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Por — Rio de Janeiro

Morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Lemuel Silva dos Santos, de 19 anos, dividia seu tempo entre o trabalho com a mãe em um comércio e cursos técnicos, como, por exemplo, o de conserto de telefones celulares. Seus planos para o futuro incluíam ter a própria loja, cursar uma universidade e até morar no exterior. No dia 30 de março de 2022, os sonhos do jovem foram interrompidos. Horas após se despedir da mãe e dizer que iria encontrar um amigo, Lemuel desapareceu. O sumiço aconteceu numa região onde há comunidades com territórios controlados pelo tráfico e pela milícia.

Desesperada, a comerciante Viviane Maria reconstituiu os últimos passos do filho e descobriu que ele sumiu após ter sido levado por alguém para a Comunidade Parque das Palmeiras, no Bairro da Palhada, em Nova Iguaçu. Missionária evangélica, ela encontrou forças e coragem para ir até o local, a fim de procurar pelo rapaz. Lá, recebeu a informação de que Lemuel havia sido morto e que teria tido o celular roubado por traficantes, após ser confundido com um integrante de um bando rival. Viviane chegou a percorrer um trecho de mata em busca do corpo do rapaz, mas foi aconselhada por uma mulher a abandonar a ideia e retornar para não correr mais riscos. Aflita, foi até uma delegacia atrás de ajuda. Em vão.

— Eu fui até a delegacia. Tentei fazer barulho, mas o preconceito que sofri lá foi muito grande. (Ouvi) tipo, “seu filho era viciado? Seu filho era bandido?”. O policial mandou que eu fosse para casa. Disse que meu filho poderia estar “por aí, com uma mulherzinha” e que daqui a pouco ele estaria de volta. Estou esperando há dois anos meu filho atravessar a porta de casa — diz, emocionada.

Fuga para o exterior

Com medo, Viviane deixou o que tinha para trás e saiu do país com outros três filhos. Antes, precisou passar por tratamento psiquiátrico e tomar calmantes.

— Uma mãe quando perde um filho é como se tivesse uma pata de elefante sobre o próprio peito — concluiu.

Lemuel não é a única vítima de desaparecimento forçado (quando a pessoa some contra sua vontade). Este tipo de violência não é tipificada pela Polícia Civil, sendo contabilizada ao lado de outros desaparecimentos como, por exemplo, quando alguém se perde, foge de casa ou tem lapso de memória.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) revelam que 5.815 pessoas desapareceram no Estado do Rio, em 2023, uma média de 15,9 casos por dia. Houve um aumento de 10% na comparação com o ano de 2022, que registrou 5.255 desparecidos.

Sem resposta

A família do entregador Kesley Domingos de Freitas, de 22 anos, também não conseguiu se despedir do rapaz. Na noite do dia 19 de janeiro de 2022, ele estava lavando a motocicleta que usava para trabalhar, no Bairro Km32, em Nova Iguaçu, quando homens armados desceram de um carro e o renderam. Ele foi colocado à força em um veículo e nunca mais apareceu.

— É como se ele fosse um nada. Aconteceu, sumiu, despareceu e fica sem solução. O que dói mais é não saber o porquê. É não ter um corpo — disse uma pessoa próxima.

O mesmo drama atinge a família de um tatuador. Morador da Gardênia Azul, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, ele conversava com amigos, no dia 9 de dezembro de 2022, quando começou um tiroteio entre milicianos e traficantes. A vítima procurou abrigo em uma hamburgueria, mas foi baleada no local e levada por homens armados.

— Minha vida acabou depois disso. Faz um ano e três meses que tudo aconteceu e eu não tenho nada, nenhuma notícia dele ou de corpo — disse uma parente.

Já David Wellington, de 18, desapareceu após sair de Bangu, também na Zona Oeste, em 9 de dezembro de 2012. Na Avenida Brasil, ele foi abordado, amarrado por duas pessoas e colocado na mala de um carro. Quando estava sendo levado para ser executado, ele conseguiu usar o celular que estava no bolso. David ligou para a família e avisou o que estava acontecendo. Foi a última vez que alguém teve notícias do rapaz. A família optou por não procurar a polícia.

— O pior foi não poder enterrar, foi não poder se despedir — disse um parente.

Livro e filme

Um estudo feito pelo Observatório Fluminense da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em parceria com o Fórum Grita Baixada, revela que, entre 2016 e 2020, foram recebidas 768 denúncias sobre desaparecimentos forçados no Rio (417) e na Baixada Fluminense (351).

O resultado deste levantamento — com base em entrevistas com mães e parentes de vítimas deste tipo de violência, análise de dados do Disque-Denúncia e acompanhamento de relatos nas redes sociais — virou filme e livro. A publicação, com o título “Desaparecimento Forçado: Vidas Interrompidas na Baixada Fluminense”, será lançada nesta terça-feira no auditório da UFRRJ. O trabalho foi feito por 12 pessoas, entre professores, graduandos e pós-graduandos do curso de Ciências Sociais da universidade.

— O Brasil não tipificou esse crime. Aí que começa o nosso problema. Essa massa de gente que desapareceu, que foi assassinada e os corpos foram destruídos, é misturada com criança que desapareceu, que se perdeu, com adultos, idosos que têm doenças. Normalmente ocorrem (os desaparecimentos forçados) em áreas dominadas por milicianos e traficantes — explicou o professor da UFRRJ e sociólogo José Cláudio Souza Alves.

A Secretaria estadual de Polícia Civil (Sepol) disse desconhecer a metodologia utilizada no levantamento e que as ações da instituição são norteadas com base em dados oficiais do ISP. Procurado, o instituto informou que os dados divulgados pelo órgão são provenientes de registros feitos nas delegacias e que a tipificação “desparecimento forçado” não existe no Código Penal Brasileiro.

Sobre o caso de Kesley de Freitas, a Polícia Civil informou que a investigação aponta que ele foi morto por milicianos. Foi solicitado o comparecimento de parentes ao Instituto de Pesquisa e Perícia em Genética Forense (IPPGF) para coleta de material genético, mas isso ainda não ocorreu.

O sumiço de Lemuel dos Santos é investigado pelo Setor de Descoberta de Paradeiros da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF). Segundo a polícia, a informação inicial é que ele teria sido assassinado depois de ser confundido com um traficante de uma quadrilha rival. Já sobre o tatuador, a linha investigada pela Delegacia de Descoberta de Paradeiros é a de que ele seria ligado a uma milícia.

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