Tatiana Leite vive em um prédio em que parte da fachada é feita de tijolinhos, na Vila Madalena. Não é uma construção antiga, apesar do gosto declarado da moradora por quase tudo o que envolve um certo perfume retrô. Ela é dessas que vasculham caixas em busca de relíquias. Certa vez, enquanto olhava algumas fotos, ela notou, no fundo de um retrato com seu avô, uma linda cortina estampada com margaridas e um ar setentista. A casa seria demolida para virar um estacionamento naquele mesmo dia. “Peguei o carro, fui até lá e arranquei as cortinas da sala a tempo! Fico emocionada quando revisito o passado, quando entro em um lugar preservado. Me traz uma certa nostalgia de infância. Fui criada no interior, em casa de vó e vô. É como se eu voltasse a ser criança... esse é o meu lugar de conforto”, conta.
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Mas Tati é múltipla. Define seu estilo como “vovó contemporânea”, e isso tem a ver com sua vontade de explorar horizontes e se jogar por aí. Hoje fotógrafa, ela teve por anos uma loja em uma casa de vila em São Paulo, repleta de objetos de decoração, peças de mobiliário, roupas e acessórios garimpados mundo afora com uma amiga. Quando fechou a Casa 15, foi estudar cinema, trabalhou como diretora de arte e fez uma viagem de 50 dias pela região oeste da África para fazer um documentário independente, ainda em fase de montagem, que fala sobre escravidão.
Foi a vista ampla do alto da cobertura dúplex que a conquistou na primeira visita ao apê em 2014. Ela vivia em um imóvel antigo de 70 m² ali perto e, além da meta de se livrar do aluguel e “conquistar o sonho da casa própria”, queria ampliar a metragem. “Havia a possibilidade de dobrar o espaço no segundo andar, em cuja laje havia apenas uma churrasqueira e uma pia; o prédio autorizava a construção seguindo algumas regras de altura e a exigência de caixilho branco e vidro”, explica.
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Fechou negócio e embarcou na aventura de uma reforma que só terminaria em 2016 e cujo projeto de decoração incluiu um contêiner que foi içado por 20 homens até o oitavo andar e transformado em lavabo; um muito cobiçado móvel de madeira em forma de vaca que quase virou um trambolho; e a meta ousada de colocar uma toalha de piquenique no teto da cozinha. Sua parceira na obra foi a arquiteta Julliana Camargo. “Vi um projeto da Ju cheio de cores e achei que tinha tudo a ver. Como eu sabia muito bem o que queria, precisava de alguém com quem tivesse liberdade, e não que simplesmente impusesse um projeto”, conta Tati.
É um apartamento surpreendente, ao mesmo tempo cheio de cores e texturas, mas com espaço, com respiro. Cada objeto atrai olhares curiosos e atentos aos detalhes. Não há uma peça sequer que não envolva uma história ou adicione um toque de bom humor ao décor. “Definitivamente não tivemos medo de mistura. O projeto foi sendo aos poucos preparado para receber as coisas dela; ter uma certa neutralidade nos revestimentos era uma preocupação para depois entrar com texturas e tecidos”, conta Julliana.
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Parte das fotos feitas na Serra do Navio, no Amapá, estão penduradas nas paredes do segundo andar, próximas de um punhado de feno e de alguns troncos de madeira que Tati trouxe da fazenda de sua família em Analândia, onde acaba de iniciar um projeto que envolve o resgate da cultura caipira e uma agrofloresta de macadâmia. De fato, toda sua história culmina ali; naquele bairro que respira arte, gastronomia e cultura; entre as ruas agitadas, fez seu ninho de contemplação.