• Naíma Saleh
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Os desafios da amamentação na volta ao trabalho (Foto: Getty Images)

Os desafios da amamentação na volta ao trabalho (Foto: Getty Images)

Mais cedo ou mais tarde, os 120 dias (ou 180, no caso de quem trabalha nas chamadas empresas-cidadãs) de licença-maternidade chegam ao fim. E tornam a amamentação - que já não é tarefa das mais simples - ainda mais desafiadora. Manter o aleitamento exclusivo em consonância com a jornada profissional envolve muitas variáveis: a rede de apoio que a mulher tem em casa, a flexibilidade dos horários de trabalho, as condições de deslocamento, a estrutura disponível para extração e armazenamento do leite durante o expediente. Por isso, cada mãe precisa buscar soluções diferentes, ainda que todas as alternativas tenham um denominador comum: planejamento. É preciso se organizar muito. O que inclui se informar sobre extração e armazenamento do leite, coordenar horários, fazer combinados com toda a rede de apoio e o principal: acreditar que tudo vai dar certo. Algumas mães contam como fizeram:

Acadêmica e recém-mãe

Se não pudesse contar com uma rede de apoio, o início da amamentação de Gabriel, 1 ano, teria sido ainda mais atribulado para a psicóloga e professora Ana Carolina Lemos Ferreira, 37 anos. Ela não teve exatamente uma volta ao trabalho porque nunca parou de fato: durante a licença-maternidade, precisou correr para finalizar o doutorado e teve de conciliar a rotina de recém-mãe com todas as exigências de uma produção acadêmica. “Meu puerpério foi duplo e muito dolorido: não sei se o que doía mais era a cicatriz da cesárea ou da tese”, lembra. 

O que a fez persistir na amamentação foi a certeza de que o leite materno era o melhor alimento para Gabriel e o fato de poder contar com uma rede de apoio - para ela e para o bebê, em meio a tanto estresse. Noites em claro, leituras, revisões, prazos apertados…junto com a recuperação do parto, a nova rotina, toda atenção e cuidados que um bebê exige. “Eu fiquei com medo de o leite secar, porque todo mundo me falava que o que faz secar o leite é o cortisol”, explica ela, referindo-se ao hormônio associado ao estresse.

Na linha de frente da rede de apoio, estava o marido, Arlindo, que dava o leite no copinho desde a maternidade e durante as madrugadas também, para que Ana pudesse dormir melhor e render mais durante o dia. Ela lembra que, ainda no primeiro mês, Gabriel precisou tomar um pouco de fórmula, por conta do ganho de peso. E era Arlindo quem preparava tudo e treinou para alimentá-lo no copinho, na colher dosadora e, algumas vezes, na mamadeira. A avó, mãe de Ana Carolina, também aprendeu como alimentar Gabriel e deu apoio à filha nesse momento tão intenso.

Ana Carolina lembra desse período como um processo dolorido, trabalhando de casa, perto do filho, mas sem poder dar a atenção a ele que gostaria. “Saber que eu estava em casa com vontade de amamentar e meu filho com vontade de mamar, escutando ele chorar, não foi fácil”, conta. Felizmente, a fase turbulenta foi superada. O doutorado foi entregue - e aprovado! - e Gabriel segue mamando até hoje.

Uma volta e uma viagem

Mesmo contando com uma licença de seis meses e todo o apoio do marido, a engenheira de alimentos Marcela Mayumi, 32, mãe de Vicente, de 1 ano e oito meses, ficou muito insegura na volta ao trabalho. “Fiquei com medo de não conseguir tirar uma quantidade de leite suficiente. Minhas duas amigas do trabalho que engravidaram ao mesmo tempo que eu interromperam o aleitamento na primeira semana que retornaram”, lembra. O apoio da pediatra de Vicente foi fundamental. Prestes a retornar, Marcela pediu à médica uma fórmula, já contando que não daria conta de estocar a quantidade de leite necessária, mas ela se recusou a prescrever. Disse que se fosse necessário, era só ligar, mas que Marcela deveria esperar para ver como as coisas caminhariam. E deu tudo certo. Com um pouco de organização para ordenha e estoque foi possível manter o aleitamento exclusivo até por volta de Vicente completar um ano.

