O Prêmio Nobel de Economia de 2023 – ou, o prêmio do Banco da Suécia em memória de Alfred Nobel – foi concedido à economista Claudia Goldin pelo conjunto de sua obra sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, seus estudos sobre educação e tecnologia e sua abordagem desses temas pelas lentes da história econômica.
A vasta obra de Goldin cobre, sobretudo, as tendências do mercado de trabalho norte-americano. No entanto, a economista laureada foi pioneira e seus estudos são referência para qualquer pesquisador/a que queira compreender questões como a disparidade salarial entre homens e mulheres, como novas tecnologias – no caso, o surgimento da pílula anticoncepcional – afetam as escolhas das mulheres entre trabalhar e ficar em casa, por que empregos que remuneram mais continuam a ser um obstáculo para as mulheres, ainda que elas tenham mais anos de estudo.
Para situar a premiação de Goldin é importante compreender as tendências que têm orientado a pesquisa acadêmica em economia nos últimos anos. Os grandes “arcabouços teóricos” dos anos 70 e 80, como a crença cega nas chamadas expectativas racionais, foram perdendo espaço na medida em que, empiricamente, não houve validação de sua integridade intelectual ou mesmo porque os acontecimentos os invalidaram.
Um exemplo foi a crise financeira internacional de 2008, que abalou severamente a ideia de que os mercados formam expectativas e agem sempre de modo racional. Pouco a pouco, a economia acadêmica – não necessariamente a economia retratada nas colunas de jornais – foi se tornando mais empírica, mais orientada pelos fatos, menos por teses elegantes, grandiosas e inúteis. Claudia Goldin foi uma das pioneiras dessa virada econômica que teve início ainda nos anos 90, ainda que não tenha recebido muita atenção na ocasião.
A obra de Goldin estuda fatos concretos da vida das pessoas, sobretudo da vida das mulheres, e tenta atribuir-lhes causalidade utilizando ferramentas diversas, sem fugir do caráter multidisciplinar da economia como ciência social. Por isso, seus estudos se valem da história econômica, da sociologia, da observação minuciosa de fenômenos sociais e antropológicos para traçar conclusões. Cito alguns exemplos a seguir.
O poder da pílula anticoncepcional
Antes do desenvolvimento da pílula, as carreiras das mulheres eram implacavelmente interrompidas: 60% das mulheres norte-americanas no auge da idade ativa passavam parte desse tempo gestando ou em período de lactação, reduzindo as oportunidades de estudar e adquirir novas habilidades voltadas ao mercado de trabalho. A pílula permitiu que essas mulheres terminassem uma faculdade, postergassem o casamento, e seguissem uma carreira. Goldin e seu coautor Lawrence Katz demonstraram esses fatos em um estudo famoso sobre o mercado de trabalho norte-americano. A curva em U da força de trabalho feminina no curso do desenvolvimento econômico.
Partindo de dados para mais de 100 países, Goldin mostrou como o desenvolvimento econômico afeta a participação feminina no mercado de trabalho. O gráfico acima foi usado pela Royal Swedish Academy of Sciences para ilustrar a importância da obra de Goldin. Nele se vê que enquanto a transição do modelo de desenvolvimento agrícola para o industrial prejudicou as mulheres, a transição subsequente para o modelo calcado em serviços beneficiou a participação feminina.
Por que isso aconteceu? Goldin aponta duas razões: primeiramente, o estigma social atrelado às mulheres que trabalham fora de casa em atividades “masculinas”, em segundo lugar, o fato de serem os empregos industriais mais rígidos nos quesitos “horas trabalhadas” e “tempo dispendido no local de trabalho”. A maior flexibilidade dos setores de serviços – além de inovações como a pílula – devolveram às mulheres a capacidade de reintegrar a força de trabalho.
Rigidez e remuneração
Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres e documentados por Goldin, a economista permanece preocupada com o que percebe como o principal obstáculo para a eliminação das disparidades salariais: são os empregos mais bem remunerados aqueles que se caracterizam como os mais rígidos. Ou seja, atividades que exigem longas horas em um escritório com pouca flexibilidade para equilibrar o tempo entre as obrigações do trabalho e aquelas com a família excluem as mulheres. Mulheres tendem a buscar posições que lhes permitam a flexibilidade para melhor equilibrar o tempo. Por esse motivo, Goldin vê o trabalho remoto inaugurado na pandemia, além da maior flexibilidade por ele introduzida, com menos dias no escritório em alguns setores, como uma tendência positiva. Além disso, Goldin também defende a criação de empregos que exijam maior colaboração entre trabalhadores e menos competição. A colaboração abre espaço para a flexibilidade.
Embora a obra de Goldin sirva para pensar as estruturas do mercado de trabalho norte-americano, há muitas lições para o mercado de trabalho brasileiro, onde o aumento da participação das mulheres tem sido expressivo, mas a disparidades são enormes. Fica o desafio para as gerações mais novas de economistas brasileiras.
*Monica de Bolle é senior fellow do Peterson Institute for International Economics em Washington, DC, e professora da Johns Hopkins University