Day Off
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Por — Nova York


Já não sei se é porque moro fora do Brasil, em Nova York, há quase 17 anos, ou se é meu ascendente em virgem — só sei que não consigo não arrumar minha própria cama. Ousaria dizer que tenho quase uma fobia de preguiça e fazer a cama entra nessa categoria do “pronto, o dia começou!”.

Tem até um livrinho americano famoso, “Make Your Bed”, em que o almirante William H. McRaven fala disso: é o primeiro passo em direção às atividades do dia, uma atitude pequena que faz toda a diferença. Um sinal de respeito com aquela nova jornada que começa.

O autor lembra de seu tempo de soldado, na Califórnia, onde ele e seus colegas tinham de manter seus beliches ultra-organizados, logo depois de acordar. Quem não seguisse essa regra básica tinha de pagar com um “sugar cookie” (carinhosamente chamado de croquete no Brasil). O castigo envolvia mergulhar no gélido oceano Pacífico e rolar imediatamente na areia quente da praia.

"The Bedroom", de Vincent van Gogh (1888) — Foto: Reprodução
"The Bedroom", de Vincent van Gogh (1888) — Foto: Reprodução

Para McRaven, arrumar a cama é como colocar a bola em campo: ao terminar um trabalho, fica mais fácil começar as próximas tarefas. Visualmente, tranquiliza a mente — a gente olha para trás e a cama já está lindona, organizadinha. Seu quarto já dando o tom da produtividade desse novo dia. Acredito que organizar a casa, em geral, faz com que o browser do nosso cérebro possa fechar abas e, assim, focar nos outros assuntos pendentes.

A cama nos deixa na horizontal — literalmente paralelos ao horizonte. Ao levantar e enfrentar o dia, criamos esse eixo vertical — uma espécie de intersecção, onde tudo se estrutura. Esse contraste perpendicular do corpo ereto com o horizonte, o chão e a cama, são também outro passo fundamental dessa atitude inicial, tão simples e importante.

Como diz meu amigo Guga Chacra, não é tanto sobre a rotina, mas sobre criar rituais. Ou como define Dave Hickey, o crítico de arte americano: “não tenho religião, mas faço algumas coisas de forma religiosa”. Outro dia, esbaforida, acabei não arrumando a cama e senti que o dia ficou de cabeça para baixo. Práticas que podem fazer bem ao espírito.

Tracey Emin — My Bed, 1998 — Foto: Divulgação
Tracey Emin — My Bed, 1998 — Foto: Divulgação

A icônica cama de Tracy Emin representa o caos que era a vida emocional da jovem artista inglesa na época em que fez a instalação — leiloada em 2014 por US$ 3,7 milhões. Quando levou um fora do namorado, ficou quatro dias sem levantar da cama e transformou esses dias de fossa na obra mais importante de sua carreira. Além do lençol sujo, a instalação reúne calcinhas manchadas de sangue, camisinhas usadas, garrafas de bebida vazias e até testes de gravidez.

O estado do colchão onde a gente dorme se torna um raio-x das nossas vivências mais íntimas e — por que não? — um reflexo da forma como levamos nossa vida.

No caso de Vincent van Gogh, em sua famosa pintura “The Bedroom”, seu quartinho amarelo em Arles representa a calma antes do furacão. A vida emocional do pintor holandês estava indo bem nessa época, em que ele se preparava para dividir a casa com o artista Paul Gauguin. Depois de alguns desentendimentos com o amigo, e problemas com sua saúde mental, a imagem do quarto se tornou um marco daquela fase mais tranquila.

Engrossando o caldo dessa teoria a la Marie Kondo, temos o exemplo do americano Robert Rauschenberg, que considera sua pintura/escultura (ou “combine” como ele chamava) de uma cama como uma espécie de autorretrato. Ele emoldurou na parede um travesseiro, um lençol e uma colcha bem desgastada, rabiscou e pintou com tinta — num estilo expressionista abstrato, como os respingos de Jackson Pollock. A roupa de cama era do próprio artista e, portanto, muito pessoal.

"Bed", de Robert Rauschenberg (1955) — Foto: Reprodução/Site Gisela Gueiros
"Bed", de Robert Rauschenberg (1955) — Foto: Reprodução/Site Gisela Gueiros

Daria para dizer que, se no dia 1/1 de cada ano, nos preocupamos em fazer rituais de boa sorte como pular ondas, listar resoluções ou finalmente começar aquela ginástica, curso de inglês, dieta, e parar de fumar, beber ou comer doce, também deveríamos dar essa importância ao momento inicial do dia. Que tom você quer dar a esse presente que você acabou de ganhar?

*Gisela Gueiros é historiadora de arte e consultora; mestre em História da Arte Contemporânea pelo Sotheby’s Institute of Art, foi responsável por Projetos Internacionais na Galeria Millan e curadora de mais de 20 exposições em Nova York

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