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Cultura Música

Aldir Blanc: Olha o Jão aí, gente!

Compositor homenageia o amigo, que completava 70 anos: 'Vou falar sobre meu filósofo favorito, que Francisco Bosco chama de 'o Cioran de Minas''
João Bosco Foto: Leo Martins / Agência O Globo
João Bosco Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Todos amam o artista João Bosco. Então vou falar sobre meu filósofo favorito, que Francisco Bosco chama de “o Cioran de Minas”.

A visão de mundo do João foi resumida por ele no show do CCBB: “Blanc, nós dois sabemos que no final vai dar merda, mas vamos cantando, recomeçando sempre como canções e epidemias”.

Houve um tempo em que o recomeço envolvia café forte, um cigarrinho, lavar a serpentina com uma cerva, mais café, outro cigarro, e aí, novo dia com violão, tumbadora, papel, ensaios, aviões (Nossa Senhora!), e, na hora do show, o apito soava “fffffi”, o baterista ligava caixa de risos no meio da música mais séria, e outro avião pousava com ambulâncias e carros de bombeiros na pista.

Acho que de experiências assim veio a certeza filosófica: vai dar merda... E deu. Sempre dá — o que não nos tira o ímpeto pra recomeçar, com uma sutil diferença: cigarro e goró foram substituídos por vasta quantidade de pílulas e uma ou outra cirurgia.

Essa vocação pra resistir, tenho certeza, foi aprendida com nossos pais, Daniel e Ceceu, malabaristas da arte de recomeçar, embora a barra deles fosse mais pra epidemias do que pra canções.

Daniel, o maior goleiro do Pontenovense de todos os tempos, me chamou uma vez e disse:

— Você gosta de cerveja?

Eram 10h da manhã.

— Muito, Brahma Extra!

— É a minha também! Vou ensinar como se bebe pra que o dia prometa...

Sentados em dois caixotes, um saco de laranjas entre nós, Daniel e eu começamos o ritual: geladinhas e laranjas, até acabarem, aí pelo meio-dia, o saco e o engradado. Ceceu achava que beleza era corrida de potro em cancha reta. Também jogava no gol. Assim concertamos e consertamos a parceria: uma cerveja aqui, uma ambulância lá.

Se alguém perguntar “a peteca vai cair?”, no que depender de nós dois, é claro que não, até porque, no final, a gente sabe que vai dar merda. Pra todo mundo, incluindo gárrulos colunistas com saudades do tempo em que o vovô corrupto, lá deles, mandava, desmatava e apoiava a tortura, práticas que Daniel e Ceceu abominavam.