Rio

Médium procura espaço para reabrir Galpão do Dr. Fritz

Rubens de Faria saiu de cena após escândalos nos anos 90. Em livro, vai contar a sua versão da história
Rubens de Faria pretende reiniciar os atendimentos espirituais no Rio de Janeiro Foto: Élcio Braga / Reprodução
Rubens de Faria pretende reiniciar os atendimentos espirituais no Rio de Janeiro Foto: Élcio Braga / Reprodução

RIO — Quando estava no auge, o médium Rubens de Faria Júnior costumava contar que seus dias na terra seriam curtos, previsão do Dr. Fritz, o espírito que alega incorporar. Quase 18 anos depois, Rubens – aos 60 anos - continua vivo. Mas passou por maus bocados: parecia a Maldição de Fritz, destino que recairia em quem manifestasse o espírito do médico alemão. Foi acusado de curandeirismo, enriquecimento ilícito e sonegação fiscal, em meio a um inferno astral que incluiu uma separação estampada em jornais e revistas, com detalhes picantes, fechamento de seu Galpão de Curas e até boatos de que teria tentado o suicídio.

Rubens é outro homem. Apresenta-se agora como neuropsicólogo. Diz ter feito faculdade em Boston, nos Estados Unidos, sem dar detalhes de como se formou. Atualmente, finaliza um livro com a sua versão sobre o que acontecia no Galpão de Curas. Nesta entrevista, entre patos e gansos, no Parque Guinle, em Laranjeiras, garante: “O Dr. Fritz voltou”.

— Vou lançar o meu livro sobre o que se passou no galpão com a figura do Rubens e o seu envolvimento com a figura do Dr. Fritz. Que interação era essa? O que as pessoas buscavam? E o que foi dado a cada uma delas e, principalmente, à figura do Rubens — pondera.

O médium Rubens de Faria Júnior, que alcançou fama internacional nos anos 90 e foi alvo de acusações de curandeirismo e enriquecimento ilícito, prepara a reabertura do Galpão de Cura e o lançamento de um livro // Reportagem e Edição: Elcio Braga
O médium Rubens de Faria Júnior, que alcançou fama internacional nos anos 90 e foi alvo de acusações de curandeirismo e enriquecimento ilícito, prepara a reabertura do Galpão de Cura e o lançamento de um livro // Reportagem e Edição: Elcio Braga

VIDA NO EXTERIOR

Na atualidade, Rubens afirma passar a maior parte do tempo no exterior. Estuda e faz palestras. No Brasil, realizava, até meados do ano passado, atendimento esporádico em um centro espiritualista, em Jacarepaguá.

— Hoje, continuo dando as minhas palestras, meus seminários, meus cursos. Mas muito mais no exterior. Agora, estamos vendo espaços para fazer palestras no Rio e em São Paulo.

‘Escaldado’, Rubens teme a mídia e acredita que eventuais polêmicas possam atrapalhar a sua carreira como neuropsiquiatra, que estuda as relações do cérebro e do comportamento, investigando com profundidade as áreas cognitivas do paciente. Ele sempre se apresentou como engenheiro, o que já foi até contestado em reportagens.

O grande passo para a volta do Dr. Fritz, incorporado por Rubens, será a reabertura do Galpão de Curas, em novo formato e local. O famoso centro funcionou no antigo Curtume Carioca, na Penha. Ali, dizia-se, recebia em torno de 2 mil pessoas por dia. No meio dessa multidão, celebridades como o carnavalesco Joãosinho Trinta e o último presidente do ciclo militar, João Figueiredo. O paciente mais famoso teria sido o ator americano Christopher Reeve — marcado como o Super-Homem no cinema —, tetraplégico após cair do cavalo.

— Foi por causa da questão da coluna. Eu tive a oportunidade de ir aos Estados Unidos. Mas não havia muito o que se fazer. Conversamos um pouco, o caso dele, o que era, a esposa dele, mas...

Rubens era visto com regularidade na TV e em reportagens. Era o apogeu. O galpão atraia artistas e autoridades.

— Figueiredo foi interessante. Ele foi levado por um general lá. Chegou e disse: ‘Olha, um amigo meu me trouxe aqui. Estou com dor nas costas. Vê o que você consegue fazer’. Enfim, ele saiu de lá sem dor nas costas — garante Rubens.

O médium conta que o ex-presidente o surpreendeu. Em uma ocasião, em retribuição, apresentou-se como voluntário para distribuir cestas de mantimentos aos mais carentes, no Galpão de Curas.

SEPARAÇÃO CONTURBADA

O revés do médium começou logo após a separação traumática da mulher, Rita de Cássia Costa. Houve troca de acusações e ‘lavagem de roupa suja’ pelos jornais.

— Eu me separei e, por estar muito em evidência, a mídia acabou vendo da forma mais sensacionalista possível. Não era nada mais que uma separação —argumenta.

