Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Johanns Eller

A semana decisiva para a sucessão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República começou com o subprocurador Paulo Gonet, apadrinhado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, na condição de franco favorito à indicação do presidente Lula, a despeito de reservas de setores do PT.

Um dos principais motivos para a má vontade dos petistas é a alegação de que Gonet, além de ser "homem do Gilmar", é um conservador, perfil que seria inadequado ao próximo PGR.

Nesse quesito, pesa contra ele um capítulo de seu histórico que tem a ver com a ditadura militar. Nos anos 90, quando representou o Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, ele votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte de opositores do regime.

Um desses casos foi o da estilista Zuzu Angel, morta em um atentado na Zona Sul do Rio em 1976 após enfrentar a ditadura e denunciar no Brasil e no exterior a morte do filho Stuart, ativista político assassinado sob tortura por militares cinco anos antes.

Gonet também votou contra a responsabilização do Estado brasileiro pelas mortes de Edson Luís, estudante secundarista assassinado no Rio em 1968, e dos guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca, mortos em 1969 e 1971, respectivamente – todos vítimas de agentes da repressão do regime militar.

Em todos os casos, Gonet foi voto vencido.

Ironicamente, em 2003, Gonet foi trocado justamente por Lula, então em seu primeiro mandato. No lugar, assumiu a procuradora Maria Eliane Menezes de Farias.

Em setembro de 1997, o posicionamento do então procurador nos casos de Marighella e Lamarca provocou reações da sociedade civil.

O voto contrário à reparação das vítimas foi criticado publicamente pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por ONGs ligadas à pauta dos direitos humanos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

No cerne da divergência está fato de que a lei que criou a comissão, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, dizia que o objetivo era apurar assassinatos e desaparecimentos com motivação política entre 1961 e 1979 e “mortes não naturais” ocorridas em “dependências policiais ou assemelhadas” de pessoas que tenham participado ou sido acusadas de participação em atividades políticas.

Na ocasião, Gonet e o representante das Forças Armadas, general Oswaldo Pereira Gomes, argumentaram que as vítimas em questão não haviam morrido em instalações policiais.

Zuzu morreu a bordo de seu carro após despencar de um viaduto da Autoestrada Lagoa-Barra, e o episódio foi retratado pelo regime como um acidente automobilístico. Marighella e Lamarca foram mortos em emboscadas organizadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo e na Bahia, respectivamente.

Gonet chegou a votar duas vezes contra a responsabilização do Estado no caso de Zuzu. Na primeira, em agosto de 1997, a comissão chegou a indeferir o pedido de reparação dos familiares da estilista e prevaleceu o entendimento de que não haviam indícios suficientes para enquadrar a morte nos critérios da comissão.

Mas, em 1998, o colegiado reabriu o caso a partir de novas evidências do envolvimento direto de agentes da ditadura no incidente que vitimou Zuzu Angel, recolhidas a partir de depoimentos de testemunhas que nunca tinham sido ouvidas na investigação do caso e relataram ter visto o Karmann-Ghia da estilista ser perseguido por outro carro, que colidiu contra sua lateral para tirá-lo da estrada.

A comissão então decidiu a favor da responsabilização do Estado brasileiro com o voto de minerva do presidente do colegiado, o jurista Miguel Reale Júnior.

Ele avaliou que, diante das evidências do envolvimento de um segundo automóvel no incidente e de inconsistências no laudo pericial realizado à época, foi possível determinar que Zuzu foi impedida de conduzir livremente seu carro pelos autores do atentado, o que configurou uma “situação de domínio”.

Antes da deliberação do caso, a comissão já tinha adotado entendimento similar nos casos de Marighella e Lamarca. Venceu a tese de que mortes em “dependências assemelhadas” não se limitariam a estabelecimentos físicos e se aplicariam também a contextos jurídicos e políticos nos quais as vítimas estavam sob a custódia de agentes da repressão.

Nós procuramos o subprocurador Paulo Gonet para ouvi-lo a respeito de sua atuação na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, mas ele não retornou até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

O posicionamento de Gonet no caso das vítimas da ditadura não é o único a provocar preocupação entre apoiadores progressistas de Lula.

Como publicamos em julho, Paulo Gonet já se manifestou contra o aborto e apresentou resistência à criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Também criticou duramente o direito à interrupção da gravidez em um artigo publicado em 2009 em um periódico do IDP, faculdade de direito fundada por Gilmar Mendes. O texto cita desde uma encíclica do Papa João Paulo II até artigos do jurista Ives Gandra Martins, mentor da tese bolsonarista de que o artigo 142 da Constituição confere às Forças Armadas um poder moderador.

Caso seja escolhido, Gonet tomará posse em meio ao julgamento do Supremo que avalia a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Mas se hoje são sinônimo de vulnerabilidade, as credenciais conservadoras de Gonet jogaram a seu favor quando o subprocurador foi cotado para assumir a PGR no governo Jair Bolsonaro.

Na época, sua indicação foi defendida por ninguém menos do que a bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), que o definiu como “conservador raiz” e “cristão”. Os dois estudaram juntos na Universidade de Brasília (UnB) na década de 1980.

Kicis chegou a levar o ex-colega para uma reunião com Bolsonaro e relatou nas redes sociais detalhes da conversa entre Gonet e Bolsonaro.

“O candidato à PGR, Paulo Gonet, disse ao presidente Jair Bolsonaro que nenhum candidato pode prometer que jamais haverá uma ação que [o] incomode. Mas garantiu que jamais usaria do cargo para atrapalhar o governo”, publicou a deputada no X, ex-Twitter.

São esses os "atributos" que os defensores de Gonet em Brasília – Gilmar Mendes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entre outros – têm usado para tentar convencer Lula a indicá-lo.

O procurador-geral é a única autoridade com poder para denunciar criminalmente presidentes da República e demais autoridades com foro privilegiado no Supremo.

Lula já deixou claro nos bastidores que deseja evitar um “novo Rodrigo Janot” e indicar um PGR que não traga “surpresas”.

Em que pese a expectativa de submissão – ou lealdade, como defendem petistas – ao presidente de plantão, o currículo conservador de Paulo Gonet tornará ainda mais difícil a justificativa de sua eventual nomeação para a militância de esquerda que ainda não digeriu os posicionamentos de Cristiano Zanin no STF e pressiona pela indicação de uma mulher negra para a vaga de Rosa Weber.

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