SÃO FRANCISCO DE PAULA (RS) — Na sexta-feira, 6 de julho, uma massa polar derrubou as temperaturas no Sul do Brasil, fazendo daquela a noite mais fria do ano. Por volta de meia-noite, a temperatura chegou aos números negativos e uma tímida neve começava a cair quando um grupo de mulheres com trajes brancos dançava em uma espécie de transe diante de uma fogueira em uma floresta, na pequena cidade de São Francisco de Paula, na Serra Gaúcha. Não estavam sozinhas — era uma gravação de
“Desalma”
, série que a TV Globo produz para o
Globoplay
.
A proposta era das mais arriscadas: pegar uma das obras mais louvadas dos quadrinhos e retomar seu universo décadas após o fim da história original. Mas Damon Lindelof conseguiu e fez talvez a melhor série do ano. Ao unir a obsessão com heróis ao conflito racial, "Watchmen" é tão perturbadora quanto urgente.
'Years and years'
Sem alardes, a parceria da BBC com a HBO nos conquista mais a cada novo episódio e assusta ao mostrar um futuro próximo, catastrófico e totalmente plausível. Ascensão de líderes populistas, desemprego em massa, caos tecnológico, desastres ambientais. Tudo isso está lá, contado do ponto de vista de uma carismática família.
'Succession'
Se a primeira temporada de "Succession" foi apenas boa, a segunda fez da série de Jesse Armstrong uma das melhores produções no ar. Ao retratar a disputa familiar dentro de um conglomerado de mídia, a série expôs, com humor mordaz, a desconexão do 1% com o resto do mundo, com direito a uma virada eletrizante no final
'Dark'
Em sua segunda temporada, a série alemã da Netflix aprofundou as qualidades que a fizeram um fenômeno:
tramas intrincadas
, suspense em alta voltagem, ótimas atuações e mais linhas do tempo para desgraçar a sua cabeça. Raras foram as vezes que uma atração usou o conceito de viagem no tempo de forma tão interessante e complexa.
'Chernobyl'
Roteirista de comédias como "Se bebe não case parte II", o americano
Craig Mazin
criou provavelmente a produção mais instigante do ano com "
Chernobyl
", minissérie dramática da HBO. Sem sotaques caricatos,
Jared Harris
,
Stellan Skarsgård
e
Emily Watson
revivem o drama humano e político por trás do desastre nuclear
ocorrido em 1986 na União Soviética
.
Com a segunda temporada de "Fleabag",
Phoebe Waller-Bridge
consolidou seu lugar como uma das criadoras mais originais da televisão (ela também está por trás de "
Killing Eve
"). Ao fazer do telespectador seu cúmplice, Waller-Bridge compartilha os dramas de uma jovem mulher que não pede desculpas por ser quem é — e nos emociona e diverte no caminho. Ah, e falamos
daquele padre
?
'Derry Girls'
Anárquica e hilária, "Derry girls" é uma joia escondida na Netflix. Uma semi autobiografia, a sitcom de Lisa McGee aborda os conflitos na Irlanda do Norte dos anos 1990 a partir da visão ingênua de quatro adolescentes esquisitonas — e um rapaz inglês — que estudam juntos num colégio católico para garotas.
'True detective'
Após uma segunda temporada decepcionante, foi uma alegria ver "
True detective
" retornar à boa forma em 2019. Boa parte do sucesso é graças a
Mahershala Ali
, que nos brinda com uma atuação magistral como um detetive atormentado por um caso não resolvido em três diferentes fases da sua vida.
'Game of thrones'
Correram com a trama! O roteiro ficou cheio de buracos! O final não fez sentido! Foi ridícula aquela cena do (incluir cena que você achou ridícula)!... Pois é, não faltaram críticas ao final de "GoT", mas
mesmo quem detestou, não falou sobre outra coisa
. Foi o desfecho de um dos maiores fenômenos da TV, que certamente ainda vai render assunto.
'Olhos que condenam'
Não é fácil assistir à minissérie de Ava DuVernay para a Netflix. Não pela falta de qualidade — ao contrário, a produção é impecável. Mas sim porque o caso dos cinco meninos negros e latinos, condenados injustamente por um estupro em 1989, evidencia a crueldade do racismo estrutural — e quão pouco avançamos desde então.
"Sex education" é a prova de que dá para falar de sexo para e com adolescentes de forma inteligente — mas incrivelmente divertida. Com franqueza, a série da Netflix mostra que, com todo o acesso à informação da geração Z, a adolescência continua sendo uma experiência tão dolorosa e esquisita quanto era nas comédias dos anos 1980.
'A very english scandal'
Destaque no Globo de Ouro em janeiro, a minissérie da BBC "
A very english scandal
" chegou apenas este ano ao Brasil, via Globoplay. Com direção de Stephen Frears e grandes atuações de Hugh Grant e Ben Whishaw, a história do político que tentou matar seu amante é um irresistível estudo sobre a hipocrisia.
