Day Off
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Por Alex Szapiro* — São Paulo


Me considero um privilegiado pela oportunidade de ter conhecido algumas das pessoas mais importantes do mundo da tecnologia, sobretudo Steve Jobs, quando trabalhei na Apple, e Jeff Bezos, quando estive na Amazon. Ainda não conheci Elon Musk pessoalmente, mas ao ler a biografia escrita por Walter Isaacson – o mesmo autor que já escreveu sobre Jobs, Michelangelo, Einstein e Da Vinci – é possível colocá-lo em um patamar muito diferente desse seleto grupo.

Musk é uma figura muito longe da unanimidade.

Isaacson passou dois anos ao lado do empreendedor sul-africano. Teve licença total e irrestrita para entrevistar parentes, funcionários, ex-colaboradores, amigos e desafetos. Foi quase uma sombra de Musk, o acompanhando em reuniões, compromissos sociais e momentos marcantes, como o lançamento de foguetes da SpaceX, reuniões familiares e a compra do Twitter (atual X).

Capa da biografia de Elon Musk escrita por Walter Isaacson: gênio e polêmico — Foto: Reprodução/Intrínseca
Capa da biografia de Elon Musk escrita por Walter Isaacson: gênio e polêmico — Foto: Reprodução/Intrínseca

Musk tem muitas similaridades com Jobs e Bezos. Uma delas é a capacidade de distorcer a realidade. Jobs, por exemplo, estipulava prazos impossíveis para as pessoas que trabalhavam com ele. Quando elas se recusavam a aceitá-los, ele simplesmente as encarava sem piscar e dizia que o prazo deveria ser cumprido ou a pessoa estaria demitida. Bezos ia ao detalhe de qualquer coisa como se fosse um especialista em todas as áreas do conhecimento – inclusive em seu desejo de construir foguetes na Blue Origin, iniciada apenas seis anos depois de começar a Amazon. Já Musk, pela descrição de Isaacson, consegue ser ainda mais polêmico. É um empreendedor em série – PayPal, Tesla, SpaceX, Neuralink, The Boring Company, SolarCity e Starlink, além da compra do Twitter e de ser sido um dos financiadores da OpenAI. Outro traço comum entre os três está na visão de longuíssimo prazo, mas paradoxalmente ancorada num senso de urgência para lançar produtos e serviços que acabam por mudar a maneira como nos movemos, trabalhamos, nos divertimos ou aprendemos.

Mas as semelhanças entre os três param por aí.

O livro traz muitos exemplos mostrando que Musk é único, trazendo uma análise profunda da sua psiquê, medos, relacionamentos e, acima de tudo, como funciona sua lógica e o que o faz seguir em frente. Conforme as páginas vão ficando para trás, fica mais fácil entender por que ele é amado por muitos e odiado por tantos outros. Em muitos momentos, parecia que eu estava lendo uma obra de ficção. Ou uma história em quadrinhos sobre um herói com superpoderes que não se importa com os efeitos colaterais de suas ações, mesmo que elas possam ser prejudiciais para quem está ao seu redor.

Muitos me perguntaram se valeria a pena ler o livro. Minha resposta: sim!

Como acontece em toda história de super-herói, a de Musk começa abordando os problemas entre ele e seu pai. Depois narra sua “fuga” da África do Sul, um relacionamento edipiano com sua mãe, a inteligência ímpar, uma necessidade de povoar o mundo (11 filhos, incluindo aqueles por doação de esperma para uma funcionária), a obsessão em colonizar Marte, a guerra ao politicamente correto, a ode à liberdade de expressão incondicional.

O livro nos ajuda a entender um pouco do modelo mental de suas decisões. Musk tem Síndrome de Asperger, uma condição que possibilita a ele desafiar todos os conceitos que existem no mundo, incluídas regras e convenções universais. Ele desafia a todos a “esticar a corda” até além do limite possível. Para Musk, a única lei que não pode ser desafiada é a Lei da Física. Isso provoca uma tensão constante que é nítida na obra de Isaacson. A pressão para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar regras e questionar exigências permitiu que ele realizasse grandes façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes quantidades de carros elétricos, fazer com que moradores de casas não dependessem da rede elétrica da rua ou ainda prover Internet em basicamente qualquer lugar do mundo (o que inclusive possibilitou sua influência na guerra da Ucrânia). Tudo isso sem se importar com os efeitos colaterais de suas realizações. E tomando decisões que ultrapassam o limite entre a irresponsabilidade e a fantasia.

