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Por que Kanye West foi para o Oeste

Repórter acompanhou lançamento do disco 'Ye', em uma fazenda no Wyoming
Kanye West cercado por amigos durante o lançamento do álbum 'Ye', em Moran, Wyoming Foto: RYAN DORGAN / NYT
Kanye West cercado por amigos durante o lançamento do álbum 'Ye', em Moran, Wyoming Foto: RYAN DORGAN / NYT

MORAN, WYOMING  — Por volta das 22h da noite de 31 de maio, no Diamond Cross Ranch, Chris Rock subiu em uma pequena plataforma, olhou inquisitivamente para as centenas de pessoas reunidas em torno de uma fogueira imensa, e assumiu a posição para que fora convocado.

"Eu toquei em um alce! E o alce me disse: 'Ei, tem um monte de...'" – bom, digamos que normalmente as pessoas não se reúnem em uma fazenda no Wyoming. Ele acenou para o fogo. "Amanhã à noite isso aí será uma cruz", comentou, o rosto sem expressão.

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"O hip-hop foi a primeira forma de arte criada pelos negros livres. (Embora o jazz provavelmente também se encaixe nessa descrição). E nenhum deles tirou mais vantagem dessa liberdade que Kanye West."

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Nos últimos meses, intermitentemente, West vem trabalhando em músicas novas no Wyoming – mais ou menos como as sessões no Havaí que deram origem a "My beautiful dark twisted fantasy" – trazendo suas parcerias para cá e se inspirando no esplendor natural. West prometeu vários álbuns como resultado desse trabalho: "Daytona", de Pusha-T, lançado no mês passado; projetos novos de Nas e Teyana Taylor; dois discos de West, um com Kid Cudi e um solo.

O comediante Chris Rock apresenta Kanye West durante o lançamento de seu oitavo álbum, em Moran Foto: RYAN DORGAN / NYT
O comediante Chris Rock apresenta Kanye West durante o lançamento de seu oitavo álbum, em Moran Foto: RYAN DORGAN / NYT

Este, intitulado "Ye", foi seu oitavo, lançado aqui em 31 de maio, quase que imediatamente após a finalização. O cenário foi esparso e dramático: um campo aberto, pilhas imensas de alto-falantes dispostas em círculo ao redor da fogueira e câmeras filmando cada movimento para a transmissão ao vivo. À distância, diversos cavalos que pareciam totalmente alheios aos acontecimentos.

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Grande parte do público foi conferir a ocasião: a mulher de West, Kim Kardashian West; representantes da gravadora do artista, a Def Jam; DJs e programadores de rádio; jornalistas; um punhado de outros cantores (Pusha-T, Lil Yachty, Fabolous); algumas celebridades (Chris Rock, Jonah Hill, Luka Sabbat, Scott Disick). Figura forte da rádio hip-hop britânica, Tim Westwood era visto para lá e para cá entrevistando as pessoas. 2 Chainz levou seu buldogue francês, Trappy, para passear. A analista conservadora Candace Owens, queridinha de West, também deu o ar de sua graça.

Sua presença, aliás, foi notável enquanto lembrete do contexto incomum em que chega "Ye". Desde abril, West vem trilhando um caminho quixotesco – dispensando seus empresários (embora um deles, Scooter Braun, tenha vindo ao Wyoming), exibindo seu boné do Recuperar a Grandeza dos EUA (MAGA); elogiando Donald Trump; dando uma de TMZ, revelando uma lipoaspiração; afirmando que a escravidão foi opção e muito mais.

Kanye West dança diante de uma fogueira com o público, enquanto ouve as faixas do disco 'Ye' Foto: RYAN DORGAN / NYT
Kanye West dança diante de uma fogueira com o público, enquanto ouve as faixas do disco 'Ye' Foto: RYAN DORGAN / NYT

E, recentemente, ele se envolveu em uma briga com Drake por procuração, via Pusha-T, com o primeiro rechaçando alegações de que tenha trabalhado com escritores fantasmas, alegando que tenha feito o mesmo para West.

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Em resumo, tem sido um período de arruaça, turbulento e, em alguns aspectos, nocivo; pelo menos parte do objetivo de "Ye" é uma correção de curso do que ele descreve na canção "No mistakes", "um ano de cair a bunda". Em vários pontos do disco ele fala sobre saúde mental; em "Yikes", menciona o transtorno bipolar. "É o meu superpoder, não tem nada de deficiência", canta. (Na capa do álbum, disponível nos serviços de streaming, aparece a frase: "Odeio ser bipolar é sensacional".) Mas, mais importante que isso, ele mapeia um caminho para o perdão, particular e tornado público, especialmente em "Wouldn't Leave", que fala da decepção profunda causada ao parceiro.

Depois que a audição acabou, muitos convidados se espremeram nos ônibus e acabaram no Million Dollar Cowboy Bar, excessivo, com animais empalhados por toda parte, no melhor estilo honky-tonk, que fica no centro de Jackson, a 45 minutos a sudoeste dali.

Kanye West e a mulher, Kim Kardashian, durante o lançamento do disco do rapper Foto: RYAN DORGAN / NYT
Kanye West e a mulher, Kim Kardashian, durante o lançamento do disco do rapper Foto: RYAN DORGAN / NYT

Uma banda de bluegrass tocava para alguns dançarinos mais dedicados, e depois de um período de "estudo" – com locais e visitantes desconfiados –, dezenas dos amigos de West se esbaldaram na pista de dança. Lil Yachty, os dreads vermelhos voando, fazia os passos da dança dos chutes de BlocBoy JB e Teyana Taylor, com uma bolsa estilo mensageiro da Goyard a tiracolo, ia na base de um rock mais manso. Desiigner entrou correndo na pista para dançar quadrilha com os clientes. Do outro lado do salão, Ty Dolla Sign jogava bilhar.

Foi ao mesmo tempo surreal e prosaica essa mistura dos públicos; o vídeo tipo patota-toda-unida para "Boys 'Round Here", de Blake Shelton, me veio à mente. Se houve algum tipo de tensão, foi mínima, causada pelos policiais com cara de durões inspecionando o salão. A certa altura, a banda começou a cantar "Atlantic City", de Bruce Springsteen, e tive a nítida impressão de que substituíram o "racket boys" da letra por "MAGA boys".

Um pouco mais tarde, o próprio West apareceu. Embora as pessoas o tenham cercado, a situação foi controlada. Posou para selfies com o pessoal local, sentou-se e papeou com Big Sean um pouquinho e, no geral, fez o papel de um cara comum no bar, como todos os outros à sua volta. E nessa noite, nesse salão, a impressão foi a de que os EUA possuem alguma grandeza, no fim das contas.