A estrutura da empresa foi fundamental nessa conta. Na empresa de Marcela, há uma sala para amamentação e ordenha, com pia para higienização, freezer e todo conforto e tranquilidade para as mães. “Eu sempre tive muito leite. Então por volta das 10h da manhã meu peito já estava cheio e, à tarde, eu ordenhava de novo. O leite que eu tirava no trabalho ia no dia seguinte para a escolinha”. Ela conta que já precisou fazer reuniões dentro da salinha enquanto tirava leite, mas conseguiu organizar seus horários para respeitar religiosamente os momentos de ordenha.

Mas nem tudo rolou tão tranquilo. Marcela precisou fazer um treinamento de trabalho nos Estados Unidos, pouco depois de Vicente completar um ano. Ela ficaria fora uma semana e ficou apreensiva, principalmente com as mamadas da madrugada. “Ele sempre dormiu bem picadinho e eu oferecia o peito para ele voltar a dormir”, lembra. Um mês antes da viagem, ela e o marido tentaram introduzir a fórmula à noite, para que Vicente fosse acostumando. E foi uma grande catástrofe. Vicente não queria de jeito nenhum. Depois de muito choro - do filho e da mãe - Marcela ficou mais calma ao conversar com uma consultora que explicou que era melhor parar de forçar. “Ela me disse que eu devia ficar com ele o quanto pudesse antes de viajar em vez de ficar forçando-o a se acostumar com a fórmula. Me explicou que quando eu não estivesse, ele perceberia que havia outras pessoas para apoiá-lo”, lembra.

Mesmo assim, ela foi viajar com o coração apertado. Mas, para a surpresa - e alívio - da mãe, Vicente acabou pegando a fórmula para dormir à noite e passou a semana superbem. O único erro de Marcela foi achar que, por estar longe do filho, não produziria leite. “Na primeira noite, chorei de saudades dele e tive que ordenhar manualmente o peito cheio”, conta. De volta para casa, Vicente voltou para o peito naturalmente, como se Marcela tivesse só ido até a esquina.

Perto e longe

Lailla Torricelli, 30 anos, enfermeira e mãe de Pedro, de 1 ano e um mês, sempre amamentou de maneira exclusiva. E teve a sorte de voltar ao trabalho de uma forma bem mais tranquila que a maioria das mães. Isso porque ela trabalha em uma maternidade pública, amiga da criança, que apoia o aleitamento materno. Lailla, portanto, pode contar com uma creche para filhos de funcionários do hospital, onde deixava o filho, o que tornou a vida de Lailla e Pedro mais fácil nesse momento tão delicado de separação. “Não tive que fazer estoque de leite, podia descer para amamentar sempre que precisasse. Não tive que passar por todo planejamento que outras mães precisam fazer”, lembra.

Sempre que Pedro queria mamar, Lailla era avisada e descia para a creche, que ficava em uma construção adjacente ao hospital. Com o passar o tempo e a introdução alimentar, as mamadas foram ficando naturalmente mais espaçadas. “A única coisa é que eu precisava me organizar, porque às vezes me chamavam para amamentar e eu estava em alguma reunião ou procedimento”, conta. Isso não quer dizer que a volta ao trabalho não foi sentida pela mãe. Apesar de não ter grandes empecilhos para manter o aleitamento, é claro que a rotina de Lailla e Pedro mudou bruscamente. “ Antes a gente ficava grudado o dia todo. A separação foi muito difícil”.

Com a pandemia, porém a creche precisou ser fechada. Na época, Pedro estava com oito meses e meio. Felizmente, nessa época Pedro já estava comendo bem e a mãe de Lailla conseguiu vir para perto para ajudar nos cuidados com o neto. “Sempre deixei leite, mas foram poucas vezes que minha mãe precisou dar para o Pedro no copinho. A gente não contava que a pandemia ia durar tanto tempo…”, comenta. No primeiro mês de pandemia, ela ordenhava no hospital e conseguia armazenar no próprio banco de leite. Depois, as mamadas foram ficando espaçadas o suficiente para que bastasse a Pedro mamar só enquanto a mãe está em casa - isso, claro, com o aval da nutricionista que o acompanha. “Hoje é muito diferente estar longe. Antes, se ele precisasse de alguma coisa, era só descer e ele estava pertinho”, comenta a mãe. Atualmente, Lailla amamenta antes de sair para o trabalho e, quando volta, Pedro mama muito e em livre demanda - especialmente de madrugada. “Sempre tive muito apoio da minha família, para amamentar em qualquer lugar. E fazer parte de grupos de mães, para partilhar as dificuldades, também faz toda a diferença”, completa.