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Foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e fixar uma quantidade — 40 gramas, o equivalente, segundo estudos, a 80 cigarros da droga — para distinguir usuário e traficante. Dependendo das circunstâncias (presença de balança, caderno de anotações e outros indícios), a prisão não dependerá da quantidade. A principal lacuna da legislação atual era a indefinição, responsável pelo encarceramento em massa — e injusto — de dezenas de milhares de usuários. A dificuldade de consenso e as pressões fizeram o julgamento se arrastar por mais de uma década.

O uso de maconha para consumo pessoal, dentro dos parâmetros e circunstâncias estabelecidos, deixa de ser crime. Fica sujeito a sanções administrativas, punidas com advertência ou medidas educativas, e à apreensão da droga. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, fez questão de esclarecer no julgamento que a decisão não legaliza a maconha. O consumo de drogas em lugares públicos continua sendo ato ilícito. A decisão vigora até que o Congresso delibere sobre o assunto.

A Lei de Drogas, de 2006, não tinha a intenção de prender usuários, mas, na prática, surtiu efeito contrário ao pretendido. Ao deixar de estabelecer critérios objetivos para distinguir o usuário do traficante, a decisão passou a depender dos humores de policiais, promotores e juízes. Em razão da subjetividade, as prisões variam de acordo com a cor da pele, a situação socioeconômica ou a idade: jovens, negros e pobres são presos com mais frequência, mesmo se flagrados com pequenas quantidades. Como resultado, os superlotados presídios brasileiros reúnem hoje uma legião de usuários, presos desnecessariamente, que servem de mão de obra às organizações criminosas que dominam as cadeias em todo o Brasil.

A dúvida agora é sobre quanto tempo durará a decisão do Supremo. O julgamento não havia nem terminado, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse discordar: “Considero que uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo”. Pacheco é autor da PEC das Drogas, que pretende gravar na Constituição a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mandou instalar de imediato comissão especial para analisá-la.

Não se questiona a legitimidade do Congresso para legislar sobre o assunto. Mas o Parlamento se omitiu este tempo todo e só saiu da inércia quando, provocado pela sociedade, o STF avançou para remediar a omissão. Deputados e senadores podem concordar ou discordar da Corte, mas precisam apresentar uma solução sensata para o problema. E a PEC das Drogas representaria um retrocesso.

Seu principal problema é não resolver o ponto nevrálgico da legislação. Embora o texto da PEC defenda a distinção entre traficantes e usuários, não estabelece critérios objetivos para isso. Se a proposta for aprovada, as prisões voltarão a depender da subjetividade de policiais, juízes e promotores, até que o Supremo seja novamente provocado. A PEC das Drogas será apenas mais um instrumento para encher as cadeias de cidadãos que não deveriam estar lá. O uso de drogas é um problema de saúde pública, não um caso de polícia.

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