COMENTÁRIO

Telemedicina: uma releitura das visitas domiciliares

Dra. Mariana Perroni

Notificação

10 de fevereiro de 2021

Até cerca da metade do século XX, as visitas domiciliares eram o método principal e mais eficiente para realizar atendimento médico. Até então, todas as ferramentas que um médico dispunha para diagnosticar e tratar seus pacientes cabiam em sua preciosa maleta de couro.

Com o crescimento exponencial das cidades, do conhecimento médico e da tecnologia envolvida nos diagnósticos, o cenário mudou. Não era mais viável logisticamente que os médicos se deslocassem de casa em casa. E a maleta ficou pequena para tanto conhecimento e tantas possibilidades.

Não é de se espantar que a porcentagem de visitas domiciliares tenha caído para 40% do total de consultas médicas em 1930, 10% em 1950, até chegar a menos de 1% a partir de 1980. Os pacientes começaram a associar "boa medicina" a tecnologia: equipamentos e estrutura para realização de exames laboratoriais e de imagem – o que necessitava de espaço e manutenção frequente, e estava disponível apenas em hospitais e grandes clínicas.

Sedimentava-se, então, o fenômeno de institucionalização da medicina e com isso veio o declínio da popularidade das visitas domiciliares.

Décadas depois, a mesma tecnologia que transformou a noção de boa atenção à saúde e sepultou as visitas domiciliares, começa a trazer o potencial de mudar esse cenário; curiosamente, por meio do uso da telemedicina durante a pandemia.

Em um momento em que não era recomendado expor pacientes ao risco de contaminação pelo novo coronavírus em hospitais, clínicas ou salas de espera de consultórios, a telemedicina ganhou força ao redor do mundo. A demanda por consultas por meio dessa modalidade aumentou de 3.000% a 4.000% e o número de médicos utilizando essa tecnologia pela primeira vez aumentou 3.000%, segundo um levantamento de uma grande consultoria global.

Em suas casas os pacientes ficam mais relaxados, os idosos têm resultados melhores em testes cognitivos e os médicos conseguem coletar informações, e interagir de maneiras que seriam impossíveis apenas no frio e artificial ambiente do consultório. De repente, abre-se literalmente uma janela para os esquecidos determinantes sociais da saúde. E surgem novas maneiras de agregar valor à consulta e ao acompanhamento.

Médicos ao redor do mundo têm relatado, por exemplo, que começaram a avaliar prescrições e caixas de medicamentos, uma a uma, com seus pacientes idosos, para ensiná-los a usá-las ou certificarem-se de eles que entenderam como fazer uso correto delas. Outros afirmam que começaram a avaliar a nutrição dos pacientes por meio de uma rápida olhada em suas geladeiras e despensas. Os médicos conseguem até detectar fatores de risco de queda ao avaliar o ambiente no qual pacientes com limitações de mobilidade estão vivendo.

Não, as consultas presenciais nunca serão substituídas ou abandonadas. Não é possível palpar um abdome ou realmente confortar um ser humano em necessidade através de uma tela. Ainda assim, talvez a verdadeira magia da telemedicina seja a oportunidade de ressuscitar e atualizar as visitas domiciliares para o século XXI.

Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comente

Comentários são moderados. Veja os nossos Termos de Uso

processing....