'Bronca' de Barroso em corregedor do CNJ ameaça trégua no Supremo em torno da Lava-Jato

Presidente do CNJ e do STF classifica afastamento de magistrados da Lava-Jato como ‘perversidade’ e fala em ‘dois pesos e duas medidas’

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O presidente do STF, Luís Roberto Barroso (à esq.), e o corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão Cristiano Mariz/O Globo e G. Dettmar/Agência CNJ

A bronca que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu no corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luis Felipe Salomão, que afastou da função por liminar dois juízes e dois desembargadores da Lava-Jato, foi vista por interlocutores do presidente do Supremo como uma resposta ao que ele chama de instinto de “vingança” contra a operação.

Durante a discussão sobre a liminar, Barroso, que também preside o CNJ, afirmou que a decisão tomada por Salomão foi “ilegítima e arbitrária”, e pediu vista quanto ao pedido de abertura de processo disciplinar contra os magistrados. O entendimento do ministro do Supremo em relação à nulidade do afastamento dos juízes federais Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior foi acompanhado pela maioria do conselho.

Já os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima continuam afastados. O placar do CNJ neste caso foi de 9 votos a 6 pela restrição aos integrantes do TRF-4.

Hardt foi a juíza substituta da 13ª Vara de Curitiba, responsável pela operação entre 2019 e 2023.

Ela foi acusada de homologar a criação de uma fundação privada pela força-tarefa para receber e administrar recursos provenientes de multas pagas pela Petrobras na Lava-Jato.

Depois de ter sido incluída no acordo da petroleira com o Ministério Público Federal (MPF) com o aval de Hardt, a fundação foi suspensa por ordem do ministro do Supremo Alexandre de Moraes em 2019.

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Os desembargadores, por sua vez, foram punidos por, segundo Salomão, terem votado pela suspeição do então titular da 13ª Vara, Eduardo Appio, poucas horas após o ministro do STF Dias Toffoli anular as provas provenientes do acordo de leniência da Odebrecht – que foram usadas pelo TRF-4 no julgamento do magistrado.

"Acho que ele chegou num limite", disse um aliado de Barroso no Supremo. A gota d’água foi o fato de Salomão ter feito o afastamento de maneira monocrática – algo encarado pelo presidente do STF como uma demonstração de que o corregedor cruzou uma "linha vermelha".

Prova disso seria o vocabulário escolhido pelo presidente do STF. Nos 30 minutos de discurso, além de clasificar a decisão de Salomão como “ilegítima” e “arbitrária”, Barroso também disse que ela seria “desnecessária”, “sumária” e “prematura”, e que chancelá-la representaria uma “injustiça, quando não uma perversidade”. Ele mesmo admitiu, ao final do voto pela derrubada do afastamento dos magistrados, que se posicionou com “veemência”.

Barroso também acusou a corregedoria-nacional do CNJ de adotar “dois pesos e duas medidas” para embasar o afastamento dos desembargadores, acusados nas reclamações disciplinares de terem descumprido decisões do STF.

O exemplo seria o julgamento de um caso do juiz Eduardo Appio, que também atuou na Lava-Jato e foi alvo de uma apuração do CNJ por denúncias de irregularidades graves, e mesmo assim não afastado da magistratura.

Appio fez um acordo com o CNJ e foi transferido da 13ª Vara para uma unidade previdenciária de Curitiba em outubro do ano passado.

O ministro ainda falou em “exigência diabólica” ao rebater as alegações do corregedor para punir também, na mesma decisão, o juiz Pereira Júnior, atual titular da vara, afastado por votar como juiz vogal – convocado de última hora para substituir um juiz do TRF-4 —no julgamento que, segundo Salomão, teria desrespeitado a decisão do Supremo.

Neste ponto, o presidente do CNJ também criticou indiretamente a tese de Salomão ao declarar, “sem cultivar ironia”, que o afastamento dos magistrados ia “frontalmente” contra a jurisprudência do próprio STF.

E torpedeou a decisão monocrática de Salomão por ter sido assinada um dia antes da sessão colegiada do CNJ já prevista na agenda do colegiado.

Após sustentar que o afastamento monocrático de magistrados só pode se dar em casos “absolutamente excepcionais” e urgentes, Barroso reclamou que o material que embasou a decisão do corregedor-nacional só foi disponibilizado na véspera da sessão e que nem um “super-homem” teria tido tempo hábil para analisar as provas e os documentos relacionados.

“Se alguém aqui conseguiu pelo menos folhear 1160 páginas de correição, 146 páginas de relatório e 26 horas de gravação… E teve menos de 26 horas da decisão [de Salomão] para cá”, alfinetou.

O contexto das reclamações disciplinares contra magistrados da Lava-Jato já havia provocado um bate-boca público entre Barroso e Luis Felipe Salomão em uma sessão do CNJ, em fevereiro. Na ocasião, no entanto, o entrevero ocorreu por divergências quanto ao rito do colegiado para avaliar o caso. Desta vez, o tiroteio se deu por conta do mérito.

Um dos ministros do STF mais próximos da Lava-Jato no auge das investigações em Curitiba, Barroso travou embates com colegas que se tornaram críticos à atuação da operação, como Gilmar Mendes, que é próximo de Salomão. O enfrentamento se manteve mesmo após a revelação da Vaza-Jato, escândalo das mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato captadas pelo hacker Walter Delgatti e divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

Em 2021, Barroso votou contra a suspeição de Moro nos casos envolvendo Lula na Lava-Jato e chegou a bater boca com Gilmar durante a sessão do Supremo que avaliou a questão. Isso apesar do atual presidente do STF ter votado pela anulação das condenações impostas ao petista no âmbito da força-tarefa – decisão que, na prática, recuperou sua elegibilidade e abriu caminho para sua candidatura vitoriosa à Presidência no ano seguinte.

Mas os posicionamentos de Barroso contra as investidas autoritárias de Jair Bolsonaro à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no próprio Supremo proporcionaram uma espécie de trégua entre Barroso e a ala antilavajatista na Corte.

Um dos episódios que demonstrou que a “bandeira branca” tinha diso levantada foi o discurso de Gilmar, decano do Supremo, na posse de Barroso na presidência do tribunal em setembro de 2023. O ministro disse que o “destino não poderia ter sido mais generoso com nossa República", e completou: “A posse de Vossa Excelência na presidência desta Suprema Corte representa galardão que coroa uma carreira jurídica de excelência”.

Barroso, em resposta, afirmou que guardaria o discurso do colega “no coração”.

Agora com Bolsonaro inelegível e acuado, o discurso e a ênfase de Barroso podem indicar que a trégua está ameaçada. Vai depender de como cada laço vai se movimentar a partir de agora.

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