Alvo de uma ação movida em abril pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), o sucateamento das delegacias de Niterói é crítico, mas não é o maior problema que enfrenta a Polícia Civil na cidade, de acordo com os policiais. A falta de agentes nas unidades, somada a sérios problemas estruturais, compromete a qualidade do trabalho, apontam profissionais. Na semana passada, a 9ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva entrou com recurso contra decisão que suspendeu recente liminar que obrigava o governo estadual a promover melhorias e reparos emergenciais nas unidades.
Em dezembro do ano passado, O GLOBO-Niterói publicou denúncia da precariedade nas delegacias feita pelo sindicato dos policiais. Na época, a reportagem acompanhou uma vistoria que flagrou problemas como salas infestadas de cupins, infiltrações, falta de mobiliário, baixo efetivo e até furtos de objetos. De lá pra cá, nada mudou, segundo a entidade. Na linha de frente, policiais relatam que a questão da falta de pessoal e sobrecarga piorou.
Vice-presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol), Luiz Cláudio da Cunha apontou a 76ª DP (Centro), a 78ª DP (Fonseca) e a DPCA como as unidades com maiores problemas:
— As delegacias estão em péssima condições de conservação; as instalações são precaríssimas. Em algumas unidades, os alojamentos são inabitáveis. A maior parte tem seus pisos suspensos porque a rede de computadores está apodrecida. Banheiros destinados às pessoas que são atendidas, via de regra, não funcionam, e, quando funcionam, estão em condições precárias. Além disso, a condição de guarda e conservação de materiais apreendidos em operações é absolutamente precária, e isso pode comprometer a qualidade dos processos, uma vez que veículos e outros materiais apreendidos não são guardados em locais e condições ideais. Armas, drogas e outras provas estão armazenadas precariamente. Somando-se a isso, a gente tem o baixo efetivo. Onde estão trabalhando dois, deveriam ser quatro, seis ou oito.
Relatos de sobrecarga
Agentes que atendem o público nas delegacias dizem que estão sobrecarregados e afirmam que os problemas afetam o setor de inteligência.
“Quando a prefeitura pagava o Niterói Presente, tínhamos mais policiais no atendimento, pagos através de RAS. Mas o estado tirou e assumiu o Segurança Presente, porém com um efetivo menor. O trabalho que quatro policiais faziam em turnos de oito horas hoje é feito por dois em plantões de 24 horas. Essa situação também compromete as investigações; acabamos acumulando funções. Em horários de pico, uma pessoa às vezes espera de três a quatro horas, se tiver um flagrante da PM”, contou um policial sem se identificar.
Segundo os relatos da ação movida pelo MPRJ, as péssimas condições estruturais nas delegacias vêm prejudicando a prestação do serviço de segurança pública, que é essencial. A promotoria ressalta, por exemplo, que a falta de manutenção de um gerador do IML pode comprometer a integridade de provas, caso a unidade sofra com prolongada falta de energia, e destaca que esse é um cenário de violação do direito fundamental à dignidade humana.
![Divisórias caindo e com infestação de cupins na 78ª DP (Fonseca) — Foto: Lívia Neder](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/DfWKTAfdPizYNYJrG7m6Ruu4ZL8=/0x0:1200x1600/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/Q/d/3wyzsrRHCCMeqnhu1gBA/whatsapp-image-2024-06-07-at-16.25.03-1-.jpeg)
“Não se revela razoável que a sociedade e o próprio estado queiram exigir um resultado eficiente da Polícia Civil como ‘fim’ quando, em contrapartida, não se adotam os ‘meios’ adequados para que este órgão de segurança pública cumpra seu papel constitucional. (...) Toda a comunidade é atingida pela situação das instalações administrativas/carcerárias, sejam os servidores que desenvolvem suas atribuições nos locais resguardando a segurança pública, sejam aqueles que, por algum motivo, tiveram seu direito de liberdade relativizado, sejam os cidadãos que se direcionam às unidades na busca da prestação do serviço pelo atendimento ao público”, cita o documento.
Liminar suspensa
A promotoria inicialmente obteve decisão favorável da 2ª Vara Cível de Niterói, determinando que o estado providenciasse reparos emergenciais nas instalações de todas as unidades de polícia (76ª DP, 77ª DP, 78ª DP, 79ª DP, 80ª DP, 81ª DP, DHNSG, DEAM, DPCA e PRPTC/IML), especialmente os ligados a instalações elétricas, segurança predial e conexão à internet. A decisão, entretanto, foi suspensa pela 8ª Câmara de Direito Público, em 16 de maio, que deu provimento a recurso apresentado pelo estado.
Na decisão que suspendeu a liminar, o desembargador relator José Roberto Portugal Compasso afirma que o estado investiu cerca de R$ 200 milhões em reformas dos batalhões da PM e de 25 delegacias, e o fato de essas reformas não terem abrangido as unidades de Niterói não pode ser confundido com inércia. “Subsidiariamente, pugna que os prazos para cumprimento da obrigação sejam aumentados de forma razoável e adequada”, escreveu.
O agravo interno apresentado agora pela procuradoria tem o objetivo de afastar esse efeito suspensivo. Em nota, o governo do estado argumenta que a Polícia Civil tem realizado obras para melhorar a infraestrutura e proporcionar um ambiente adequado aos agentes e à população e que, em relação às delegacias de Niterói, algumas das obras já foram concluídas e outras estão em fase de tramitação na Empresa de Obras Públicas (Emop).
“No que diz respeito ao reforço do efetivo, a Polícia Civil ressalta que, com os novos concursos, foram ampliadas as vagas imediatas, passando de 400 para mais de 1.700. No ano passado, 832 novos policiais civis foram nomeados e lotados em diversas unidades, incluindo Niterói, que recebeu 39 agentes. Além disso, novas turmas estão em formação na Acadepol e reforçarão o efetivo até o fim de 2024. O Segurança Presente em Niterói mantém quatro policiais em três delegacias do município para registrar as ocorrências geradas pelo programa. O objetivo de pagar o RAS aos policiais civis é dar mais agilidade no registro e permitir que os policiais do Segurança Presente retornem imediatamente às ruas para continuar com o patrulhamento. Vale ressaltar que o número de policiais civis empregados atende perfeitamente às demandas do programa. A gestão do Segurança Presente em Niterói foi transferida para o estado, visando a um melhor gerenciamento e à integração das forças de segurança pública. A mudança possibilitou o emprego de um maior número de policiais no policiamento, resultando na redução dos índices de criminalidade no município”, afirma a nota.
Inscreva-se na Newsletter: Niterói