Patrícia Kogut
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Quando a onda gigante do #MeToo teve início, em 2017, ela pegou primeiro Harvey Weinstein. A porteira aberta com a queda dele continua escancarada e, de lá para cá, todo mundo acompanhou histórias de mulheres que sofreram assédio sexual e tiveram a coragem de denunciá-las. Tudo isso foi transformador para a indústria do cinema e deslocou fronteiras morais e éticas da sociedade. Uma faceta menos comum do #Metoo, mas não menos revoltante, é aquela que conta as histórias de assédio de homens contra homens. Kevin Spacey, denunciado já em 2017 por Anthony Rapp, é o caso mais notório. A iniciativa motivou outras acusações contra o ator. Spacey, vencedor de dois Oscars e o mais bem-sucedido de sua geração, caiu no degredo. A Netflix o demitiu de “House of cards”, de que era, além de estrela, produtor executivo, e ele foi substituído num filme de Ridley Scott. Agora, chega à Max o documentário “Kevin Spacey: a história não contada”. São dois episódios. Vale conferir.

Quem achava que o debate público originado com o #MeToo tinha abordado todos os aspectos do assédio sexual vai reconsiderar. O documentário expõe exclusivamente a fragilidade masculina. E ela não é tão diferente da feminina. A idealização do “sexo forte” em oposição ao conceito de um “sexo frágil” se desmancha. E, ainda em 2024, isso causa surpresa.

Acompanhamos dez depoimentos de homens que dizem ter sido abusados pelo ator. O modus operandi que eles descrevem é mais ou menos o mesmo. Spacey os abordava fisicamente, algumas vezes usando a força. Quando ouvia deles que não eram gays, retrucava que era melhor assim, já que esse fato tornava a “conquista” mais desafiadora. O ator usava de sua situação de poder para intimidar jovens aspirantes. Mas há também o testemunho de um colega seu de escola e de um rapaz que conheceu antes de ser famoso. As histórias são violentas. O que eles dizem ter sentido não é diferente dos relatos de mulheres que passaram pela mesma situação: a dúvida se aquilo está mesmo acontecendo; a vergonha; a culpa; o medo de denunciar.

O documentário também ouve duas mulheres. Uma delas fazia figuração em “House of cards” e testemunhou o que houve com um colega, alvo de Spacey. Outra é uma produtora de elenco que garante que todos no estúdio tinham conhecimento do que se passava.

Irmão mais velho do ator, Randy Fowler faz um relato forte da infância deles e da intimidade familiar. Conta que o pai era simpatizante nazista, usando até um bigode como Adolf Hitler. E que na adolescência foi estuprado por ele.

O próprio Spacey não participa. Numa nota, disse apenas que foi absolvido dos processos criminais e civis que respondeu.

A série mostra que o #MeToo ainda tem muito a ensinar. Não à toa, “Bebê Rena”, da Netflix, deu tanto o que falar. A produção também abordou uma história de abuso praticado por um homem mais velho contra um rapaz.

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