Na véspera da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a nova Taxa Selic, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu o tom contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao afirmar em entrevista à rádio CBN que ele “tem lado” e não demonstra “capacidade de autonomia”.
As declarações foram interpretadas nos bastidores do governo e no mercado como tentativa de pressão política sobre a autoridade monetária diante da possibilidade de fim do ciclo de queda de juros, hoje em 10,5% ao ano.
Após as críticas do presidente, o dólar renovou a máxima do ano e encerrou os negócios cotado a R$ 5,43, na maior cotação desde 4 de janeiro do ano passado.
Com o governo sob pressão para cortar gastos, diante dos sinais de esgotamento da política de ajuste fiscal apenas pelo lado de aumento das receitas, Lula afirmou que o comportamento do chefe do Banco Central é a única coisa “desajustada” na economia do país. E comparou Campos Neto ao ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR), que foi o responsável por condená-lo na Lava-Jato.
Nova composição: Presidente e diretores do Banco Central
— Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil nesse instante, é o comportamento do Banco Central, essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que na minha opinião trabalha muito mais para prejudicar o país do que ajudar, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está — disse Lula à CBN.
Proximidade com Tarcísio
A crítica do petista foi motivada pela participação do presidente da autoridade monetária em evento promovido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de Jair Bolsonaro cotado para concorrer à Presidência em 2026.
— O que é importante saber é a quem esse rapaz é submetido. Como que ele vai para uma festa de São Paulo quase que assumindo um cargo no governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele? — indagou Lula.
Na ocasião, segundo o jornal Folha de S.Paulo, o presidente do BC disse que aceitaria ser ministro da Fazenda em um eventual governo de Tarcísio.
— Não é que ele encontrou com o Tarcísio em uma festa. A festa foi para ele, foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele, certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhoso a taxa de juros de 10,5% — afirmou: — Quando ele se ‘autolança’ para um cargo, eu fico imaginando, a gente vai repetir um Moro? Um paladino da Justiça, com rabo preso a compromissos políticos? Então, o presidente do BC precisa ser uma figura séria, responsável e ele tem que ser imune aos nervosismos momentâneos do mercado — disse o presidente, em referência ao fato de o ex-juiz ter assumido o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
Lula disse que indicará novo presidente do Banco Central — o mandato de Campos Neto termina no fim do ano — que seja sério, tenha compromisso com o desenvolvimento e não pense só no controle da inflação.
— Porque é o crescimento econômico, é o crescimento da massa salarial que vai permitir que a gente possa controlar a inflação com uma certa tranquilidade.
Ação contra campos neto
Em outra frente,a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vai apresentar na Justiça ação para obrigar Campos Neto a não se manifestar politicamente em eventos públicos.
Poucas horas após Lula atacar Campos Neto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a autonomia do Banco Central, uma das medidas apoiadas pela Câmara, em sua gestão, para, segundo ele, “impedir retrocessos”.
30 anos do Plano Real: relembre, em imagens, a criação da moeda
— A Câmara tem apoiado reformas econômicas e impedido retrocessos. A autonomia do Banco Central, às vésperas do Copom, aumentou a credibilidade da nossa política monetária — disse Lira durante o evento CNN Talks.
‘Sou muito pragmático’
Citado por Lula na entrevista, Moro rebateu a fala do presidente dizendo que a comparação é “nuvem de fumaça” para a “incompetência” do governo na área da economia.
O governo tem sido pressionado a promover o equilíbrio das contas públicas cortando despesas, e não apenas por meio de aumento de arrecadação, como tem feito até agora. Perguntado sobre gastos públicos, como Previdência, despesas com saúde e educação, o presidente disse “estar disposto” a discutir o Orçamento de 2025 com o Congresso, empresários e a imprensa.
Lula afirmou que o governo está fazendo estudo sério sobre o Orçamento e que não gosta de gastar o que não tem.
— Sou um político muito pragmático. Na hora que as pessoas me mostrarem provas contundentes de que as coisas estão equivocadas ou erradas, a gente vai mudar. Você não pode esquecer que fui eu, logo em 2003, que fiz a Reforma da Previdência. Não tenho nenhum problema de mexer nas coisas que estão erradas.
A nova investida de Lula contra o BC de Campos Neto e o nível de juros não surpreendeu integrantes do governo e do mercado financeiro. Na avaliação de interlocutores do Ministério da Fazenda, do Banco Central e agentes de mercado, o chefe da autoridade monetária “levantou a bola para Lula cortar” ao evidenciar a proximidade com Tarcísio, uma das opções da direita para eleição presidencial de 2026.
O episódio, dizem interlocutores, colocou de vez a política no centro das discussões no Copom. Mesmo que as decisões dos diretores do BC sejam técnicas, a avaliação é que Campos Neto deu espaço a críticas de que também tem teto de vidro, não só membros do Copom indicados por Lula.
Divisão de diretores
Na última reunião do colegiado, houve racha entre os quatro diretores escolhidos pelo atual governo e os cinco que já estavam no comitê no governo de Jair Bolsonaro. A maioria preferiu corte mais modesto da Selic, de 0,25 ponto percentual, enquanto os indicados por Lula queriam queda de 0,50 ponto.
No mercado financeiro, a leitura imediata foi de que o BC a partir do ano que vem, quando os “nomes de Lula” serão maioria, será mais tolerante com a inflação.
Além disso, cresceu a pressão sobre o diretor de Política Monetária e ex-número 2 da Fazenda, Gabriel Galípolo, mais cotado para assumir o lugar de Campos Neto em 2025.
Como mostrou O GLOBO, Galípolo está se equilibrando entre Lula e o mercado financeiro para conseguir ser confirmado no cargo sem perder sua credibilidade, algo importante para o BC conseguir controlar a inflação. (Colaboraram Gabriel Sabóia, Victoria Abel e Luana Reis)