Capital de giro e seu Impacto sobre o Valor da Empresa

Muitos por aqui devem se lembrar...

Na década de 1980, início dos anos 90, várias varejistas ganhavam muito dinheiro se beneficiando da hiperinflação.

Como?

Compravam mercadorias a prazo, vendiam a vista, e aplicavam os recursos a juros nominais altíssimos, e abaixo do custo do financiamento das mercadorias.

Destaque dessa época era Lojas Americanas, conhecida por ganhar muito dinheiro nesse tipo de operação.

Por seus controladores serem banqueiros de investimentos, sabiam como ninguém se aproveitar do chamado float (aplicar os recursos da venda de mercadorias antes de pagar os fornecedores).

Talvez a facilidade de se ganhar dinheiro à época tenha criado uma certa cultura de acomodação que acabou levando a empresa aos problemas ocorridos no fim de 2023.

Essa história de 30 anos atrás é uma demonstração da importância da gestão do capital de giro como forma de criar valor para as empresas.

Curiosamente, vemos pouca análise sobre a qualidade da gestão do capital de giro nas empresas de capital aberto no Brasil.

O que é um erro dado que o investimento em capital de giro (ICG) é componente direto no cálculo do fluxo de caixa livre (FCL).

Lembrando:

FCL = Lucro Líquido + Depreciação – Capex +/- ICG

Portanto, visando mitigar o volume de recursos investidos em capital de giro, as boas práticas de finanças corporativa e gestão financeira recomendam que:

·       Empresas busquem reduzir ao máximo o prazo médio de recebimento das contas a receber;

·       Aumentem ao máximo o prazo médio de pagamento aos seus fornecedores;

·       Faça uma gestão de estoque bastante eficiente buscado girá-lo rapidamente e com isso reduzindo o prazo médio do estoque de produtos acabados e matérias primas.

Na prática, podemos observar que:

1.      Empresas de alto crescimento apresentam investimento em capital de giro alto e, portanto, uma questão que sempre deve ser debatida é o trade off entre o nível de crescimento e o consumo de capital de giro;

2.      Em alguns casos, existe um patamar de crescimento no qual, acima dele, o crescimento estará impactando negativamente o valor da empresa;

3.      O ICG varia muito em períodos diferentes. Portanto, sua projeção é complicada com possibilidade alta de desvios do realizado em relação ao projetado;

4.      A redução do ciclo de caixa (diferença entre os prazos médios de pagamentos e recebimentos) é uma medida eficiente visando aumentar a geração do fluxo de caixa e, portanto, o valuation da empresa.

Um caso interessante para reflexão é a gestão de capital de giro em startups.

Neste universo de empresas é muito comum elas financiarem as necessidades de capital de giro através de capital próprio.

Fazem aumento de capital para financiar a expansão; investimentos são feitos principalmente em intangíveis e capital de giro.

Na teoria seria melhor que financiassem a demanda por capital de giro através de funding mais barato, mas a incapacidade de levantar dívida no seu estágio de vida faz com que o funding acabe sendo equity.

Em muitos casos, falta equity à frente para continuar expandindo as operações da empresa e, fundadores e investidores iniciais acabam tendo que abrir mão de percentuais do capital que não estavam dispostos a abrir naquele momento.

Mais um exemplo da importância do ICG para o futuro de um negócio mesmo que em seus estágios iniciais.