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Mais de dois anos após o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, ao menos 520 crianças morreram e 2,9 milhões passaram a necessitar urgentemente de assistência humanitária. Este é, segundo a organização Save the Children, o saldo do conflito até agora, que também deixou casas, parques e escolas destruídos. Algumas vezes por dia, diz a ONG, os menores passaram a precisar se esconder em abrigos contra os bombardeios, e discussões sobre a possibilidade de ataques com armas nucleares não são mais estranhas para eles.

Nesse cenário, a escritora, advogada e ativista ucraniana Larysa Denysenko escreveu o livro "As crianças dos ataques aéreos", lançado no Brasil em fevereiro pela editora Camaleão e com ilustrações da artista ucraniana Olena London. A ideia surgiu, segundo a autora, a partir da percepção de que a maneira de viver havia mudado no país — e da necessidade de mostrar o que acontece com as crianças durante a guerra. Ao GLOBO, Larysa denunciou a violência contra menores na Ucrânia.

De onde veio a ideia de escrever um livro com a experiência infantil da guerra como protagonista?

A ideia de escrever um livro sobre as crianças ataques aéreos surgiu no início da invasão em larga escala. Desde o começo, muitas mães foram forçadas a dar à luz aos filhos nos abrigos das maternidades e a fugir da invasão com seus filhos para lugares, cidades e países mais seguros. Toda mãe teve que descobrir como salvar a vida e a psique de suas crianças. Não estamos acostumados ao fato de que um míssil russo pode atingir a nossa casa e nos matar, mutilar nossos filhos. Essa estratégia de sobrevivência e modo de viver era estranha para nós. Tivemos que construí-la do zero, entender como nos proteger e nos adaptar. Este livro foi escrito como parte de uma campanha de ativismo sobre o que acontece com as crianças durante a guerra.

Livro lançado no Brasil mostra impacto da guerra na Ucrânia para as crianças afetadas — Foto: Divulgação
Livro lançado no Brasil mostra impacto da guerra na Ucrânia para as crianças afetadas — Foto: Divulgação

A senhora acredita que os efeitos da guerra na Ucrânia para as crianças seja pouco mencionado? Por quê?

Eu discordo que as crianças não são muito ouvidas na mídia. Os primeiros mandados do Tribunal Penal Internacional (TPI) foram emitidos para o presidente da Federação Russa, [Vladimir Putin], e para o Ombudsman da Rússia, precisamente devido à deportação de crianças. Lembrando que a deportação de crianças e a interferência na identidade de uma criança é um ato genocida.

Mais de 1706 crianças sofreram na Ucrânia como resultado da agressão armada em larga escala. Pelo menos 520 crianças foram mortas (segundo estatísticas de janeiro de 2024) e 13 casos de estupro de crianças foram abertos – e esses números se aplicam apenas aos territórios aos quais as autoridades ucranianas têm acesso e que estão sendo desocupados pelas tropas ucranianas. Acredito que os leitores possam ter visto bombas russas atingirem o prédio do teatro de Mariupol. No asfalto estava escrito a palavra “CRIANÇAS”. Crianças estavam no abrigo, não sabemos quantas morreram lá. O mesmo se aplica aos territórios ocupados.

Como percebe o entendimento das crianças sobre a guerra hoje?

Atualmente, temos muitos projetos focados em como falar com as crianças durante a guerra. Existem regras de segurança para minas, por exemplo. Há músicas, poemas e jogos que ajudam as crianças a se adaptarem ao bombardeio, a permanecerem nos abrigos e a se concentrarem na aprendizagem. Muitos terapeutas recebem treinamento sobre como conversar com uma criança que foi estuprada pelo Exército russo; que foi forçada a assistir à sua mãe sendo sexualmente abusada ou a ver seus pais sendo baleados; ou que foi devolvida após ter sido deportada à força para o território da Rússia. Livros infantis estão surgindo para ajudar os adultos a falarem com as crianças.

4) Você chegou a conversar com crianças para escrever o livro?

