• Texto e realização Maria Beatriz Gonçalves
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Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Rodeado por obras de sua autoria, Walmor Corrêa tem um estilo prático de decorar. Atrás dele, a tela metálica foi pensada para pendurar seus quadros. A mapoteca de metal bege, desenhada por ele, foi executada pela ICC Escadas (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Como sua obra, a casa do catarinense Walmor Corrêa evoca múltiplas camadas de percepção. Ela pode tanto prender a atenção dos curiosos por horas quanto surpreender em segundos os distraídos. Meio casa, meio ateliê, o apartamento no famoso Edifício Louveira é uma galeria em dose dupla: para os estudantes de arquitetura que observam da rua a fachada projetada pelo mestre João Batista Vilanova Artigas com Carlos Cascaldi, em 1946, e para quem é convidado a entrar na casa desse artista fascinante e carismático e ganha a chance de se perder em uma infinidade de pinturas, desenhos, fotografias, mapas e peças de taxidermia.

Propositalmente sem muitos enfeites ou móveis, o apê de 150 m² parece sempre organizado. “Gosto do que é útil e fácil”, diz Walmor, que só se distrai quando está em contato com a natureza. “Adoro abrir o vidro da janela e colocar maçã na árvore para o passarinho comer”, conta. É ali que ele gasta minutinhos a mais. “Para criar, você precisa estar aberto a tudo. A arte é o mundo inteiro.”

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

A fachada do Edifício Louveira, de Vilanova Artigas, que encantou o morador pela boa integração entre as áreas interna e externa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Como era a casa onde você cresceu?
Foram várias. A mais antiga era em Santa Catarina, em uma cidade do interior. Tinha ciprestes ao redor, e sempre vinha alguém para fazer desenhos de bichos neles. Naquela época, as casas tinham muro baixo, não tinha grade. A gente pulava para a casa do vizinho e roubava mangas.

Isso despertou em você um certo olhar de explorador?
Não sei se veio daí, mas ajudou. Meu pai tinha uma fazenda em Imaruí, perto de Laguna (SC), que era sua paixão e que frequentei a infância toda. Esse universo de lavoura, plantas e árvores frutíferas era muito presente. Nasci em Florianópolis, fui surfista na adolescência, mas sempre preferi o mato. É uma questão de alma.

O que você leva disso para a casa?
Coloquei como prioridade estar perto do verde. Priorizo a claridade e ter plantas por perto. Em todos os lugares que morei, olhava para fora e via árvore. Aí quando eu cheguei no Louveira…

Como você encontrou o apê?
Quando vim de Porto Alegre para cá, há seis anos, já pensava em morar em Higienópolis. Queria essa experiência de cidade pequena dentro de uma cidade grande. Quando entrei no Louveira e vi as janelas enormes da sala na altura da copa das árvores, disse: “É esse!”. Mais tarde, um amigo veio tomar um café comigo, contei que tinha achado o apê, descrevi como era e ele disse: “Que maravilha! E os quartos?”. Ali me dei conta de que nem tinha olhado o resto! O foco da minha procura sempre foi o ateliê. Eu não buscava um lugar para morar; queria um lugar para trabalhar.

O que você fez de reforma?
O imóvel estava fechado havia anos. Comprei e no dia seguinte começamos a quebrar. Derrubamos uma espécie de hall em frente à porta. Tirei o carpete, transformei o banheiro da área de serviços no meu. O banheiro social, que era espaçoso, diminuiu: parte dele virou um novo banheiro da área de serviços, parte virou armário. Também restaurei toda a esquadria das janelas.

Sua casa provoca suspense, porque nem todo elemento é óbvio de cara. Você olha uma parede e vê um bicho, se aproxima e percebe que ele não é o que se esperava. Qual é a reação que as pessoas têm aqui?
Exatamente essa. Por exemplo, aquela obra feita no latão de lixo tem o copo caído ao lado. 90% das pessoas acham que derrubaram o copo no chão. Quando fazia essa peça, uma funcionária nova que limpava a casa esvaziou a mesa do ateliê e vários itens foram para o lixo. Mas é isso: sempre digo que meu trabalho tem a função de fazer as pessoas revisarem suas certezas visuais.

