Metanálise avalia acompanhamento ambulatorial após a alta da UTI

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

23 de agosto de 2019

Uma metanálise publicada em agosto no periódico Journal of Critical Care revela que o acompanhamento de pacientes que receberam alta após terem sido internados em unidades de terapia intensiva (UTI) pode atenuar sintomas de depressão e de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e melhorar a qualidade de vida relacionada com a saúde mental. [1]

O estudo realizado por pesquisadores do Hospital Moinhos de Vento (HMV), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA-UFRGS) buscou compreender um pouco mais sobre os efeitos do acompanhamento ambulatorial após internação em UTI, estratégia ainda utilizada em poucos países.

O Dr. Cassiano Teixeira, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e médico intensivista do Hospital São Lucas da PUCRS, do HMV e do HCPA-UFRGS, falou ao Medscape sobre o trabalho.

Os pacientes que sobrevivem à UTI apresentam, segundo o Dr. Cassiano, significativa mortalidade em médio e longo prazos. Além disso, vivenciam uma série de problemas, como disfunção cognitiva, depressão e disfunção sexual após a alta.

"A evolução destes pacientes cursa com frequentes reinternações hospitalares e uso de muitos recursos da saúde, bem como consumo elevado de recursos financeiros relacionados com a saúde", afirmou.

Os ambulatórios (ou clínicas) de acompanhamento para sobreviventes de internações em UTI surgem como estratégia para tratar as morbidades prévias à internação e para diagnosticar e tratar aquelas adquiridas durante a internação na UTI.

"Na sua concepção, o objetivo principal do ambulatório era melhorar a relação custo-eficácia dos cuidados", destacou.

Entre os agravos identificados com mais frequência durante esse acompanhamento estão os distúrbios motores e neuropsicológicos, e o diagnóstico deles permite que os pacientes sejam referenciados às unidades especializadas.

"Trata-se de uma estratégia que visa amenizar os problemas relacionados com a fragmentação do sistema de saúde, pois o paciente oriundo da UTI é, por definição, um paciente complexo, mórbido e com alto risco de mortalidade em curto prazo", afirmou o médico.

Atualmente, o acompanhamento ambulatorial pós-UTI ainda está começando a ser implementado, tanto no Brasil como no restante do mundo. Durante a pesquisa por trabalhos que abordassem o tema em repositórios de pesquisas como MEDLINE, PsycINFO, CINAHL, Cochrane CENTRAL e EMBASE, os autores do Rio Grande do Sul identificaram 26 estudos, somando mais de 35.000 pacientes – a amostra reuniu publicações de Ásia, Europa, América do Norte e Oceania.

A metanálise revelou que o acompanhamento ambulatorial pós-UTI é uma estratégia promissora, porém, para a equipe, a ausência de benefício em longo prazo (após seis meses) sinaliza a importância de aperfeiçoamento da intervenção.

Nem todos precisam

Segundo o Dr. Cassiano, a maioria dos autores sugere que o acompanhamento ambulatorial pós-UTI deveria ocorrer somente em pacientes que necessitaram de ventilação mecânica ≥ 48 horas ou que permaneceram internados ≥ 5 dias.

"Não parece ser custo-efetivo o acompanhamento da totalidade dos casos que receberam alta. Aproximadamente 15% a 20% dos pacientes que internaram na UTI preenchem estes critérios, porém, menos de 20% aderem ao programa e são eficazmente acompanhados pelos serviços ambulatoriais. Possivelmente, a baixa assiduidade possa traduzir a não adequação deste modelo a todos os pacientes", esclareceu.

O médico lembrou ainda que, de maneira geral, a experiência mostra que os pacientes mais dependentes não conseguem ter acesso ao ambulatório, devido à dificuldade de transporte com segurança, ou a incapacidade cognitiva ou motora. Ele ressaltou que visitas domiciliares poderiam sanar este problema, com resultados possivelmente semelhantes aos dos ambulatórios pós-UTI; "talvez tenhamos que cuidar do paciente pós-UTI fazendo uso de estratégias específicas para cada indivíduo, em acordo com suas condições físicas e financeiras", disse.

Ainda há incerteza quanto ao momento ideal para iniciar o acompanhamento ambulatorial pós-UTI. Na revisão conduzida pelo Dr. Cassiano e colaboradores, na maioria dos estudos (58%) avaliados o acompanhamento foi iniciado logo nas duas primeiras semanas após a alta, porém houve casos em que o início se deu sete a oito meses depois. Segundo o intensivista, alguns autores sugerem que a primeira visita ao ambulatório deve ser realizada entre a 6ª e a 12ª semana pós-alta hospitalar.