Todas as crianças sobre as quais eu escrevi no livro são reais. São de famílias que eu conheço ou de fontes de informação publicadas. Polina foi morta em Kiev, Mia nasceu durante os ataques aéreos no segundo dia da invasão, Danylo nasceu em abril de 2023 na Polônia. A mãe dele, minha amiga Yulia, agora vive com seu filho na França.

No livro 'As crianças dos ataques aéreos', autora denuncia a violência contra menores durante a guerra na Ucrânia — Foto: Divulgação
No livro 'As crianças dos ataques aéreos', autora denuncia a violência contra menores durante a guerra na Ucrânia — Foto: Divulgação

Em mais de uma ocasião os soldados russos são mencionados no livro como “malfeitores”, “forças do mal” ou mesmo “demônios”. De que maneira as crianças enxergam a Rússia hoje? Como era essa visão antes da guerra?

Cada família tinha sua própria ideia da Rússia, moldada por sua própria experiência, laços familiares, meios de informação, propaganda e idioma. O som russo era bastante familiar. Uma das minhas clientes, que foi estuprada por vários russos, é uma pessoa que fala russo. Agora, ela está aprendendo vários idiomas apenas para bloquear o som do russo em sua própria cabeça. É uma experiência traumática, é muito difícil. Ela é uma mulher adulta, recebe ajuda e vai superar isso. Mas é difícil aprender como explicar a uma criança quem é o inimigo que está lançando um míssil em sua casa e dizer que os russos não são tão ruins assim. Em maio de 2022, as crianças do meu distrito de Kiev que estavam perto da região ocupada de Bucha discutiram o que fazer se os russos nos atingissem com armas nucleares. É normal as crianças discutirem isso? Os russos proporcionaram essa terrível experiência para nossas crianças.

Na sua opinião, de que maneira a guerra irá impactar o desenvolvimento das crianças?

Meus pais são crianças da Segunda Guerra Mundial. Eles sobreviveram à ocupação nazista, à evacuação e à fome. Muitas das coisas pelas quais eles passaram foram abafadas, e é difícil falar sobre tragédias e experiências difíceis abertamente. Quando uma criança lê muito, se interessa por história e sabe, por exemplo, o que foi o Holocausto, é difícil ser amigável com os alemães. Mas aqui é importante saber que os agressores se desculparam, estão reparando suas culpas e entendem as consequências do seu comportamento criminoso.

É um século diferente, há muitas informações, e estamos tentando tratar os memoriais aos soldados e civis mortos com cuidado. Já estamos falando sobre experiências assíncronas. As crianças não podem deixar de ser afetadas pela guerra, não podem esquecer ou apagar essa experiência de suas vidas, mas muito depende da formação de uma cultura de compreensão, de memória e identidade. A liberdade como valor sempre foi importante para nós como sociedade ucraniana como um todo. Sempre lutamos por ela, e é importante não esquecermos disso. Falamos com as crianças sobre como o medo se transformou em força.

Nos últimos meses, especialmente após o início da guerra Israel x Hamas, a ajuda financeira destinada à Ucrânia diminuiu, e a Rússia anunciou que assumiu o controle de novos territórios. Como você enxerga o futuro da guerra?

A guerra é um território de perigo não apenas para as pessoas do país sob ataque, mas também para o mundo inteiro. Imagine uma situação em que alguém apaga toda a sua história e diz que todos vocês são espanhóis, não importa o que vocês pensem. Se vocês insistirem que são brasileiros, serão espancados, zombados, baleados, levados embora e presos, e dirão que a língua portuguesa não existe. Isso é o que a política e o Exército da Federação Russa estão fazendo com mulheres e homens ucranianos. Sou advogada, trabalho com questões de violência sexual relacionadas ao conflito armado, e minha experiência me dá o direito de dizer que tortura, violência, terror e coerção estão sendo impostos pela Rússia em todos os territórios temporariamente ocupados. Então, precisamos libertar os territórios, não importa o quão difícil seja.

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