Além das obras, você fez quase todos os móveis que estão aqui, certo?
Sim. Troquei o curso de Arquitetura pelo de Publicidade e Propaganda prestes a me formar. Sempre quis coisas específicas: uma gavetinha para isso, outra para aquilo… Gosto de ter poucos móveis, se possível, de madeira e com linhas retas.

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Em seu ateliê, o neon, criação de Walmor, com os dizeres “Me encontre mais tarde no seu sonho”. A mesa foi comprada em um curtume no Rio Grande do Sul. A cadeira giratória 360°, de Konstantin Grcic para a Magis, é da Micasa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Bisnagas de tinta usadas pelo artista (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

O que sua casa revela sobre você?
As pessoas esperam ver tinta no chão, telas amontoadas. Mas a ciência é um objeto de identificação. Meu pensamento lógico é parecido com a forma como organizo minha casa.

Qual a dica para manter tudo em ordem?
Não deixar a bagunça acumular. Se vejo alguma coisa fora, já boto no lugar.

O que faz da casa um lugar de conforto?
O cheiro. Adoro aromas naturais: uso essência de alecrim e o pot-pourri da Santa Maria Novella.

O que anda pesquisando no momento?
Estou focado nas plantas medicinais brasileiras para o projeto de um herbário, e iniciando pesquisa sobre o poeta Fernando Pessoa. O primeiro passo foi ir a Lisboa, alugar a casa onde ele morou para ver como o artista mergulha nesse universo…

E o que descobriu? Algo te intrigou?
As casas sempre tiveram importância na minha história. Gosto do movimento que possuem quando estão em silêncio. Estar imerso nesse universo me fez pensar o Pessoa sobre vários aspectos; se em algum daqueles lugares nasceu um de seus 127 heterônimos... Mas estou no momento de colher informação e observar. Difícil sintetizar agora.

"Queria essa experiência de cidade pequena dentro de uma cidade grande.""

Walmor
Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Junto à porta de entrada, suas obras da série Sporophila beltoni, expostas em 2018 no Instituto Ling, em Porto Alegre (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Walmor está no sofá da Cremme com Morena, sua cadelinha da raça pug, deitada no apoio lateral. Nas paredes, suas obras: Diorama: o que restou dos parques no centro de São Paulo, Cachorra de Palmeira e Ondina, da série Unheimlich. A mesa de madeira era usada em passeio de camelo e foi presente de uma amiga (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

As cadeiras Navy, da Emeco, juntam-se à mesa e ao banco de pinho-de-riga, desenhados por Walmor (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

"Meu trabalho tem a função de fazer as pessoas revisarem suas certezas.""

Walmor
Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

A porta para a área dos fundos do prédio foi pintada na mesma cor da famosa esquadria do Louveira. Na parede, o organizador Uten.Silo, da Vitra (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Na cozinha, enfeites, peças de cerâmica e temperos estão dispostos na mesa e na prateleira de pinho-de-riga, que, como o banco, foram desenhados por Walmor. Luminária de Ingo Maurer (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

"Nunca gostei de guardar muita coisa. Vou substituindo as peças: entra uma, sai outra.""

Walmor
Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

A reforma permitiu uma boa integração entre os ambientes. No canto do escritório, a obra Lixo, de autoria do morador, surpreende o olhar. Desenhada pelo arquiteto Rogério Shinagawa, a mesa feita de chapas de metal foi executada pela ICC Escadas (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Os luminosos da série Mapeamento cognitivo, a caixa de música Você vai ficar na saudade minha senhora e o diorama O passo inicial... o poder do movimento (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

No quarto de hóspedes, a estrutura de madeira esconde uma cama retrátil e dá suporte para caixas e obras (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

"Eu não buscava um lugar para morar; queria um lugar para trabalhar.""

Walmor
Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

No banheiro, a luz natural entra em abundância e destaca as louças brancas de estilo retrô, o piso de pastilhas hexagonais e as venezianas originais do Louveira. O banco feito com vértebra de baleia é criação de Walmor (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

"A luminosidade aqui é bastante impressionante. Quem está de fora acha que o Louveira é muito exposto, mas, por incrível que pareça, não é.""

Walmor
Morar - Walmor Corrêa (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)

No quarto dele, colcha da Zara Home e porta-objetos comprado em Washington. Bandeja lateral da Habitart, de Porto Alegre (Foto: Christian Maldonado / Editora Globo)