Quando o grupo de estudantes de classe média alta de Manhattan de
“Gossip Girl”
apareceu pela primeira vez em nossas telas, em 2007, o cenário da mídia social era muito diferente do de hoje. O Twitter estava em sua primeira infância, e o Instagram não existia, muito menos a horda de selfies, gifs, memes e aplicativos de envelhecimento que mais tarde viriam a sair da proverbial caixa de Pandora.
A proposta era das mais arriscadas: pegar uma das obras mais louvadas dos quadrinhos e retomar seu universo décadas após o fim da história original. Mas Damon Lindelof conseguiu e fez talvez a melhor série do ano. Ao unir a obsessão com heróis ao conflito racial, "Watchmen" é tão perturbadora quanto urgente.
'Years and years'
Sem alardes, a parceria da BBC com a HBO nos conquista mais a cada novo episódio e assusta ao mostrar um futuro próximo, catastrófico e totalmente plausível. Ascensão de líderes populistas, desemprego em massa, caos tecnológico, desastres ambientais. Tudo isso está lá, contado do ponto de vista de uma carismática família.
'Succession'
Se a primeira temporada de "Succession" foi apenas boa, a segunda fez da série de Jesse Armstrong uma das melhores produções no ar. Ao retratar a disputa familiar dentro de um conglomerado de mídia, a série expôs, com humor mordaz, a desconexão do 1% com o resto do mundo, com direito a uma virada eletrizante no final
'Dark'
Em sua segunda temporada, a série alemã da Netflix aprofundou as qualidades que a fizeram um fenômeno:
tramas intrincadas
, suspense em alta voltagem, ótimas atuações e mais linhas do tempo para desgraçar a sua cabeça. Raras foram as vezes que uma atração usou o conceito de viagem no tempo de forma tão interessante e complexa.
'Chernobyl'
Roteirista de comédias como "Se bebe não case parte II", o americano
Craig Mazin
criou provavelmente a produção mais instigante do ano com "
Chernobyl
", minissérie dramática da HBO. Sem sotaques caricatos,
Jared Harris
,
Stellan Skarsgård
e
Emily Watson
revivem o drama humano e político por trás do desastre nuclear
ocorrido em 1986 na União Soviética
.
Com a segunda temporada de "Fleabag",
Phoebe Waller-Bridge
consolidou seu lugar como uma das criadoras mais originais da televisão (ela também está por trás de "
Killing Eve
"). Ao fazer do telespectador seu cúmplice, Waller-Bridge compartilha os dramas de uma jovem mulher que não pede desculpas por ser quem é — e nos emociona e diverte no caminho. Ah, e falamos
daquele padre
?
'Derry Girls'
Anárquica e hilária, "Derry girls" é uma joia escondida na Netflix. Uma semi autobiografia, a sitcom de Lisa McGee aborda os conflitos na Irlanda do Norte dos anos 1990 a partir da visão ingênua de quatro adolescentes esquisitonas — e um rapaz inglês — que estudam juntos num colégio católico para garotas.
'True detective'
Após uma segunda temporada decepcionante, foi uma alegria ver "
True detective
" retornar à boa forma em 2019. Boa parte do sucesso é graças a
Mahershala Ali
, que nos brinda com uma atuação magistral como um detetive atormentado por um caso não resolvido em três diferentes fases da sua vida.
'Game of thrones'
Correram com a trama! O roteiro ficou cheio de buracos! O final não fez sentido! Foi ridícula aquela cena do (incluir cena que você achou ridícula)!... Pois é, não faltaram críticas ao final de "GoT", mas
mesmo quem detestou, não falou sobre outra coisa
. Foi o desfecho de um dos maiores fenômenos da TV, que certamente ainda vai render assunto.
'Olhos que condenam'
Não é fácil assistir à minissérie de Ava DuVernay para a Netflix. Não pela falta de qualidade — ao contrário, a produção é impecável. Mas sim porque o caso dos cinco meninos negros e latinos, condenados injustamente por um estupro em 1989, evidencia a crueldade do racismo estrutural — e quão pouco avançamos desde então.
"Sex education" é a prova de que dá para falar de sexo para e com adolescentes de forma inteligente — mas incrivelmente divertida. Com franqueza, a série da Netflix mostra que, com todo o acesso à informação da geração Z, a adolescência continua sendo uma experiência tão dolorosa e esquisita quanto era nas comédias dos anos 1980.
'A very english scandal'
Destaque no Globo de Ouro em janeiro, a minissérie da BBC "
A very english scandal
" chegou apenas este ano ao Brasil, via Globoplay. Com direção de Stephen Frears e grandes atuações de Hugh Grant e Ben Whishaw, a história do político que tentou matar seu amante é um irresistível estudo sobre a hipocrisia.
