• Texto Maria Beatriz Gonçalves
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Tapeçaria revisitada  (Foto: Divulgação)

No universo da tapeçaria, o tear doméstico marcou presença em muitos lares e oficinas ao longo da história e, hoje, voltou a ser objeto de desejo (Foto: Divulgação)

Por muito tempo, tecer foi uma atividade reservada apenas às mulheres; era um ofício que lhes dava prestígio. No universo da tapeçaria, o tear doméstico marcou presença em muitos lares e oficinas ao longo da história e, hoje, voltou a ser objeto de desejo de jovens entusiastas do design mundo afora, à medida que o interesse pelo trabalho manual só cresce.

No constante ir e vir de estéticas e tendências, o modernismo direcionou os holofotes para as paredes e revelou muitos artistas da tapeçaria vertical, lançada ao patamar de obra de arte ao romper com a versão mais utilitária do tapete tradicional. “Existe um trabalho construtivo mais delicado que o de um tapete, daí ser uma peça de parede. São peças de grande valor, assim como uma pintura ou uma escultura”, avalia a designer portuguesa Vanessa Barragão.

Ao se olhar para a história da tecelagem e da arte têxtil, ainda existe espaço para inovar. O resgate mais atual da técnica extrapola as versões planas e figurativas, comuns na década de 1970, e acrescenta às peças uma gama ousada de cores, novos formatos e acabamentos. Looping, feltragem, esmirna, crochê, tufado e franjas são alguns métodos populares na maioria das peças já famosas em boards de Pinterest e murais no Instagram. Um produto final que é a antítese do massificado, uma peça única e autoral.

Orientadas mais pela prática que pela teoria, muitas artesãs entraram de cabeça nesse universo como plano B para um emprego formal ou como um hobby em contraponto à vivência atrás das telas, que, meio sem querer, virou trabalho. A seguir, entusiastas da tapeçaria vertical em seis cantos do globo contam suas histórias de amor por essa arte milenar. Confira!

Tammy Kanat, Austrália
“Inicialmente, eu era autodidata”, conta a australiana Tammy Kanat. Depois de fazer uma reforma em casa, ela estava em busca de uma obra de arte para colocar na parede. Fez uma visita a um centro de artesanato de Melbourne, e decidiu criar algo com as próprias mãos. Ao final do trabalho, era evidente que havia produzido algo especial.

Tapeçaria revisitada - Tammy Kanat  (Foto: Divulgação)

Tammy Kanat transformou seu desejo de cobrir as paredes de sua casa em uma obra de arte (Foto: Divulgação)

O trabalho de Tammy se apoia nos métodos de tapeçaria mais tradicionais, equilibrados com as muitas referências contemporâneas de formas e cores. Ela transformou a estrutura geralmente simétrica e retangular da tapeçaria vertical em arcos redondos que lembram olhos enormes e multicoloridos. Para cada camada, ela traz um acabamento diferente, propõe uma nova textura.

Tammy ainda preserva o traço de ousadia que a impulsionou a entrar naquela loja de artesanato: “É quando cometo um erro que surgem as melhores técnicas”, brinca ela. Mesmo sem qualquer treinamento formal na área, ela acredita que a liberdade criativa é o grande segredo de seu sucesso. “Não saber pode oferecer mais criatividade do que saber o que se deve fazer. Meu trabalho é instintivo e orgânico. Olho para cada peça como uma jornada muito pessoal”, finaliza.

Tapeçaria revisitada - Tammy Kanat  (Foto: Divulgação)

Ela transformou a estrutura geralmente simétrica e retangular da tapeçaria vertical em arcos redondos que lembram olhos enormes e multicoloridos (Foto: Divulgação)

Vanessa Barragão, Portugal
Foi trabalhando na indústria da moda que a portuguesa Vanessa Barragão se apaixonou pelo universo têxtil. Para alargar seu conhecimento, ela decidiu estagiar em uma fábrica artesanal de tapetes e, em paralelo, dar início a seu projeto autoral na tapeçaria vertical.