'Veep'
Bem que as "atuações" dos políticos na vida real tentaram tirar o brilho de Selina Meyer. Não conseguiram. Estrelada por Julia Louis-Dreyfus, "
Veep
", comédia da HBO sobre uma política sedenta por poder a todo custo, teve um "series finale" brilhante. Resta agora torcer para que surja uma nova sátira à altura dos absurdos da política no século XXI.
'The ABC murders'
Dirigida pelo brasileiro Alex Gabassi,
“The ABC murders”
é mais uma produção de excelência da televisão britânica que chegou ao Brasil pelo Globoplay. Nesta versão para o clássico de Agatha Christie, quem se encarrega de viver o detetive belga Hercule Poirot é John Malkovich. Em mais uma grande interpretação, ele tira Poirot da caricatura e revela um fato surpreendente sobre o passado dele. A minissérie ainda atualiza a trama ao abordar a xenofobia, que segue rondando a Inglaterra do Brexit.
Prevista para estrear na plataforma de streaming em 2020, a produção é uma incursão atípica da Globo em uma trama sobrenatural. A história começa com o desaparecimento da jovem
Halyna (Anna Melo)
em 1988, na fictícia
Brígida
, cidade fundada por imigrantes ucranianos (o Brasil abriga a maior colônia do país na América Latina, com 80% de seus descendentes no Paraná).
Na ocasião do desaparecimento, a cidadezinha celebrava o
Ivana Kupala
, festa com origens pagãs e ligada a ritos de fertilidade que foi incorporada posteriormente ao calendário dos cristãos ortodoxos, e de fato é realizada na virada de 6 para 7 de julho. A tragédia fez com que a festa fosse banida do calendário da cidade e, trinta anos depois, quando a tradição é retomada, acontecimentos misteriosos voltam a acontecer.
Apesar do frio na espinha que a produção promete gerar, o diretor artístico da série,
Carlos Manga Jr.
, diz que “Desalma” não é terror, mas um drama sobrenatural.
— É uma história que fala sobre questões metafísicas. Mas isso só acontece por um drama humano. Não é um terror gratuito. Uma mulher não aceita a perda sua filha, e isso faz com que ela retome as suas tradições de bruxaria — afirma Manga, em relação à personagem
Haia (Cássia Kis)
, que comandava o macabro ritual na fogueira durante as gravações no Sul.
Ao lado de
Ignes
(
Claudia Abreu
), amiga de Halyna na juventude, e de
Giovana (Maria Ribeiro)
, que se muda para a cidade anos depois, Haia faz parte do núcleo de mulheres que conduz a trama. Elas vão se deparar com acontecimentos inexplicáveis em suas vidas. Com exceção do trio, a produção optou por rostos desconhecidos do público para os demais papéis. Uma escolha que, segundo Manga, ajuda a criar uma sensação geral de estranheza.
Criada por
Ana Paula Maia
, “Desalma” é a primeira parceria de Manga com a escritora, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura em 2018, a se concretizar. Antes disso, o diretor havia adquirido os direitos para a adaptação do romance “Carvão animal” em filme. Mas a série furou a fila ao ter a sinopse aprovada pela Globo. Para Manga, Ana Paula é uma escritora que valoriza o gênero, algo que ainda precisa ser desenvolvido no Brasil — e essencial para atender às demandas do público que consome cultura pop no streaming.
— Por causa do streaming, as pessoas agora buscam naturalmente o produto de gênero. É mais do que oportuno, é necessário que a gente realmente comece a fazer obras do tipo. Precisamos conquistar esse público específico, que assiste a séries americanas, que espera as novas temporadas, frequenta a Comic-Con, cultua os produtos que segue — diz ele.
Neste sentido, o desafio é adaptar produções do tipo para a realidade brasileira.
— O gênero não tem bandeira, não tem pátria. Se adéqua a todos os países do mundo. Em qualquer lugar, você tem histórias de medo, piadas populares… O que a gente precisa é criar localmente histórias que se ajustem a diferentes gêneros — completa.
Manga ainda vê diferença entre criar séries diretamente para o streaming no lugar da TV aberta. Ele diz que é preciso pensar em obras que exijam a entrega total do telespectador (em vez de contar com a recapitulação das tramas, mecanismo frequente nas telenovelas). Para a Globo, Manga também assinou recentemente a direção artística de outros dois grandes investimentos: “Se eu fechar os olhos agora”, adaptação do romance de Edney Silvestre, e “Aruanas”, produção para o Globoplay sobre mulheres que atuam em uma ONG na defesa da Floresta Amazônica.
— São obras que têm que fazer você pensar, prestar atenção, senão perde o fio da meada. Na direção, é criar atmosferas que levem a sua imaginação a trabalhar. Queremos que a audiência imagine por ela mesma, nada é entregue — defende ele, que acredita que é daí que devem vir os calafrios no público. — Você não vê as coisas, tem a sensação. Gosto de chamar de direção sugerida: uma porta fechada que quando aparece de volta está aberta, a câmera que levemente vai se aproximando de um ambiente em que nada acontece.