Mas há outra maneira de encarar o livro de Isaacson que vai além do aspecto pessoal de Musk, suas obsessões, fortalezas e fragilidades: a obra funciona como um pequeno manual de administração, repleto de conceitos fascinantes e polêmicos.

Um bom exemplo é o “Idiot Index” ou Índice do idiota. Ele refere-se à razão do custo total do produto de um fornecedor dividido pelo custo total da matéria prima. Quanto maior o índice, maior é a ineficiência. O objetivo de Musk com essa métrica é trazer à tona a oportunidade de diminuir custos na produção, muitas vezes provando a vantagem em internalizar processos para economizar recursos. Na SpaceX, por exemplo, o produto acabado chegava a custar 50 vezes mais que o custo dos materiais utilizados, como fibra de carbono, metais e energia. Com a aplicação do índice, ele dispensou fornecedores e verticalizou grande parte da produção.

Musk faz seus times trabalharem até altas horas e ele mesmo costuma dormir no escritório. Desenvolveu uma capacidade única para continuamente rever métodos de produção que desafiam regras de segurança e o tempo de tomada de decisão. Outro ponto comum de seu estilo de gestão é desmontar e remontar organogramas constantemente, cortando “layers” de produção e gerentes de produto e colocando engenheiros e programadores como os líderes das unidades de negócio.

Ele também implementou em suas empresas um processo contínuo de melhorias, chamado “O Algoritmo”, que funciona em cinco passos:

  1. Questione cada requisito: procure esclarecer quem criou cada item do processo e questione sua validade, independentemente da expertise do originador. Ajuste os requisitos para torná-los mais sensatos.
  2. Exclua qualquer parte que puder: remova todo processo que não seja necessário; se não acabar reinstalando pelo menos 10% deles, você não excluiu o suficiente.
  3. Simplifique e otimize: melhore o que restar após eliminar as partes desnecessárias.
  4. Acelere o ciclo do tempo: torne cada processo mais rápido, mas faça isso apenas após seguir as três primeiras etapas.
  5. Automatize: somente após questionar requisitos, excluir excessos, simplificar e acelerar, a automação deve ser introduzida para tornar os processos valiosos restantes mais eficientes e eficazes.

Ainda na parte de gestão, outra característica peculiar de Musk é sobre comportamento. Uma das máximas que ele adota é que gestores não devem querer que os funcionários gostem deles. Sua visão sobre os bons relacionamentos no trabalho é simples: “Camaradagem é perigoso. Torna difícil para as pessoas desafiarem o trabalho umas das outras. Há uma tendência a não querer ferrar o colega. Isso precisa ser evitado a todo custo.”

Musk provoca nas pessoas muito mais sentimentos de dúvida do que certezas. Sua falta de emoções (ou excesso delas) é marcante. Sua capacidade de ser ao mesmo tempo um gênio visionário, alguém que poderá salvar a Humanidade da extinção, mas ao mesmo tempo alguém com traços marcantes de uma criança e comportamentos característicos de um adolescente. Como diz Isaacson, “uma mistura de realizações historicamente transformadoras e fracassos terríveis, promessas quebradas e impulsos arrogantes”.

Szapiro, chefe do Softbank no Brasil: "Musk tem muitas similaridades com Jobs e Bezos" — Foto: Valor
Szapiro, chefe do Softbank no Brasil: "Musk tem muitas similaridades com Jobs e Bezos" — Foto: Valor

Os últimos capítulos do livro descrevem toda a saga da compra do Twitter em uma atualização dos fatos até abril de 2023. Confesso que fiquei com uma sensação de ter que esperar alguns anos para poder ler um segundo volume da biografia. Quem sabe até lá poderemos ver humanos vivendo em Marte, chips implantados em nossos corpos conseguindo fazer tetraplégicos andar novamente ou, ainda, poder dormir no volante dos nossos carros autônomos enquanto viajamos de São Paulo ao Rio de Janeiro.

Musk tem apenas 52 anos. Tenho a certeza de que ele nunca vai pendurar as chuteiras. Sim, ele está no mesmo nível que Thomas Edison, Benjamin Franklin, Henry Ford, Graham Bell, Da Vinci e os ícones de tecnologia de nossa atualidade. É, sem dúvida, o mais polêmico de todos eles. Mas, arrisco dizer, talvez o mais capaz.

*Alex Szapiro é head de Brasil e managing partner do SoftBank na América Latina e foi presidente da Amazon no Brasil

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