Tapeçaria revisitada - Vanessa Barragão (Foto: Divulgação)

Vanessa Barragão começou no universo da moda e deu início ao seu projeto autoral (Foto: Divulgação)


Quando se enfia em seu estúdio, no entanto, não é para a moda ou para a arte que ela olha. O trabalho de Vanessa tem grande influência da biologia marinha: cracas e corais aparecem em óbvia alusão em suas peças, cujo resultado final é fruto também de improvisação: “Eu vou criando à medida que o trabalho vai avançando”, ela conta.

A artista vê na possibilidade de preservação de um legado artesanal um grande prazer, por isso decidiu se dedicar ao trabalho manual. Embora a tapeçaria seja uma arte muito antiga, sua proposta criativa é contemporânea, e ela não tira o foco dos possíveis caminhos que o futuro reserva. “Acredito que a inovação que virá a existir nessa técnica será mais relacionada a novos materiais, a novos fios”, finaliza.

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Vanessa tem grande influência da biologia marinha: cracas e corais aparecem em óbvia alusão em suas peças (Foto: Divulgação)

Luiza Caldari, Brasil 
Formada em desenho de moda pela faculdade Santa Marcelina, Luiza Caldari fez carreira na área de moda: foi estilista de Carlos Miele e Cris Barros, e hoje ela faz parte da equipe de criação da Colcci.

Tapeçaria revisitada - Luiza Caldari (Foto: Divulgação)

Luiza Caldari fez carreira na área de moda e lá que descobriu o amor pela tapeçaria (Foto: Divulgação)

A tapeçaria surgiu no meio desse caminho, como válvula de escape criativa: “Senti necessidade de algo que me trouxesse para o presente, para o simples, para a extrema liberdade de criação que é o demorado ato de tecer”, conta. Luiza desenvolve suas peças em teares manuais, de pregos, “o tipo mais simples que tem”, diz.

Tapeçaria revisitada - Luiza Caldari (Foto: Divulgação)

Luiza desenvolve suas peças em teares manuais, de pregos (Foto: Divulgação)

O resultado, no entanto, caminha na direção oposta do que os olhos podem esperar: contraste, volumes e texturas intrigantes, linhas que se entrelaçam entre peças, lado a lado, ou se esparramam pelo chão.

O trabalho é feito com calma, camada por camada, “no ritmo lento das mãos com a agulha”, lembra a artista. Em contraponto a essa técnica, Luiza pretende desenvolver cada vez mais tapeçarias utilizando uma ferramenta pneumática, que permite fazer trabalhos maiores com um resultado diferente do atual. “Meu trabalho está em constante mudança”, lembra. Para o futuro, promete explorar ainda mais as possibilidades tridimensionais.

Tapeçaria revisitada - Luiza Caldari (Foto: Divulgação)

“Meu trabalho está em constante mudança”, lembra a artista (Foto: Divulgação)

Alysson Rousseau, Canadá 
A canadense Alysson Rousseau explora por meio dos fios as infinitas possibilidades de composição: forma, cor, equilíbrio, tensão, espaço e textura. “Fios são uma matéria-prima muito flexível para se trabalhar, e sua aparência geral é baseada no nível de prática e de experiência do artesão. Isso realmente me fascina”, diz.

Tapeçaria revisitada - Alysson Rousseau (Foto: Divulgação)

A canadense Alysson Rousseau explora por meio dos fios as infinitas possibilidades de composição (Foto: Divulgação)


A maior parte de seu trabalho envolve nós como a rya ou o tear estilo “tabby”. Faz peças de pequena a média escala, e em relação à estética ecoam “as sensibilidades encontradas na pintura modernista e no design gráfico”, define. As oficinas da escola de design Bauhaus são sua principal fonte de pesquisa. “Havia apenas tecelãs na Bauhaus, o que aponta para o fato de que essa arte era — e ainda é — muito dominada por mulheres”, explica. Seu trabalho não conta uma história, mas transmite uma mensagem de design e de composição.