'Veep'
Bem que as "atuações" dos políticos na vida real tentaram tirar o brilho de Selina Meyer. Não conseguiram. Estrelada por Julia Louis-Dreyfus, "
Veep
", comédia da HBO sobre uma política sedenta por poder a todo custo, teve um "series finale" brilhante. Resta agora torcer para que surja uma nova sátira à altura dos absurdos da política no século XXI.
'The ABC murders'
Dirigida pelo brasileiro Alex Gabassi,
“The ABC murders”
é mais uma produção de excelência da televisão britânica que chegou ao Brasil pelo Globoplay. Nesta versão para o clássico de Agatha Christie, quem se encarrega de viver o detetive belga Hercule Poirot é John Malkovich. Em mais uma grande interpretação, ele tira Poirot da caricatura e revela um fato surpreendente sobre o passado dele. A minissérie ainda atualiza a trama ao abordar a xenofobia, que segue rondando a Inglaterra do Brexit.
O fenômeno do culto, que durou seis temporadas entre 2007 e 2012, foi baseado nos best-sellers de mesmo nome de Cecily von Ziegesar. Ele transformou em estrelas os então estreantes Blake Lively, Leighton Meester, Chace Crawford e Ed Westwick, membros de um grupo rico de adolescentes do Upper East Side de Nova York. Juntamente com Dan Humphrey (Penn Badgley), estudante bolsista morador do Brooklyn, o grupo teve cada momento de sua vida transmitido para seus pares por Gossip Girl, um blogueiro anônimo cujos posts revelaram muitos dos segredos mais profundos e obscuros da gangue.
A identidade de Gossip Girl (a Garota Fofoqueira, em tradução livre) foi mantida em segredo até o último episódio, quando Dan — o eterno excluído, muitas vezes referido como “Lonely Boy”, o Garoto Solitário — foi revelado como o blogueiro de mesmo nome, o que gerou muita controvérsia.
Na última semana, foi anunciado que “Gossip Girl” está voltando, ambientado em 2020 — “oito anos após o site original ter se apagado”. Dirigido pelos produtores executivos originais, Josh Schwartz e Stephanie Savage, e pelo ex-showrunner Josh Safran, o recomeço vai se concentrar em uma nova geração de estudantes do ensino médio que são “apresentados à vigilância social da Gossip Girl”, quando o antigo site é misteriosamente restaurado.
A nova série promete contar como a mídia social mudou nos anos subsequentes às ações da época do programa — mas não foi a própria mídia social que matou “Gossip Girl”? No momento em que o programa terminou, a ideia de um blogueiro único deixou de fazer sentido. O poder já havia sido redistribuído para as massas, que estavam levando seus laptops para postar anonimamente em plataformas públicas e compartilhar todos os aspectos de suas vidas. “Gossip Girl”, que praticamente previu a ascensão do troll da internet, não pode mais alegar ser “sua única fonte para as vidas escandalosas da elite de Manhattan”.
Mesmo que a maioria de nós não se identificasse como trolls online, o papel de Dan como Gossip Girl era servir a um tipo distorcido de justiça, aquecendo suas próprias ideias no processo. Certamente isso é algo de que todos nas mídias sociais foram culpados em algum momento.
Como Jon Ronson, autor do livro “So you’ve been publicly shamed” (“Então você passou vergonha em púbico”, em tradução livre) comentou em sua palestra no TED de 2015: “O melhor das mídias sociais foi dar voz a pessoas sem voz. Mas agora estamos criando uma sociedade de vigilância onde a maneira mais inteligente de sobreviver é voltar a não ter voz ”.
Então, como exatamente o relançamento de “Gossip Girl” funcionará na era da mídia social? O original foi essencialmente um aviso antecipado das ramificações da vida real do troll, e do compartilhar infinito de cada detalhe da vida pessoal das pessoas online.
Um estudo de 2018 descobriu que os adolescentes nos EUA gastam quase metade de suas vidas (45%) online “quase constantemente”; 72% usam o Instagram, 69% têm uma conta no Snapchat e mais da metade está no Facebook. Um estudo separado no mesmo ano relatou que 60% dos adolescentes se sentem pressionados a parecer “perfeitos” nas mídias sociais, enquanto mais ainda levantam preocupações sobre o impacto que essas plataformas têm em sua saúde mental e física.
Considerando o fenômeno que era e como centenas de milhares de adolescentes foram capazes de se relacionar com esses personagens, independentemente do quão privilegiados eles fossem, talvez o renascer de “Gossip Girl” esteja chegando na hora certa.