Exclusivo para Assinantes
Cultura Música

Municipal do Rio tem novo diretor artístico: 'Sou a pessoa certa', diz tenor Eric Herrero

Em sua primeira entrevista depois de assumir o cargo, ele diz que prioridade é montar temporada e apaziguar corpos artísticos: 'Quero que eles se sintam abraçados'
Novo diretor artístico do Theatro Municipal do Rio, o tenor Eric Herrero quer divulgar a temporada na semana que vem: “Está sendo pensada para que os corpos artísticos possam trabalhar com grupos pequenos”
Foto: Leo Martins
Novo diretor artístico do Theatro Municipal do Rio, o tenor Eric Herrero quer divulgar a temporada na semana que vem: “Está sendo pensada para que os corpos artísticos possam trabalhar com grupos pequenos” Foto: Leo Martins

O tenor Eric Herrero recebeu a equipe do GLOBO no foyer do Theatro Municipal, janelas abertas para o Centro do Rio na tentativa de amenizar o calor da última quarta-feira, dia seguinte ao anúncio de sua nomeação para o cargo de diretor artístico da casa. “Foi um chamado”, diz ele, que vai precisar lidar com um outro tipo de calor no prédio da Cinelândia: a insatisfação dos corpos artísticos com as condições precárias de trabalho dos últimos anos.

Chico Buarque os as feministas? O compositor, com todo açúcar e afeto, está certo: certíssimo

— A gente precisa de diálogo e de escuta. Não cabe mais em nenhum lugar do mundo, graças a Deus, uma decisão que venha de cima para baixo e goela abaixo. Acredito que sou a pessoa que pode fazer a ponte entre as demandas e a gestão — diz Herrero, substituto do americano Ira Levin, que chegou ao Municipal em 2019 como regente titular da orquestra e passou a acumular a direção artística no ano seguinte depois da saída de André Heller-Lopes, até ser exonerado em dezembro de 2021 a pedido dos músicos.

Os problemas são muitos e voltaram a público no fim de 2021, quando o Municipal retomou suas atividades depois de 1 ano e 7 meses fechado por conta da pandemia de Covid-19. Bailarinos se queixam da falta de um sistema de amortecimento para o piso do palco, que os expõe a lesões, e o principal: a urgência de concursos para preencher vagas no balé, na orquestra e no coro — tudo isso causado por anos de soluções improvisadas somadas à quase uma década de crise nas finanças do estado do Rio, mantenedor da Fundação Theatro Municipal, atualmente presidida pela historiadora Clara Paulino . O ápice da crise foi em 2017, quando os profissionais da casa ficaram três meses sem receber e recorreram a doações e “bicos”.

Virginia Woolf: Edição dos diários da escritora mostra uma mulher longe da melancolia e traz alerta contra o autoritarismo

— Um estudo foi feito e houve uma análise de impacto orçamentário (a Secretaria de Fazenda aprovou a realização de concursos, desde que haja compensação financeira) . A presidência quer resolver isso, e eu tenho fé que vamos fazê-lo ainda este ano. Mas precisamos ter um pouquinho de paciência com os trâmites burocráticos porque estamos lidando com dinheiro público — afirma Herrero, que tem como tarefa imediata montar uma temporada, levando em conta a segurança sanitária nos ensaios.

— A temporada está sendo pensada para que os corpos artísticos possam trabalhar com grupos pequenos e para que tenham mais tempo para preparar seus compromissos. Vamos começar com formações menores e, aos poucos, traremos mais peso ao repertório — explica Herrero, que pretende divulgar na semana que vem a programação do primeiro semestre, mas se esquiva de dar detalhes e prefere não revelar o orçamento que recebeu da Fundação. — Vamos abrir a temporada em março e contemplaremos efemérides importantes como o Bicentenário da Independência e os 100 anos da Semana de Arte Moderna, além dos aniversários de Debussy, Massenet, Lalo e Molière (uma montagem de “Don Giovanni”, de Mozart, estaria nos planos, mas Herrero não confirma).

Enquanto isso.. . Estreia de ópera com elenco de prostitutas marca os 110 anos do Theatro Municipal de São Paulo

Para apaziguar os ânimos na Orquestra Sinfônica — os músicos manifestaram seu descontentamento à presidência da Fundação sobre a conduta de Ira Levin , apontado como alguém de “temperamento difícil” e ausente —, foi acertado que “num primeiro momento não será contratado um maestro titular”. O violinista Carlos Mendes cuida da rotina do grupo, que terá regentes convidados para seus concertos — todos vindos de uma lista elaborada pela orquestra. Quem serão os maestros e quanto tempo vai durar esse “primeiro momento”, ele também não diz:

— Talvez seis meses, mas a gente não pode bater o martelo porque as coisas acontecem de forma muito rápida hoje em dia. Esse é um assunto delicado, e a orquestra precisa de um período de cura.

Por ora, Herrero tem de concreto o edital Municipal em Cena, aberto até o dia 9 para projetos de dança, música e canto coral. Cada um dos 40 selecionados receberá R$ 80 mil para uma única apresentação em um dos espaços do Theatro: a sala de espetáculos, a Mário Tavares ou o Boulevard.

De São Paulo, Eric Herrero, de 41 anos, tem carreira como tenor em teatros brasileiros e na América Latina. Conhece bem o Municipal do Rio, onde estreou em 2009 com um pequeno papel em uma versão concerto de “Il Guarany”, de Carlos Gomes.

— E minha mulher é cantora do coro, ou seja, há tempos eu ouço em casa o que se passa no Theatro — diz ele, que se mudou para o Rio em 2017 por causa do relacionamento e, na cidade, foi eleito para o Conselho Estadual de Políticas Culturais, órgão colegiado associado à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. — Vou pedir meu desligamento por conta do Municipal.

Volta: Principais companhias de dança do Brasil investem em solos e duos para retomada

Nos primeiros dias de trabalho, Herrero tem perguntas (“Gostaria de entender por que a Academia de Canto Bidu Sayão foi descontinuada. Não faz sentido”), ideias (“Por mim, não imprimiria programas longos por uma questão de sustentabilidade”) e desejos (“Quero que o Theatro tenha qualidade e atraia público”). Mas, com eleições para o executivo estadual à vista, o trabalho pode mesmo ser só até o fim do ano.

— Sou um artista. Estou diretor artístico. É de passagem, e passa rápido. Quero ser lembrado como um gestor do diálogo e quero que os artistas se sintam abraçados.