Sentidos do habitar

Por Clotilde Perez

Colunista | Semioticista, professora da Universidade de São Paulo (USP) e fundadora da Casa Semio.x

Os inícios chegam com o aroma do bom, do belo e do verdadeiro. O que principia, sugere e inspira elevada positividade. É assim com o desabrochar de um novo ano. Mais do que espera, queremos o melhor e o mais bonito. Se ainda for lógico e científico, perfeito. São dessas âncoras de significado que surge a palavra esperança, alicerçada na expectativa e no otimismo.

Derivada do latim spéro, (espera), tem a matriz da prontidão, mas também dos bons presságios e da potência da mudança. Não é só espera, é a espera por algo positivo e a disposição para tal. Assim, é um estado cognitivo e emocional positivo assentado na possibilidade de êxito, na determinação e em planos para alcançar nossos quereres.

A celebração de Ano Novo está muito associada à esperança — Foto: Freepik / Creative Commons
A celebração de Ano Novo está muito associada à esperança — Foto: Freepik / Creative Commons

Esperança é um sentimento próprio de quem vê como factível a realização daquilo que se deseja. Associa-se com a confiança em coisas boas. Também se relaciona com a segurança, no sentido de “poder contar com”. É, portanto, uma potência extremamente positiva e inspiradora de uma postura de prontidão e de atitudes que induzam às realizações.

A esperança favorece a determinação, acompanha-nos e guia, principalmente, em momentos difíceis, de incertezas e sofrimentos. Portanto, tem uma função de acolhimento e sobrevivência. Precisamos de esperança. Ela é uma das três virtudes teologais, formando com a fé e a caridade a tríade que guiará e garantirá os bons comportamentos, por isso, a salvação decorrente da graça de Deus.

A tradição cristã crê que essa trindade revela o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas capacidades do homem. Essa tradição filosófica e religiosa traz as conexões de esperança com crença e fé, ambas com alta carga de otimismo e conformismo, que acalmam a alma.

De onde vem o ditado popular “A esperança é a última que morre”?

Digamos que não é tão popular assim. Pandora, a primeira mulher humana grega, criada por Zeus para se casar com Epimeteu, irmão de Prometeu – que já estava cumprindo seu castigo eterno –, carregava sua ânfora (ou caixa em outras versões) sem saber o que continha no recipiente.

Em determinado momento, Pandora decidiu abrir a caixa liberando os males do mundo – uma famosa “pegadinha” de Zeus para punir não apenas Prometeu, mas também toda a humanidade. Ao perceber o que havia feito, Pandora fecha a caixa rapidamente preservando no fundo Élpis, a esperança. Daí surge a expressão “a esperança é a última que morre”, porque ela está guardada, preservada e segura.

A esperança é a última possibilidade, por isso, agarramo-nos a ela. Mais do que associarmos a esperança aos males, como aqueles liberados por Pandora, esperança é a potência de mudança. Na semiótica de Peirce não há como não associar a esperança às Ciências Normativas: a ética, a estética e a lógica. De alguma maneira, a esperança atravessa cada uma delas e se plasma no desejo pelo admirável, o summum bonum, o bem supremo, nosso ideal.

Que a esperança seja nosso guia em direção ao bom, ao belo e ao verdadeiro em 2023!

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