Rita chegou a lançar o livro “A vida íntima do Dr. Fritz”, em dezembro de 1999, detalhando a relação com o homem que dizia incorporar o médico alemão e as cobranças pelo atendimento mediúnico. A consulta custava entre R$ 10 e R$ 20. Rubens se defende.

— Na época, acho que era R$ 10 que as pessoas pagavam, mas não eram todas as pessoas que pagavam. Eram só as que podiam e tinham condições. Não vejo nenhum mal em existir cobrança. Eu trabalhava de 12 a 13 horas por dia naquele época. Só trabalhava naquilo. Eu tinha de sobreviver, tratar pessoas, e doar alimentos. Enfim, era uma estrutura gigantesca para manter, fora a minha estrutura pessoal e familiar. Deixei de trabalhar em engenharia. Tinha uma carreira razoável. E deixei, larguei isso tudo.

Rubens foi acusado de enriquecimento ilícito. Teria comprado imóveis com o dinheiro das consultas até no exterior. Nos jornais, o seu nome passou das páginas de celebridades para as policiais. Divulgou-se à época que teria tentado o suicídio, o que ele nega.

— Acredito muito em mim. Você tirar a sua vida é desacreditar de si próprio — contesta.

RETORNO GRADUAL

A volta, porém, é cautelosa. O inferno do passado serve de alerta. Além do exercício ilegal da medicina, Rubens respondeu a pelo menos dois processos por atendimento no Galpão. Em um deles foi absolvido, mas em outro, obrigado a pagar uma indenização. A série de denúncias levou a Polícia Civil a fechar o Galpão de Curas, em fevereiro de 1999.

— Não houve uma deflagração de problemas. Houve dois exemplos que infelizmente... — lembra Rubens.

O médium se refere ao caso da jovem Vanessa De Biafi, que sofria de leucemia mielóide aguda. No dia 14 de agosto de 1998, após ser atendida pelo “Dr. Fritz”, em São Paulo, ela sentiu-se mal e, encaminhada ao hospital, morreu no dia seguinte. A família afirmou que Rubens teria desaconselhado a jovem a abandonar o tratamento médico. O médium foi absolvido por insuficiência de provas.

Em outro caso, o serralheiro Guilherme Moreira acusou Rubens de, durante cirurgia espiritual malsucedida, em 1996, tê-lo tornado incapaz para o trabalho. O médium foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio, em 2009, a indenizá-lo por danos morais em R$ 25 mil e a pagar pensão de 70% do salário-mínimo.

Rubens, porém, foi absolvido pela 19ª Vara Criminal do Rio, em 2004, das acusações de curandeirismo e estelionato.

— Viu-se que realmente não haveria razões para me incriminar, por exemplo, como curandeiro, que faz parte do dogma religioso. Todas as outras questões que aconteceram fui mostrando que não tinha nada. Não havia bases consistentes.

Depois das denúncias, Rubens foi para a Austrália.

— Recebi um convite para fazer uma série de palestras na Austrália. Eu falei: ‘Olha, acho que vou estudar o que está acontecendo com a minha cabeça. Quero entender isso melhor’. A ciência me ajudou a entender muito isso. Fui para os Estados Unidos fazer neurologia, em Boston. A minha profissão atual é neuropsicólogo.

Os erros do passado o teriam tornado melhor.

— Apesar do que eu fazia, o que as pessoas viam, esses fenômenos todos, eu era um ser humano. Eu sempre fui um ser humano. Eu tinha minhas querências, minhas urgências, minhas falhas.

Com a reflexão e correção de rumo, Rubens acredita ter ganho nova chance. No auge da fama, dizia que sabia que morreria logo, em meados do ano 2000. Fazia sentido para os crédulos. Fala-se de uma suposta maldição do Dr. Fritz para aqueles que teriam abusado de seus poderes espirituais. O médium José Pedro de Freitas, o Zé Arigó, morreu em um acidente de carro em 1971, e Edson Queiroz, assassinado pelo caseiro em 1991.

— Talvez possa ter sido até coincidência. Não posso dizer porque é uma coisa muito fatídica. É o data limite das pessoas. Dizem que é uma sequência de acontecimentos que levam a isso. Edson Queiroz, por exemplo, no final da vida, já não andava mais de carro. Evitava ir para o sítio para não dirigir até lá. As coisas o assustavam muito. Não tenho medo de morrer. Quando tiver de acontecer, vai acontecer de uma forma ou de outra. Agora, tenho receio de que eu não consiga cumprir o que quero até o meu desencarne. Por isso, estou reformulando a minha vida toda e venho reformulando nestes últimos anos. Isso me assusta também porque não sei se vou ter uma nova chance do ‘reborning’ (renascimento). Não sei se vou ter uma outra chance. Eu sei que tive a chance de seguir a minha vida de uma forma com uma perspectiva completamente diferente — finaliza.