Luiz Sobral Fernandes

Por Luiz Sobral Fernandes

Colunista | Arquiteto sócio da Meridional Arquitetura, escritório que atua em projetos de diferentes escalas e Doutorando pela ETSAB/UPC Barcelona, na Espanha

Recentemente, revi Bernardes, um documentário sobre o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002). O filme guiado por Thiago Bernardes, seu neto, que também trabalha com arquitetura, mostra o percurso profissional turbulento de um dos mais importantes arquitetos cariocas do século passado. Hoje, disponível em algumas plataformas de streaming, é um trabalho interessante para aqueles que gostam de arquitetura moderna.

Não deixe de assistir o documentário "Bernardes" para conhecer a fundo o arquiteto moderno — Foto: Divulgação
Não deixe de assistir o documentário "Bernardes" para conhecer a fundo o arquiteto moderno — Foto: Divulgação

Sérgio foi, em um primeiro plano, um arquiteto com escritório de sucesso – do ponto de vista criativo e comercial. Seu espaço na Avenida Lucio Costa, na Barra da Tijuca, endereço que, atualmente, abriga uma academia de ginástica, que desfigurou o local de trabalho do arquiteto, possuía muitos colaboradores, uma estrutura empresarial e um volume significativo de clientes. Este edifício, projetado por Bernardes e muito pouco conhecido, já demonstra a criatividade espacial que o profissional possuía desde muito jovem.

Aliás, quando começou a trabalhar com arquitetura, Sérgio Bernardes tinha apenas 13 anos e abriu uma pequena oficina de maquetes. Antes mesmo de completar a graduação, teve um projeto publicado na renomada revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui.

As muitas casas que projetou para famílias endinheiradas estão à venda em imobiliárias no Rio de Janeiro e até em São Paulo – muitas delas, ainda intactas, sem reformas grosseiras, o que demonstra a qualidade de seu trabalho e o interesse destas famílias no trabalho que ele realizou.

Nessas moradas, Sérgio Bernardes desenvolveu uma linguagem de projeto muito particular. Distante de outros arquitetos do período, criou imóveis com paredes de pedra, elementos metálicos, coberturas com telhas de fibrocimento, avarandadas, com elementos de concreto aparente e muito vidro – são casas feitas para a sociabilidade, para receber amigos, para a celebração do gozo da vida.

O mais célebre exemplo é a casa projetada para Lota de Macedo Soares, em 1951. A estrutura metálica é tão esbelta e bem desenhada que poucos ficam indiferentes ao espaço projetado.

Residência construída em Petrópolis, no Rio de Janeiro, para Lota Macedo de Soares, em 1953 — Foto: Kykah Bernardes, Paulo de Barros / Acervo Sergio Bernardes / Divulgação
Residência construída em Petrópolis, no Rio de Janeiro, para Lota Macedo de Soares, em 1953 — Foto: Kykah Bernardes, Paulo de Barros / Acervo Sergio Bernardes / Divulgação

No entanto, não tenho dúvida de que as arquiteturas mais interessantes de Sérgio Bernardes estão distantes da esfera doméstica. Em 1962, o arquiteto projeta o hotel Tambaú em João Pessoa, na Paraíba.

O projeto parte de uma grande planta circular e, no perímetro, localizam-se os quartos. No centro, as áreas comuns do hotel, como piscina e jardins. Desenhado para ser um grande talude que se camufla na paisagem, invade uma parte considerável da faixa de areia da praia de forma que as ondas atinjam constantemente o edifício, projetado para potencializar este ruído.

Hotel Tambaú construído no litoral de João Pessoa, em Pernambuco, em 1962 — Foto: Kykah Bernardes, Miguel Rio Branco, Paulo de Barros / Acervo Sergio Bernardes / Divulgação
Hotel Tambaú construído no litoral de João Pessoa, em Pernambuco, em 1962 — Foto: Kykah Bernardes, Miguel Rio Branco, Paulo de Barros / Acervo Sergio Bernardes / Divulgação

Outro projeto relevante é o Pavilhão Brasileiro projetado para a feira de Bruxelas, em 1958. Desenhado com uma grande cobertura côncava, tinha um buraco no centro e, acima, um balão inflável com hélio.

Quando fazia calor, o balão era liberado e permitia que o pavilhão fosse ventilado; quando fazia frio, ele descia e tampava o buraco; quando chovia, ficava em uma posição permitindo que a chuva escorresse pela superfície, criando uma cascata interna.

Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Bruxelas, em 1958 — Foto: Bernardes Arquitetura / Divulgação
Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Bruxelas, em 1958 — Foto: Bernardes Arquitetura / Divulgação

Na esfera do design, Sérgio Bernardes projetou a poltrona Rampa, uma das peças de mobiliário brasileiro mais interessantes do século passado. Feita com dois rolos de espuma, um superior e outro inferior, ela se molda ao corpo ao sentar, já que o tecido cede com o movimento dos rolos. É uma peça que valoriza o corpo e a sua engenhosidade, que se movimenta e transforma quando alguém se senta nela.

A poltrona "Rampa" é uma síntese do pensamento de seu criador, o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002) — Foto: Dpot / Divulgação
A poltrona "Rampa" é uma síntese do pensamento de seu criador, o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002) — Foto: Dpot / Divulgação

Bernardes teve um reconhecimento considerável pelo seu trabalho, principalmente nas primeiras décadas de atuação profissional. Ele marcou presença em publicações importantes e é um dos representantes, para o mundo, da arquitetura moderna brasileira.

Ao avaliar as páginas da revista Módulo nesse período, a impressão é que Oscar Niemeyer e Sérgio Bernardes eram nomes importantes, talvez até em igual peso, na arquitetura carioca dos anos 1950. E, para além da presença de Bernardes na publicação, ele ganhou vários prêmios em sua carreira e esteve presente em outros muitos veículos nacionais e internacionais.

Em outro plano, ainda pouco explorado e mais detalhado pelo documentário, Bernardes foi um arquiteto que teve muitas reviravoltas em sua vida pessoal e profissional. De certa forma, esteve envolvido em projetos relevantes para o governo, que se instalou de surpresa no Brasil a partir de 1964 – o que deve ter incomodado o ambiente profissional que sofria com o autoexílio de Niemeyer e o afastamento compulsório de Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha da Universidade de São Paulo.

Como fica claro no documentário, a partir desse momento, ele foi se tornando um personagem esquecido por colegas e pelos estudantes na época. O final dos anos 1980 termina bem mal para o arquiteto, que se vê endividado, sem trabalhos e na obrigação de fechar seu escritório no Rio de Janeiro. Um final melancólico para um arquiteto que iniciara uma carreira muito promissora nos anos 1950.

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