Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por — Brasília

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, optou inicialmente pelo silêncio a respeito do projeto que equipara a a punição para mulheres que fizerem aborto legal após a 22ª semana de gestação à de homicídio, o que chamou a atenção de aliados do presidente Lula que trabalham contra a aprovação da proposta.

Além de não se posicionar sobre o tema em suas redes sociais, o que costuma fazer quando o assunto é de seu interesse, Janja também não respondeu aos questionamentos da coluna a respeito do projeto de lei que teve a tramitação em caráter de urgência aprovada na quarta-feira no Congresso – com o aval da bancada do PT.

'PL do estupro': entenda o que muda se projeto de lei for aprovado

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O blog indagou a assessoria de imprensa da primeira-dama qual sua opinião sobre o projeto de lei defendido pela bancada evangélica e a votação-relâmpago da Câmara, e ainda se e como ela pretende atuar para impedir o avanço da medida.

Depois da publicação desta reportagem, porém, a primeira-dama se manifestou contra o projeto em suas redes sociais, na manhã desta sexta-feira (14). "É preocupante para nós, como sociedade, a tramitação desse projeto sem a devida discussão nas comissões temáticas da Câmara. Os propositores do PL parecem desconhecer as batalhas que mulheres, meninas e suas famílias enfrentam para exercer seu direito ao aborto legal e seguro no Brasil", afirmou Janja.

De acordo com o que fontes no Palácio do Planalto disseram na quinta-feira (13), Janja avaliava se pronunciar sobre o projeto desde a aprovação do regime de urgência, mas ainda não tinha decidido se o faria e quando.

A pressão nas redes sociais e na própria militância fez com que ela decidisse falar, embora em um tom bem mais sóbrio do que o usual.

Lula, por sua vez, despistou a imprensa ao ser questionado sobre o projeto ao chegar em Genebra, na Suíça, onde participou de conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Janja faz parte da comitiva.

“Você acha que não é justo, acabei de sair de uma palestra, vir falar de uma coisa que está sendo discutida na Câmara? Deixa eu voltar pro Brasil, tomar pé da situação e aí você pergunta e eu falo com você”, disse o presidente aos jornalistas.

Na opinião de integrantes do governo ouvidos reservadamente pela equipe da coluna, o silêncio de Janja fazia parte de um cálculo político para blindar Lula dos desgastes em torno de um dos temas mais delicados da chamada “pauta de costumes”.

“Ela está entre a cruz e a espada, mas certamente teme o rótulo de ‘Janja abortista’”, analisa um auxiliar, ao comentar os receios da administração lulista com a pauta a menos de quatro meses das eleições municipais.

Tanto nos escalões inferiores do governo como nos partidos de esquerda, porém, há muita insatisfação com o que é classificado como “inércia” não apenas de Janja mas também do Palácio do Planalto em relação ao projeto.

O texto, de autoria do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), proíbe a interrupção da gravidez depois de 22 semanas, mesmo em caso de estupro – e estabelece uma pena para a mulher maior até do que a imposta aos estupradores. Segundo o próprio parlamentar, a votação que garantiu urgência à proposta serviu como um “teste” para Lula na relação com os evangélicos.

Em entrevista à GloboNews, nesta quinta-feira, o deputado evangélico Cezinha de Madureira (PSD-SP) afirmou que se Lula “vetar um assunto como esse, ele está dizendo que é um assassino".

A discussão também tem testado a mobilização do campo da esquerda frente ao avanço da pauta conservadora.

Na votação da Câmara, o governo Lula “lavou as mãos” na discussão do projeto – e petistas atuaram nos bastidores para que a análise da urgência fosse feita de forma simbólica, sem o registro individualizado do voto dos parlamentares, ainda que publicamente tenham registrado a opinião contrária à aceleração da tramitação do texto.

“Perder eleitoralmente no voto faz parte do processo, o que a gente não pode permitir é perder na política. A gente não pode abrir mão dessas pautas que são o que nos diferenciam desses trogloditas”, afirma um interlocutor de Lula.

O tema assombrou a campanha de Lula na última campanha eleitoral. Em abril de 2022, o petista chegou a afirmar que o aborto “deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha”, durante debate promovido pela Fundação Perseu Abramo, braço teórico do PT.

Depois, recuou no discurso entre o primeiro e o segundo turno, assinando uma carta aos evangélicos em que afirmava ser contra o aborto e rechaçava banheiros unissex em escolas, além de garantir que não fecharia templos.

Até aqui, as manifestações mais contundentes do governo contra o avanço do projeto de lei vieram da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, mas nenhum dos dois foi in loco ao Congresso para convencer os parlamentares a votar contra a urgência.

Para Almeida, o projeto é “vergonhosamente inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável”.

Atualmente, a lei garante o direito ao aborto para salvar a vida da grávida ou quando a gestação é fruto de estupro. Em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu também a permissão ao aborto no caso de fetos anencéfalos. Mas não há, na legislação, um limite gestacional para a realização do procedimento.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2022 o maior número de estupros da série histórica iniciada em 2011: 74.930 vítimas, um crescimento de 8,2% em relação a 2021.

O fórum também se debruçou sobre o perfil das vítimas: 61,4% têm entre 0 e 13 anos de idade – e 56,8% são negras. A maioria dos casos de estupro ocorre na residência das próprias vítimas (68,3%).

Atualização às 9h29: Esta reportagem foi atualizada para incluir o posicionamento que a primeira-dama fez sobre o projeto do aborto após a sua publicação

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