Tapeçaria revisitada - Alysson Rousseau (Foto: Divulgação)

As oficinas da escola de design Bauhaus são sua principal fonte de pesquisa (Foto: Divulgação)

“Geralmente, eu começo escolhendo uma paleta de cores com a qual quero trabalhar. Não encontro inspiração facilmente se estiver em busca disso. Acho que a inspiração é que me encontra na maior parte do tempo”, finaliza.

Tapeçaria revisitada - Alysson Rousseau (Foto: Divulgação)

“Não encontro inspiração facilmente se estiver em busca disso”, afirma (Foto: Divulgação)

Jodi Osborne, Inglaterra 
“Foi quando me tornei mãe e quis usar meu tempo livre de forma criativa que descobri a arte de tecer e senti que precisava tentar focar nisso”, diz a inglesa Jodi Osborne. A quantidade de esforço e de planejamento que a tapeçaria envolve é, para ela, uma forma de terapia.

Suas peças têm uma atmosfera despropositadamente zen. Jodi parte, quase sempre, de uma base neutra combinada a uma cor única e a formas circulares. “Gosto de usar uma variedade de técnicas, mas looping e franjas eu adiciono sempre que possível”, conta.

Tapeçaria revisitada - Jodi Osborne (Foto: Divulgação)

Jodi Osborne encara a tapeçaria como forma de terapia (Foto: Divulgação)

Entusiasta do ofício, ela diz que o resultado meticuloso dessa forma tão antiga de construção certamente “merece um lugar no mundo da arte”. Em breve, ela pretende ampliar as escalas de suas peças. “Tecer tornou-se uma forma de arte popular, e acho que há espaço para todos explorarem seu próprio estilo e ideias criativas”, finaliza.

Tapeçaria revisitada - Jodi Osborne (Foto: Divulgação)

Jodi parte, quase sempre, de uma base neutra combinada a uma cor única e a formas circulares (Foto: Divulgação)

Alicia Scardetta, Estados Unidos 
Alicia Scardetta estudou desenho artístico no Pratt Institute, no Brooklyn, em Nova York, mas quando ela começou a elaborar sua tese no final do curso sentiu uma necessidade incontrolável de tirar a linha do papel e de colocá-la em uma estrutura física e tátil. Fibra e linha pareciam ser as maneiras mais intuitivas de interpretar um traço. Então, ela estagiou no Centro de Artes Têxteis, onde aprendeu a operar um tear a pedal e a tecer tapeçaria.

Tapeçaria revisitada - Alicia Sardetta (Foto: Divulgação)

Alicia Sardetta foi para o mundo da tapeçaria pela necessidade de colocar em prática seu aprendizado (Foto: Divulgação)


“Uso principalmente duas técnicas: embrulho e tear. Boa parte da tecelagem que faço é com comprimentos curtos e, às vezes, apenas entre dois ou três fios de urdidura”, explica. Sua estética é brilhante e divertida. As composições, inesperadas, lembram enormes cordas: “As referências vêm, em grande parte, de objetos associados à infância, incluindo pulseiras de amizade, cordas de salto e tranças de cabelo”, conta.

Para ela, a inovação dentro da arte têxtil requer ver fora do momento atual e olhar para a história, trabalhar com fibras em um contexto de arte. E conclui: “Todos trazem sua própria experiência e história para o trabalho e acho que, ao explorar isso, a inovação é definitivamente possível”, conclui.

Tapeçaria revisitada - Alicia Sardetta (Foto: Divulgação)

Para ela, a inovação dentro da arte têxtil requer ver fora do momento atual e olhar para a história, trabalhar com fibras em um contexto de arte. (Foto: Divulgação)