• Por Nathalia Fabro
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Claudia Moreira Salles na sala de seu escritório, localizado no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo (Foto: Gui Gomes / Editora Globo)

Claudia Moreira Salles na sala de seu escritório, localizado no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo (Foto: Gui Gomes / Editora Globo)

Quando prestou vestibular para a Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, Claudia Moreira Salles, então com 19 anos, não imaginava o mundo de possibilidades que a formação lhe abriria.

No terceiro ano do curso, ela foi estagiar no Museu de Arte Moderna (MAM Rio), onde teve o primeiro contato com a produção de mobiliário. Na década de 1980, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou na indústria moveleira Escriba e começou a se especializar em design autoral e na produção artesanal de marcenaria.

Ao longo de sua carreira, Claudia criou peças marcadas pela simplicidade, racionalidade e autenticidade, principalmente devido ao uso criativo e consciente de madeiras em combinação com diferentes materiais, como concreto, nióbio e cobre. Entre suas criações estão sofás, luminárias, bancos, mesas, mancebos, carrinhos de chá, entre outros.

Em 1988, fundou com Liliana Saporiti a empresa Tandem Design, que desenvolve projetos de interiores. Claudia já colaborou com marcas como Dpot, Casa 21, Bertolucci e Tok&Stok. Tem uma longa parceria com a Etel, iniciada nos anos 1990. Ela também participou de diversas exposições nacionais e internacionais, que unem arte e design. Uma das mais recentes foi Forma e Matéria, que aconteceu no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba (PR), entre 2021 e 2022. A mostra enfatizou a funcionalidade, o processo e a originalidade de suas criações. Abaixo, uma entrevista com a designer:

Você sempre soube que gostaria de trabalhar unindo os conceitos de design e arte?
Desde muito cedo me interesso por assuntos relacionados à arte. Durante a faculdade, estagiei no Instituto de Desenho Industrial do MAM Rio, onde desenvolvia projetos para escolas. Foi lá que surgiu o meu interesse por mobiliário. 

ícones da carreira de Claudia Moreira Salles (Foto: Divulgação)

Ícones da carreira de Claudia Moreira Salles (Still: Divulgação | Montagem: Casa e Jardim)

Por que decidiu trabalhar com madeiras?
Quando me mudei para São Paulo, fui trabalhar na Escriba, indústria de móveis para escritórios. Depois trabalhei na Nanni Movelaria, que ficava na Rua Augusta e reunia produtos de jovens designers. Quando estava lá, desenhei uma mesa, que foi exposta, e assim entendi ser possível criar peças com uma linguagem própria e autoral. Com a oportunidade na Nanni, passei a ter também mais contato com o artesanato, com a produção em pequena escala. A partir disso, fui conhecendo várias técnicas antigas de marcenaria. Assim, vi que a madeira é um material fácil de trabalhar e apresenta diversas possibilidades de uso.

Quando surgiu o seu interesse pelo tema sustentabilidade?
No início da minha carreira pouco se falava de sustentabilidade ou recuperação de madeiras. Mas sempre tive em mente que gostaria de produzir peças com o mínimo possível de material e que o material escolhido fosse aproveitado da melhor forma para que, assim, o produto final fosse bem valorizado e durasse bastante tempo. Atualmente, trabalho com madeiras de origem certificada e de demolição. Acredito que uma das melhores formas de preservação é dar uma segunda vida ao material que já foi extraído da natureza.

Como é seu processo criativo?
Começo pela reflexão. Por exemplo, para fazer o mancebo Stand By, queria algo que fugisse do tradicional, que é aquela forma que lembra galhos de uma árvore. Eu sabia que precisava ter uma base sólida e pesada, pois a peça teria itens pendurados. Além disso, precisava ser estável, então busquei um material pesado, como o concreto, e depois passei a usar pedras. Fui atrás de artesãos que trabalhavam bem com esses materiais e depois fiz os protótipos, os quais sempre testo. O processo é de idas e vindas, muitas tentativas e erros até chegar ao produto final.

Para você, o que define um bom design?
Em primeiro lugar, precisa atender à função a que se propõe. Para fazer uma cadeira, por exemplo, é preciso garantir que dê para sentar corretamente. Já uma mesa tem de ficar na altura certa para evitar desconforto. Nesse sentido, o bom design se difere da arte, porque a arte em si não tem o requisito da funcionalidade. Além disso, o bom design trabalha bem e utiliza o mínimo do material escolhido e possui o melhor acabamento. 

Claudia Moreira Salles (Foto: Gui Gomes / Editora Globo)

Na sala de Claudia, ao fundo, o mancebo 'Stand By', criado por ela em 2016 (Foto: Gui Gomes / Editora Globo)

A que você credita a atemporalidade das suas criações?
Acredito que peças bem feitas são discretas e têm valores universais, como proporção, harmonia e funcionalidade – acabam sendo atemporais naturalmente.

Você acredita que o design nacional está sendo mais valorizado atualmente?
O reconhecimento do design brasileiro acontece há algum tempo, principalmente o dos anos 1950 e 1960. Quem abriu esse caminho foram os Irmãos Campana e Sergio Rodrigues teve um papel importante nesse processo também. O design brasileiro é muito reconhecido pelo o que é vintage e, acredito que, com isso, as pessoas acabam ficando curiosas sobre a produção contemporânea. Isso faz com que novas personalidades ganhem mais espaço.

Quais os planos para o futuro?
Continuar fazendo produtos cada vez mais responsáveis em termos de uso dos materiais, trabalhando ao lado de pessoas éticas e fazendo objetos funcionais. Tenho interesse em, talvez, trabalhar com porcelana ou cerâmica. A madeira é a minha marca, mas sou aberta a explorar novos materiais.