Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por — Brasília

O ex-presidente Jair Bolsonaro acertou com o advogado Frederick Wassef uma linha de defesa mais “generalizada” que seria adotada para se defender publicamente – e sem muitos detalhes – das acusações de desvio das joias sauditas. O objetivo era deixar um caminho aberto que possibilitasse ao ex-presidente "mudar de estratégia a qualquer momento".

É o que revela o conteúdo das mensagens e áudios nas mãos da Polícia Federal que subsidiaram as investigações que resultaram no indiciamento do ex-presidente por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

O documento foi tornado público na segunda-feira (8), por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Presidente, a nota como está, ela não nos engessa pra nada. Tem abertura pra gente falar de qualquer pauta, mudar de estratégia a qualquer momento porque é uma nota geral, generalizada sem especificar com detalhe”, disse Wassef a Bolsonaro, em uma mensagem de áudio enviada no dia 7 de março, quatro dias após o jornal O Estado de S.Paulo revelar o caso.

“Porque se a gente der muito detalhe se amarra, se prende àquilo. Então, tem que ser exatamente nesse molde, bem por cima, deixando claro a seguinte mensagem ao povo: Não há ilegalidade! Não fizemos nada errado! O presidente agiu dentro da lei! E estão distorcendo! Ponto! Só pra ter uma outra palavra pra tirar o que eles vão fazer de maldade contra você”, prosseguiu o advogado.

Wassef ainda pede para ser creditado na nota como “advogado do presidente Jair Bolsonaro”.

Conforme revelou a investigação, o próprio advogado se envolveu no esquema de desvio de artigos do patrimônio brasileiro, ao comprar o relógio Rolex – presenteado pelo governo saudita – vendido ilegalmente nos Estados Unidos pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência, Mauro Cid.

Por conta da participação nesse episódio, Wassef foi indiciado pela Polícia Federal por associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Após Bolsonaro pedir ajustes no texto, Wassef encaminhou ao ex-presidente o texto com a manifestação que seria divulgada à imprensa. “Veja agora e aprove”, escreveu o advogado no WhatsApp, pedindo que Bolsonaro desse aval ao teor do texto.

A PF identificou logo depois uma ligação de Bolsonaro para o advogado, cujo conteúdo não foi revelado. Para a corporação, a troca de mensagens e a ligação revelam que os investigados “ocultaram, de forma deliberada, que Jair Bolsonaro tinha levado as joias ao exterior para alienação”.

A nota de Wassef, divulgada com o endosso de Bolsonaro, dizia que o ex-presidente agiu “dentro da lei” e “declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Ainda segundo a nota, Bolsonaro era alvo de “verdadeira perseguição política”, uma tese que a defesa tenta emplacar até hoje.

No entanto, as joias da grife Chopard, oferecidas como presente pelo governo da Arábia Saudita e apreendidas pela Receita Federal no Brasil, não se enquadram como itens de “natureza personalíssima”, na definição do próprio Tribunal de Contas da União (TCU), conforme revelou o blog.

Após o alinhamento com Bolsonaro dos termos da declaração pública e de uma série de ligações em grupo com Mauro Cid e o advogado Fabio Wajngarten, Wassef decidiu procurar Wajngarten para comentar uma outra reportagem publicada pelo Estadão no mesmo dia.

Mauro Cid havia dito à reportagem que um segundo pacote de joias da Arábia Saudita – composto por uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um masbaha (espécie de rosário árabe) e um relógio – estava com Bolsonaro “no acervo privado” dele. Na verdade, o kit ouro rosé da marca Chopard já havia sido levado para a Flórida a bordo do avião presidencial no apagar das luzes da administração bolsonarista.

Já em solo americano, Mauro Cid levou os itens pessoalmente à sede da Fortuna Action House, empresa especializada em leilões de joias, em Nova York. Elas foram submetidas a leilão em fevereiro do ano passado, mas não foram arrematadas.

“Se o Cid já falou em on para que a nota? Olha o zoológico”, questionou Wajngarten, ao criticar a postura de Mauro Cid de falar publicamente com a imprensa sobre o episódio.

Wassef então respondeu: “A nota é necessária tal como está. Protege a imagem do presidente e não compromete ou engessa futuras falas, estratégias e depoimentos. Tem de ser em meu nome. O próprio presidente me disse isto. Não é para ser nota oficial dele. Por favor mantenha a minha nota como estava”.

A troca de mensagens entre os dois advogados continuou intensa naquele dia, após Mauro Cid falar novamente com a imprensa sobre o segundo kit de joias. “Puta merda, hein? Desculpa o tom. Mas o tal do Cid confirmou que ele levou o segundo estojo de joias. Você sabia? Ele falou algo?", escreveu Wajngarten.

“Não. Ninguém pode falar porra nenhuma”, respondeu Wassef, irritado com a postura do ex-ajudante de ordens. Mauro Cid acabaria fechando meses depois um acordo de colaboração premiada com a PF.

Em nota divulgada à imprensa após a divulgação da íntegra do relatório da PF na segunda-feira (8), a defesa de Bolsonaro afirmou que o ex-presidente “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens” que pudessem ser considerados públicos.

Os advogados de Bolsonaro também sustentam que o caso não deveria tramitar no Supremo sob a relatoria de Alexandre de Moraes, e sim na Justiça de Guarulhos, como defendeu a gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR). A posição da PGR, no entanto, foi revista depois.

A defesa ainda manifestou “completa indignação” com a informação do relatório da PF de que o ex-presidente teria tentado beneficiar-se de bens cujos valores alcançariam R$ 25 milhões, um número que “somente após enorme e danosa repercussão midiática foi retificado pela Polícia Federal”.

Após a correção, a PF informou que o esquema desviou bens que somam R$ 6,8 milhões.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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