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Por The New York Times, Valerie Hopkins e Valeriya Safronova — Moscou

Em um bairro industrial no Nordeste de Moscou, em uma noite de sexta-feira, organizadores de um festival de arte pró-LGBT+ verificavam várias vezes as identidades dos frequentadores. Ninguém com menos de 18 anos poderia entrar. Eles tentavam cumprir uma lei russa de 2013, que proíbe a exposição de menores a qualquer atividade que possa ser considerada “propaganda gay”.

Os organizadores tinham boas razões para serem cautelosos: a vida tem sido um desafio para os gays russos desde que a lei foi aprovada, já que o governo trata a comunidade gay como uma importação ocidental, prejudicial aos valores e à sociedade russa tradicional.

Agora, o Parlamento da Rússia está prestes aprovar um pacote legislativo que baniria toda “propaganda gay”, sinalizando um período ainda mais difícil pela frente para o grupo, já estigmatizado pela sociedade russa.

As novas proibições aprovadas na Duma, a Câmara baixa russa, envolvem “os meios de comunicação, internet, a literatura e o cinema”, assim como a publicidade, serviços de streaming e mídias sociais. Ativistas temem que a mudança atinja qualquer atividade em espaços públicos, uma perspectiva assustadora para pessoas queer em busca de validação.

— Tenho medo do meu futuro, porque, com esse tipo de mudança, ele não será tão brilhante quanto eu gostaria que fosse — disse um artista drag, que usa o nome artístico de Taylor.

A apresentação de Taylor na sexta-feira, diante de uma multidão pequena, mas entusiasmada, abordou temas de violência doméstica, saúde mental e HIV.

As leis propostas fazem parte de um esforço intensificado pelo presidente russo, Vladimir Putin, de colocar a Rússia em uma luta contra o Ocidente, que ele acusa de tentar exportar valores corrosivos. Assim, o Kremlin associa a repressão contra a comunidade LGBT+ à justificativa para a guerra na Ucrânia, insistindo que a Rússia luta não apenas contra o país, mas contra toda a Otan, uma aliança ocidental que representa uma ameaça à pátria.

Em um discurso na semana passada, Putin voltou a usar esse argumento, dizendo que o Ocidente pode ter “dezenas de gêneros e desfiles de orgulho gay”, mas que não deveria tentar espalhar essas “tendências” em outros lugares.

Aleksandr Khinstein, deputado do partido governante Rússia Unida e principal autor dos novos projetos, foi ainda mais direto.

— Uma operação militar especial ocorre não apenas nos campos de batalha — disse, usando o eufemismo do Kremlin para a guerra —, mas também na consciência das pessoas, em suas mentes e almas. Hoje, lutamos para que na Rússia, em vez de mamãe e papai, não haja 'pai n.º 1', 'pai n.º 2', 'pai n.º 3'.

Os críticos à legislação veem as propostas como uma tentativa de criar um inimigo interno para desviar a atenção dos reveses no campo de batalha e de uma convocação impopular de centenas de milhares de soldados.

— É o equivalente a dizer: ‘Olha, temos essa operação especial. Se perdermos, seus filhos terão seu gênero alterado, eles levarão seus filhos embora, será um pesadelo — disse o médico Nikolai Lunchenkov, especialista em cuidados da saúde LGBT+.

Lunchenkov disse que em 2010, quando estava na escola, sentia que poderia expressar sua identidade gay livremente entre seus colegas de classe. Em 2018, no entanto, quando uma organização centrada em direitos LGBT+ o convidou para dar uma palestra sobre saúde sexual em São Petersburgo, a polícia apareceu para verificar a identidade de todos. Ele teme que as novas leis possam ser usadas para fechar festivais de cinema e livros e até impedir serviços médicos.

Violar as leis acarretaria multas severas. Qualquer empresa que mostre imagens de uma família com duas mães ou dois pais, por exemplo, poderia ser multada em até 5 milhões de rublos, ou cerca de US$ 81 mil. Indivíduos enfrentariam multas de até 400 mil rublos, cerca de US$ 6.500. Filmes com pessoas queer poderiam ter sua distribuição negada.

— A lei que propõe a proibição total é muito assustadora, porque trabalhamos em boates, fazemos shows assim — disse Taylor, a drag performer. — Vivemos na Rússia, já existe uma tremenda pressão sobre nós. E agora seremos completamente oprimidos.

Redes sociais como Instagram e Facebook, onde a maioria dos artistas anunciam seus shows, já são bloqueadas no país. Muitos artistas drags e organizadores de festivais agora temem ter de apagar seu conteúdo das mídias sociais. Taylor disse que as atividades “voltariam à clandestinidade” e as informações sobre elas seriam divulgadas no boca a boca.

Nos últimos nove anos, 123 violações da lei de 2013 chegaram aos tribunais russos, de acordo com uma análise realizada por Maksim Olenichev, advogado especializado nos direitos LGBT+. O maior impacto da lei, segundo ele, foi a mudança de percepção dos russos sobre o que constitui um comportamento socialmente aceitável.

Drag queen Taylor (direita) se prepara para show em Moscou — Foto:  Nanna Heitmann/NYT
Drag queen Taylor (direita) se prepara para show em Moscou — Foto: Nanna Heitmann/NYT

— O governo basicamente diz que essas pessoas não têm os mesmos direitos que os outros — afirma. — Pessoas LGBT+ passam a não ser consideradas totalmente humanas. É assim que as pessoas justificarão o abuso contra elas. O objetivo é tornar essas pessoas invisíveis na Rússia.

Olenichev disse que, embora a polícia não rastreie crimes de ódio contra pessoas queer, ele e seus colegas notaram um aumento de clientes que sofreram ataques desde 2013.

— A retórica por trás das leis antigays pode ter consequências perigosas para os gays russos — disse Vladimir Komov, advogado do grupo LGBT+ Delo.

Lunchenkov acredita que as leis propostas podem deixar os gays “com medo de ir às clínicas médicas para fazer tratamento ou exames para doenças sexualmente transmissíveis”. Cerca de 1,5 milhão de pessoas na Rússia vivem com HIV. Segundo ele, haverá consequências menos visíveis.

— A opressão institucional definitivamente leva ao agravamento da saúde mental — afirmou. — Se você vive sob constante pressão e medo, isso definitivamente não é bom para sua saúde.

Até agora, os gays russos encontraram maneiras de se expressar apesar das leis restritivas. Um recente show drag com tema de Halloween em um popular clube de Moscou estava lotado. Alguns participantes temiam que poderia ser um dos últimos grandes eventos do tipo na Rússia.

— É claro que isso é horrível, mas essa lei não vai nos fazer desaparecer — disse uma artista de 21 anos, cujo nome artístico é Philbertina, de Krasnoyarsk, na Sibéria. — Há um ano, nessas apresentações havia 30, 50 pessoas. Veja quantos existem agora: centenas!

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