A poucos dias do Natal, os confeiteiros do país vivem uma avalanche verde. Castanha nobre, de origem mediterrânea, o pistache surgiu em tudo: do petisco e do sorvete pulou para os bolos e docinhos, vai até no café e, claro, no panetone. No Twitter, TikTok e nos grupos de confeitaria no WhatsApp, já ficou jocoso: assim como a antiga fixação dos brasileiros, a ganache de pistache é a nova Nutella, dizem os chefs.
Sintomático, o “pistacchiotonne” do confeiteiro Leonardo Borges, com mais de 6kg lambuzados do creme verde a R$ 1,4 mil, chamou a atenção nas redes sociais (já foram mais de 12 milhões de views), levando consumidores a buscarem versões menores em sua confeitaria – a Flakes, que tem unidades apenas em Rondônia e São Paulo. Mas não foi o único item a viralizar e quem já contava com o ingrediente nos produtos do portfólio teve que aumentar a produção. As poucas casas que ainda não estavam preparadas correram para lançar suas versões.
“Está todo mundo meio em choque, ninguém sabe muito bem o que aconteceu. A gente tem falado muito disso nos nossos grupos de confeiteiros. Estamos dizendo que é a nova Nutella”, conta Diego Lozano, chef pâtissier duas vezes eleito o melhor chocolatier do Brasil no World Chocolate Masters. Dos cerca de mil docinhos de pistache que vendia mensalmente em sua Levena, em Pinheiros, a produção teve de quintuplicar: só nos primeiros 15 dias de dezembro, saíram 2,5 mil unidades.
O mundo todo está comendo mais pistache. Dados da Statista, agência alemã de pesquisa, mostram que nos últimos 10 anos o consumo global da castanha cresceu em torno de 35%. No Brasil, dados de importação do MDIC mostram que o país comprou mais de 400 toneladas do ingrediente em 2023, o equivalente a US$ 5,8 bilhões, volume três vezes maior do que há um ano.
Por questões climáticas, é difícil produzir pistache na América Latina. A maior parte chega ao Brasil dos Estados Unidos e do Irã, terra de origem. Os EUA só começaram a produzir pistache no fim dos anos 1970, mas foi na década seguinte, no contexto da guerra entre Irã e Iraque, que a produção local escalou, com os americanos colocando sanções nas importações e, mais tarde, tarifas muito altas. Por conta do clima e de uma onda imigratória de iranianos para a Califórnia, a região se tornou a maior produtora do mundo.
A proximidade e as boas relações comerciais aumentaram o fluxo do pistache americano para o Brasil, especialmente na pandemia e pós pandemia, com uma adaptação de rotas por proximidade. Mais recentemente, a inflação na Europa fez com que o continente freasse o consumo de nozes como um todo, o que também levou produtores a voltar os olhos para importadores então menos óbvios, como o Brasil.
Atualmente, os confeiteiros dizem que têm pago junto a fornecedores entre R$ 150 e R$ 200 o quilo, mas o produto já chegou a custar R$ 400/kg no passado.
"Neste ano, estive em Londres no evento do International Nut & Dried Fruit Council (INC), que reúne os maiores empresários de nozes, castanhas e frutas secas do mundo. Os produtores de pistache comentaram que estavam interessados em entrar com mais força em países como o Brasil, dado que notaram demanda e tem esse contexto europeu", conta José Eduardo Camargo, presidente da Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas (ABNC).
Camargo, que é produtor de macadâmia, vê a avalanche verde com bons olhos. "Para o setor como um todo é bom. É como quem gosta de um vinho e começa a provar outras uvas. O pistache pode ser a porta de entrada para um novo devorador de castanhas brasileiras também", avalia.
Na gastronomia, os chefs sentiram esse aumento de oferta e demanda pelo ingrediente nos últimos dois anos, mas com pico em 2023. Ainda em agosto, por exemplo, a gelateria Baccio di Latte promoveu o Festival do Pistacchio, com uma série de sabores inéditos que combinavam a castanha a outros ingredientes.
Marcas voltadas a segmentos mais populares deitaram e rolaram com a tendência. Além de contar com o panetone de pistache, que vem com um pote de creme no sabor à parte, a Cacau Show acaba de lançar um gelato com o ingrediente misturado ao chocolate branco (em formato de picolé). Na Nestlé, o KitKat Chocolatory de pistache já é o segundo mais vendido da linha Pick&Mix—que conta com versões de limão, avelã e churros, todos produzidos no Brasil.
Queridinha da geração Z, ganhando o público no Tiktok, a cafeteria e confeitaria We Coffee resolveu colocar pistache nas bebidas. Os lançamentos mais recentes incluem o Snow Pistachio, shake que leva ainda morango e baunilha, e o Mate Milk Tea, bebida à base de chá mate com leite, em que vai ainda creme de leite e leite condensado. O café espresso com leite de aveia e pistache já fazia parte do portfólio.
Mas é preciso separar o joio do trigo, argumentam os especialistas. Ou melhor, o pistache do sabor pistache. Ao contrário de confeitos finos, que levam a castanha torrada ou ainda processada em uma pasta integral, sem aditivos, boa parte do que se vê no mercado são produtos com pouca adição do ingrediente e, em compensação, muitos açúcares, corantes e emulsificantes.
“As pessoas estão caçando novidade, minha impressão é essa. O pistache sempre esteve aí e é gostoso, mas se usava pouco porque é um produto nobre, caríssimo. Agora surgem essas versões, com essência de pistache, que vêm naquele tom de verde fosforescente, com um gosto meio alcoólico até”, diz a chef Carole Crema, jurada no programa de disputa de confeiteiros 'Que Seja Doce'. “Assim como a gianduia virou Nutella e o brasileiro ama”, emenda, citando a pasta italiana de chocolate e avelã que foi industrializada.
O pistache é a nova vítima do “raio gourmetizador”, diz Crema, vendo o item se alastrar nas redes sociais - ela também se surpreendeu ao encontrar pistache no supermercado Dia, no Rio, dado o posicionamento de desconto da rede. Para os não iniciados, a chef recomenda a castanha pura com um pouco de sal e, na versão doce, em infusão no leite, batido no liquidificador, para usar na mistura de bolo ou pudim.
Assim como na Levena e também na confeitaria de Carole, nos Jardins, marcas como a Chocolat du Jour já apostam há um bom tempo no pistache, inclusive em versões salgadas, como a drágea com a castanha, lançada há cerca de três anos. Mas a barra, com chocolate branco, e o bombom, foram lançados no primeiro semestre deste ano diante da alta da demanda.
Já a Dengo se negou à rendição do modismo e não lançou nenhum produto com pistache, num posicionamento firme da marca. De acordo com Luciana Lobo, chocolatière e head de produtos da marca, a estratégia da empresa sempre foi valorizar castanhas e outras iguarias brasileiras na composição de seus chocolates artesanais. “Valorizamos a castanha de caju, a castanha-do-pará, além da macadâmia e da pecã, cultivadas aqui no Brasil.”