Cultura

Aldir Blanc e João Bosco: clássicos da MPB e separação histórica marcaram parceria

Juntos, eles compuseram canções como 'O bêbado e a equilibrista' e 'Linha de passe', antes de ficarem 20 anos sem se falar
João Bosco e Aldir Blanc juntos no estúdio Foto: Divulgação
João Bosco e Aldir Blanc juntos no estúdio Foto: Divulgação

RIO - "O bêbado e a equilibrista" , “Mestre sala dos mares”, “De frente pro crime”, “Dois pra lá, dois pra cá”, “Incompatibilidade de gênios”, “Falso brilhante",  “Linha de passe”. Há 50 anos, João Bosco e Aldir Blanc, que morreu nesta segunda-feira em decorrência do novo coronavírus , formavam uma das maiores duplas mais afinadas da MBP, responsáveis por estes e dezenas de outros  sucessos.

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A primeira canção

Trocando a bola pela caneta e o violão, com um entrosamento digno de um Pelé & Coutinho ou um Romário & Bebeto, o vascaíno Aldir e o rubro-negro João iniciaram a parceria em 1970, o primeiro recém-formado em medicina e o segundo ainda cursando engenharia em Ouro Preto (MG).

A primeira gravação veio em 1972 com o "Disco de Bolso", compacto lançado pelo jornal "O Pasquim" com produção de Sérgio Ricardo. O lado A trazia a gravação de estreia de "Águas de março", de Tom Jobim, e o lado B, “Agnus Sei", parceria inicial da dupla, registrada na voz de João Bosco.

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Aldir Blanc morreu nesta segunda-feira, 4 de maio, aos 73 anos. Com infecção generalizada em decorrência do novo coronavírus, Aldir estava internado no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, desde o dia 20 de abril. Moradores de um bairro da zona sul do Rio homenagearam Aldir. Uma salva de palmas feita pela janela foi registrada e publicada nas redes sociais.
Aldir Blanc morreu nesta segunda-feira, 4 de maio, aos 73 anos. Com infecção generalizada em decorrência do novo coronavírus, Aldir estava internado no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, desde o dia 20 de abril. Moradores de um bairro da zona sul do Rio homenagearam Aldir. Uma salva de palmas feita pela janela foi registrada e publicada nas redes sociais.

Elis

Antes de o compacto chegar às bancas, a dupla abria a porta definitiva de sua carreira: Aldir, que já havia sido gravado por Elis Regina no ano anterior na faixa-título do disco "Ela" (parceria com César Costa Filho), levara uma leva de composições para a cantora, na época a maior lançadora de novos compositores da MPB. Assim, a parceria "Bala com bala" entrou como a faixa 2 do disco "Elis", lançado em também em 1972, com a dupla Bosco & Blanc lado a lado com Chico Buarque & Francis Hime, Milton Nascimento & Ronaldo Bastos, Belchior & Fagner e do próprio Tom Jobim, na gravação de "Águas de março" que ficaria para a posteridade.

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A partir de então, a dupla passaria a ser presença constante nos discos cantora — só no álbum seguinte, "Elis" (1973), eles assinaram quatro das dez músicas: "Agnus Sei", "Cabaré", "Comadre" e "O caçador de esmeralda" (cuja parceria incluiu Cláudio Tolomei). Na década de 1970, o único LP de estúdio que não incluiu uma parceria da dupla foi "Elis e Tom" (1974), com repertório centrado na obra de Tom Jobim.

'O bêbado e a equilibrista'

Em 1979, no álbum "Elis, essa mulher", surge a gravação de "O bêbado e a equilibrista", que se torna o hino da anistia, que começaria a pôr fim à ditadura militar naquele ano. Reza a lenda que Aldir Blanc não sabia o nome do então exilado Betinho, o "irmão do Henfil", o cartunista que o compositor conhecia do "Pasquim". E que os dois se conheceram no banheiro do Canecão, quando o Betinho perguntou se Aldir o conhecia e, diante da negativa, falou "sou o irmão do  Henfil", dando início a uma longa amizade.

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Distância

Nos anos seguintes, além de Elis, a dupla ganharia vários registros com outras vozes femininas, como Simone, Alcione, Zizi Possi e Nana Caymmi, além das próprias gravações de João em seus discos. No início da década de 1980, contudo, a parceria arrefeceu, assim como o contato quase diário entre os dois.

Nenhum dos dois jamais citou uma justificativa factual para o "tempo", que durou duas décadas, nas quais, diziam, a amizade nunca ficou em xeque. Nesse período, os dois estabeleceram outras parecerias, igualmente prolíficuas. Só com Guinga, Aldir compôs mais de 80 músicas, com Moacyr Luz, outras 60.

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Reaproximação

A reaproximação veio em 2001, nas gravações do songbook de João Bosco para a Lumiar, projeto de Almir Chediak. Ali os dois registraram, pela  primeira vez, um dueto em "O bêbado e a equilibrista". A parceria foi retomada com "Toma lá dá cá", tema do humorístico de mesmo nome exibido pela Rede Globo, e em faixas do disco "Não vou pro céu, mas já não vivo no chão" (2009): "Navalha", "Mentiras de verdade", "Plural singular" e "Sonho de caramujo".  Uma união rara de talentos, responsável por cerca de 120 canções, que definiram o que conhecemos hoje como MPB.