A Rússia e a Ucrânia trocaram acusações sobre a autoria de ataques na região de Zaporíjia, no sul do território em disputa, após bombardeios realizados entre domingo e segunda-feira deixarem mortos e danificarem as instalações de um dos dos reatores da maior central nuclear da Europa, localizada em uma parte do terreno controlada pelas tropas de Moscou. Kiev negou envolvimento com o bombardeio.
A Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA , na sigla em inglês) comunicou, no domingo, que um ataque a drone atingiu a estrutura de contenção de um dos seis reatores nucleares da usina de Zaporíjia. Analistas da agência confirmaram impactos físicos contra o prédio do reator.
Inspetores da agência confirmaram que ao menos três drones detonaram na usina, deixando marcas no telhado do edifício de contenção que abriga um reator. Outra detonação foi registrada em um prédio de laboratório.
A instalação, a maior central nuclear da Europa, está situada na margem oriental do rio Dnipro, perto da linha da frente que divide os exércitos em guerra, e tem sido uma fonte de preocupação quase desde o início da guerra. É a primeira vez que uma instalação nuclear é ocupada por um exército invasor e as repetidas crises na central provocaram o alarme global sobre os riscos crescentes de um desastre radiológico.
Em nota, a agência disse que os alvos pareciam ser equipamentos de vigilância e comunicação instalados no local. A agência também confirmou que, enquanto seus funcionários estiveram na usina, tropas russas "enfrentaram o que parecia ser um drone que se aproximava", o que "foi seguido por uma explosão perto do prédio do reator".
"Hoje, pela primeira vez desde novembro de 2022 e depois de ter estabelecido 5 princípios básicos para evitar um grave acidente nuclear com consequências radiológicas, a IAEA confirmou que ocorreram pelo menos três ataques diretos contra as principais estruturas de contenção do reator", escreveu o presidente da agência, Rafael Grossi, no domingo. "Isto não pode acontecer".
O presidente também foi citado pela nota oficial divulgada pela agência:
“Como afirmei repetidamente – incluindo no Conselho de Segurança e no Conselho de Governadores da AIEA – ninguém pode se beneficiar ou obter qualquer vantagem militar ou política de ataques contra instalações nucleares. Atacar uma usina nuclear é absolutamente impossível”, disse ele. “Apelo firmemente aos tomadores de decisões militares para que se abstenham de qualquer ação que viole os princípios básicos que protegem as instalações nucleares.”
A usina nuclear de Zaporíjia está sob controle russo desde os primeiros meses de guerra. Embora a IAEA não tenha nomeado nenhum responsável pelo ataque, a atenção inicial se voltou ao governo ucraniano. Mikhail Ulyanov, enviado de Moscou à IAEA em Viena, culpou as forças ucranianas pelo ataque e disse que pelo menos três pessoas ficaram feridas.
Kiev negou envolvimento no ataque. O centro de combate à desinformação do governo ucraniano afirmou que foi a Rússia que atacou a central. Em uma publicação no Telegram, o braço do governo ucraniano disse que Moscou atacou "com os seus drones, alegando que a ameaça à central e à segurança nuclear era procedente da Ucrânia". O centro ainda disse que as acusações são parte de uma "campanha de provocações e informações falsas" contra a Ucrânia.
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Em paralelo, o governador ucraniano de Zaporíjia, Ivan Federov, afirmou que ataques russos na região mataram seis pessoas nos últimos dois dias. O alvo desta segunda teria sido uma zona rural, enquanto outras três teriam sido mortas na cidade de Gulyaipole.
“Três pessoas morreram e três ficaram feridas no distrito de Pologivskyi”, publicou Federov nesta segunda.
Ele disse ainda que as forças russas dispararam “357 vezes” contra oito áreas povoadas na região de Zaporíjia nas últimas 24 horas.
Situação preocupante
Embora ocupada pela Rússia, a operação e manutenção da usina nuclear continua sob os cuidados de técnicos ucranianos, que estão sendo mantidos em suas funções como parte de um arranjo entre as autoridades internacionais, Ucrânia e Rússia. Ao longo dos meses, no entanto, há relatos sobre pressão e intimidação contra os funcionários ucranianos da fábrica.
Inspetores das Nações Unidas encontraram minas explosivas instaladas no perímetro da usina, e civis ucranianos que vivem nas proximidades disseram que os russos usam a instalação como local de lançamento de ataques, sabendo que a Ucrânia terá capacidade limitada de resposta sem arriscar a segurança nuclear.
Todos os seis reatores da central nuclear foram retirados de operação – o que significa que já não geram eletricidade – mas ainda necessitam de energia para alimentar sistemas de segurança críticos e de água para circular nos seus núcleos para dissipar o calor residual das reações nucleares e evitar um colapso.
Petro Kotin, chefe da Energoatom, a empresa estatal de energia nuclear da Ucrânia, escreveu recentemente que os engenheiros documentaram pelo menos 150 incidentes preocupantes na central desde que os soldados russos assumiram o controle da instalação.
O equipamento continua a deteriorar-se, escreveu ele, e há também um risco crescente de erro humano “devido à falta de um número suficiente de pessoal qualificado, ao uso de pessoal não qualificado das centrais nucleares russas, bem como ao estado tenso” dos funcionários.
Talvez a preocupação mais imediata tenha sido a ténue ligação da central à rede eléctrica ucraniana. A usina já passou por oito apagões totais, forçando os engenheiros a confiar em enormes geradores a diesel para manter os equipamentos críticos de segurança em funcionamento. (Com AFP e NYT)