuros. É também autora do site Prematuros e integrante da ONG Prematuridade.com. Siga-a no Instagram @prematurosbr.


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