"Um início muito tardio do acompanhamento ambulatorial (> 6 meses após a alta hospitalar), em nossa opinião, visa somente ao diagnóstico das sequelas funcionais e cognitivas dos pacientes e a constatação de problemas psicológicos e organizacionais familiares já instalados por falta de orientações prévias por parte dos profissionais de saúde. Além disso, a perda de possibilidade de orientação dos mesmos seria muito grande, pois aproximadamente 25% dos pacientes que tiveram alta da UTI reinternam ou morrem nos primeiros 6 a 12 meses pós-alta da UTI", ponderou.

Sobre a duração do acompanhamento, o especialista explicou que não há orientações precisas, porém destacou que dados da literatura sugerem que os pacientes apresentam problemas relacionados com a internação na UTI até 10 anos após a alta hospitalar.

Intervenções

O Dr. Cassiano explicou que, quando se trata de acompanhamento pós-UTI, existem várias intervenções possíveis de serem realizadas com pacientes, familiares e cuidadores, entre elas, integração com o cuidado primário (médico de família).

"Quando sobrevivem, estes pacientes são encaminhados para quartos ou enfermarias e, posteriormente, ao domicílio, caracterizando uma progressiva redução da necessidade de cuidados e, teoricamente, da necessidade de vigilância. Porém, estes sobreviventes frequentemente apresentam novas necessidades (traqueostomia, terapia dialítica, gastrostomia, suporte ventilatório, entre outras), que familiares e equipe de saúde básica podem não estar preparados para atender. Existe, portanto, o risco de os médicos de atenção primária serem excluídos das discussões clínicas e do gerenciamento destes pacientes", explicou. Para ele, este caminho está longe do ideal: "Parece essencial que intensivistas e médicos de família trabalhem em estreita colaboração no manejo destes pacientes."

Na tabela a seguir, o Dr. Cassiano e colaboradores apresentam uma sugestão para a realização do acompanhamento pós-UTI.

Tabela. Sugestão de modelo para acompanhamento pós-UTI

Etapas Quem avalia Quem é avaliado Como Quando
Pós-alta imediato Enfermeiro intensivista Pacientes com necessidade de UTI ≥ 3 dias Avaliação presencial do grau de dependência (p. ex: escala modificada de Barthel) Durante a primeira semana após a alta da UTI (ainda no hospital)
Triagem Enfermeiro intensivista Pacientes avaliados no pós-alta imediato Avaliação por telefone do grau de dependência (p. ex: escala modificada de Barthel) e dos sintomas de ansiedade/depressão (ex: HADS) e TEPT (ex: IES) De 1 a 2 meses após a alta da UTI
Avaliação ambulatorial Enfermeiro intensivista
e médico intensivista
Pacientes que apresentam alteração em algum questionário realizado durante a triagem Avaliação presencial do grau de dependência (ex: escala modificada de Barthel) e da cognição (ex: MMEM) 3 meses pós-alta da UTI
Avaliação telefônica Enfermeiro intensivista Pacientes que estiveram na consulta ambulatorial Avaliação por telefone do grau de dependência (ex: escala modificada de Barthel) e dos sintomas de ansiedade/depressão (ex: HADS) e TEPT (ex: IES) 12 meses após a alta da UTI

HADS = escala hospitalar de ansiedade e depressão; IES = escala de impacto de eventos

Outra estratégia que merece destaque, segundo o especialista, é o estímulo ao apoio dos pares, ou seja, intervenções nas quais pacientes ajudam outros pacientes.

"O apoio dos pares pode ser definido como 'um processo de empatia, que oferece conselhos e compartilha histórias entre os sobreviventes da UTI'. Embora não seja um modelo centrado no médico, o recurso tem o papel de ajudar a fornecer o espaço seguro no qual os sobreviventes podem trabalhar juntos para descobrir o que deve ser compartilhado, visando o auxílio do próximo", disse.

O monitoramento por contato telefônico ou telemedicina representa outro recurso importante, bem como a reconciliação dos medicamentos (revisão da medicação em uso, visando o reinício, a manutenção ou a retirada de fármacos); a reabilitação motora e nutricional; o encaminhamento para especialidades médicas e a promoção de cuidados paliativos.

Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comente

Comentários são moderados. Veja os nossos Termos de Uso

processing....