O Serviço Federal de Segurança russo (FSB) anunciou, nesta quinta-feira, a detenção de um ativista transgênero acusado de "alta traição", no mesmo dia que deputados russos endureceram um projeto de lei que proíbe transições de gênero e retira o direto de pessoas transsexuais adotarem crianças.
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Em um vídeo da prisão filmado pelo FSB e transmitido pela mídia estatal russa, homens encapuzados e armados com coletes à prova de balas e uniformes camuflados saem de um veículo e espancam brutalmente o suspeito contra um muro na rua. "Socorro", disse o suspeito, antes de ser algemado e conduzido ao veículo.
"O FSB frustrou as atividades ilegais de um cidadão russo, morador da região de Oriol, implicado em um crime de alta traição por ter prestado assistência financeira às forças armadas ucranianas", afirmou o FSB em comunicado.
Segundo as acusações do Serviço Federal de Segurança, o suspeito seria gestor de um projeto que organizou transfer��ncias de dinheiro para organizações na Ucrânia "com o objetivo de financiar" o Exército ucraniano. Ele está sendo investigado por "alta traição", crime punível com prisão perpétua na Rússia.
O FSB também afirma que o detido é um ativista transgênero LGBT+, que trabalha como voluntário para a ONG OVD-Info, responsável por documentar a repressão política na Rússia. Ao jornal Moscow Times a organização disse não poder confirmar se a pessoa presa estava entre seus milhares de voluntários.
O FSB não identificou a pessoa pelo nome, mas o descreveu como “um ativista (...) que mudou sua identidade de gênero de mulher para homem”. Ele é residente da região de Oriol, ao sul de Moscou.
A detenção ocorre no mesmo dia em que os deputados russos acataram uma nova versão do projeto de lei que proíbe intervenções médicas e as alterações de estado civil para processos de transição de gênero, em segunda leitura. Em meados de junho, a Câmara baixa do Parlamento russo já havia aprovado o projeto, em primeira leitura. A única exceção são as "doenças congênitas" em crianças, por decisão de uma comissão médica federal.
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A Duma especificou, em um comunicado, que o texto proibirá os tratamentos hormonais para transição de gênero. Além disso, pessoas que passaram pelo procedimento serão proibidas de adotar ou obter a custódia de crianças na Rússia, de acordo com a nova versão do documento. A versão ainda acrescenta que a transição de gênero também pode ser um "motivo" para a suspensão de um casamento.
O texto será analisado pela terceira e última vez nesta sexta-feira.
Proposto pelas lideranças das principais bancadas, incluindo o partido Rússia Unida (pró-Kremlin) e o Partido Comunista, o texto se baseia na Constituição russa, que defende "valores familiares tradicionais" e define o casamento apenas como "a união de um homem e uma mulher".
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A lei faz parte de um esforço intensificado por Putin, de colocar a Rússia em uma luta contra o Ocidente, que ele acusa de tentar exportar valores corrosivos. Assim, o Kremlin associa a repressão contra a comunidade LGBT+ à justificativa para a guerra na Ucrânia, insistindo que a Rússia luta não apenas contra o país, mas contra toda a Otan, aliança ocidental que representa uma ameaça à pátria.
Já o número crescente de prisões por traição divulgadas nos últimos meses teria como objetivo dissuadir os russos de apoiar a Ucrânia ou expressar oposição à guerra. Os casos de traição abertos até agora em 2023 superaram os de 2022.