Tragédia que se repete: bairro da Independência, em Petrópolis, vive sucessivas tragédias desde década de 80

Relato de Jamil Muanis Antonio Luminato, nos deslizamentos de 2022, relembra tragédias vividas por ele na cidade imperial em 1981, 2013 e 2013


Jamil carrega corpo de menina no bairro Independência, em Petrópolis, em 1981 Reprodução/Jornal do Brasil

Não é a primeira vez que moradores do bairro da Independência, em Petrópolis, passam por dias de angústia e medo por conta da chuva. O aguaceiro que castiga o Rio de Janeiro neste final de semana já deixou quatro mortos em um desabamento na Região Serrana — uma criança de 9 anos, duas mulheres e um homem vítimas no Alto Independência. As sucessivas calamidades que abalam o município são lembradas desde 1981, quando há pouco mais de quatro décadas atrás um homem se tornou símbolo do temporal na cidade ao ser fotografado carregando o corpo de um bebê que tirou da lama. Em 2013 e 2018, o mesmo homem vivenciou a dor de perder familiares para as enxurradas.

A história de Jamil Muanis Antonio Luminato relembra outros momentos de dificuldades e desespero enfrentados pelos moradores do bairro Independência. Em 2022, aos 60 anos, ele viveu pela terceira vez a situação de caos na cidade. No mesmo ano, em entrevista ao GLOBO, o auxiliar de serviços gerias lamentou que, desde o ato heróico até a dor de perder familiares anos e mais anos depois, "vários clãs políticos tenham passado pela prefeitura, sem que tenham mudado a realidade de quem vive nas encostas".

Vivendo em uma das ruas mais altas do bairro Independência, em uma das tantas áreas de risco de Petrópolis, em 1981, Jamil viveu o que foi considerado como heroísmo ao ser fotografado salvando o bebê. Anos depois, ele começou a se questionar se, na verdade, ele seria um "herói fracasso, pequeno frente a tantas tragédias que se repetem". Naquele ano, a chuva causou a morte de 67 pessoas e deixou 300 feridas em todo estado. Ainda na década de 80, em 5 de fevereiro de 1988, se foram mais 171 vítimas.

Jamil Luminato era jovem quando ajudou a resgatar as vítimas das chuvas em 1981. Em 2013, ele perdeu a filha também nas chuvas. Em 2022 morava no bairro Independência, em uma área de risco. — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Entre as sucessivas calamidades que abalaram o município, Jammil vivenciou a dor de perder familiares para as enxurradas. Em 2013, deu adeus a uma filha e a dois netos. Uma encosta deslizou, em março de mesmo ano, soterrando sua filha Drucelaine Luminato, de 28 anos, e seus netos Rodrigo e João Victor, além de outras cinco pessoas ligadas à família. Em 2013, a tragédia por causa da chuva deixou ao menos 30 mortos em Petrópolis.

Mais tarde, em 2018, chegou a vez de se despedir do seu irmão Heloítson Antonio da Silva que estava na rua principal do Independência quando foi atingido por uma barreira. Na época, foram vítimas ele e a namorada, desta vez, sem destaque no noticiário.

Em 2022, enfrentou as ruas cheias de lama e carros retorcidos para encontrar o filho Caique, na época com 15 anos. Pegou carona e terminou o percurso a pé até a escola em que o adolescente estudava e ficou abrigado durante o temporal, na Rua Coronel Veiga, em uma das escolas que haviam inundado na enxurrada que o fez perder o irmão quatro anos antes. Ano em que foi registrada a maior tragédia no município, com 178 mortos.

Em entrevista ao GLOBO, em 2022, a menos de 100 metros da casa de Jammil — uma construção humilde, de dois quartos, sala, banheiro e uma cozinha por acabar de reformar — estava instalada uma sirena que deveria alertar sobre perigos advindos da chuva. Na tempestade, entretanto, moradores garantem que a sirene não soou. Jammil afirmou que a sirene quase nunca tocava e, mesmo se fosse disparada, eles não teriam para onde ir.

— E se tocar, para onde vamos? Não sei. Minha rua, por exemplo, não tem ralos, nada de drenagem. O pavimento, nós mesmos, moradores, que fizemos, em mutirão. Já a encosta em que morreu minha filha está ocupada de novo. Se eu ganhasse uma casa para sair da área de risco, eu iria. Mas constroem poucas moradias para os mais pobres. A vantagem é que Deus me fortalece — relatou, em 2022, o homem que, embora não se considerasse herói, foi um dos muitos petropolitanos que venceram batalhas cotidianas para sobreviver.

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