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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

RESUMO

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GERADO EM: 08/07/2024 - 14:08

Escadinha: fuga e prisão

A fuga de Escadinha da Ilha Grande usando um helicóptero em 1985 expõe falhas no sistema penitenciário do Rio. O bandido fundador do Comando Vermelho foi resgatado sem ser incomodado por policiais, tornando-se o mais procurado do estado. Após ser capturado, passou grande parte da vida na cadeia e foi executado em 2004 ao sair do presídio.

Um helicóptero não identificado surgiu "do nada" e sobrevoou durante cinco minutos a área do Instituto Penal Cândido Mendes, presídio de segurança máxima da Ilha Grande, em Angra dos Reis, no Estado do Rio. Mas nenhum policial deu o alerta. A aeronave foi embora, voltou uma hora depois e fez outro sobrevoo de baixa altura, mas, novamente, os agentes apenas olharam. Mais uma hora se passou, o helicóptero retornou e se aproximou do chão em um platô isolado na mata, fora da penitenciária.

Foi quando o bandido José Carlos dos Reis Encina, conhecido como Escadinha, de então 28 anos, um dos fundadores da facção criminosa Comando Vermelho, subiu na aeronave e se mandou da cadeia, por volta das 16h daquela terça-feira, dia 31 de dezembro de 1985. Somente 40 minutos mais tarde, os agentes penitenciários perceberam a ausência do presidiário. Até hoje, essa fuga é citada como um dos maiores golpes de um detento no falho sistema penitenciário do Estado do Rio.

Quase 40 anos depois, esse episódio é resgatado na série "O jogo que mudou a história", do Globoplay, que conta a origem do crime organizado no Rio a partir do encontro entre assaltantes de banco, presos políticos e traficantes de drogas no Instituto Penal Cândido Mendes, entre as décadas de 1970 e 1980. Na produção idealizada pelo roteirista José Junior, criador do grupo AfroReggae, Escadinha inspira o personagem Gilsinho, um dos protagonistas da série, interpretado pelo ator Jonathan Azevedo.

Filho do chileno Manoel Gonzalves Encina, Escadinha entrou para o crime na adolescência. Além de traficante, o bandido integrava uma quadrilha de ladrões de carro e assaltantes de banco. Aos 19 anos, foi preso pela primeira vez, por porte ilegal de arma, mas ficou livre após pagar uma multa. Dois anos mais tarde, foi preso por tráfico. A partir de então, Escadinha entrou e saiu da cadeia várias vezes, enquanto subia na hierarquia do comércio de drogas no Morro do Juramento, na Zona Norte do Rio.

O traficante fez parte de uma geração de criminosos que conquistavam a simpatia dos moradores em suas comunidades promovendo eventos, distribuindo presentes e até pagando dívidas, ao mesmo tempo em que puniam, sem nenhuma piedade, quem violasse as regras impostas por eles na favela.

Em 1984, houve uma grande operação pra prender Escadinha no Morro do Juramento. Seis policiais estavam num local da favela chamado Beco do Jamelão quando ficaram cara a cara com o bandido e quatro de seus comparsas. Houve um tiroteio, dois agentes ficaram feridos sem gravidade, e todos os criminosos escaparam. Pouco mais tarde, quatro policiais morreram na queda de um helicóptero que dava apoio à operação. Segundo informações oficiais, a aeronave caiu após sofrer uma pane.

Destroços do helicóptero que caiu durante operação para prender Escadinha, em 1984 — Foto: Alberto Jacob/Agência O GLOBO
Destroços do helicóptero que caiu durante operação para prender Escadinha, em 1984 — Foto: Alberto Jacob/Agência O GLOBO

No ano seguinte, o traficante foi preso quando policiais o reconheceram por acaso, desarmado e sem seguranças, na Favela do Jacarezinho. Ele se entregou sem resistir e foi levado ao presídio na Ilha Grande. Mesmo sendo um bandido de alta periculosidade, Escadinha desfrutava de várias regalias.

No aniversário do criminoso, um ônibus levou cerca de cem moradores para a cidade de Mangaratiba, de onde todos pegaram uma barca da Companhia de Navegação do Estado do Rio até a Ilha Grande, onde rolou uma comemoração de dois dias, com direito a feijoada, churrasco e muita cerveja.

O resgate começou a ser levado a cabo em setembro de 1985, quando o ladrão de carros José Carlos Gregório, conhecido como Gordo, comparsa de Escadinha, se fez passar por empresário e alugou um helicóptero de uma empresa de passeios turísticos para sobrevoar a costa de Angra dos Reis e a Ilha Grande, alegando que estava procurando terrenos pra comprar. Ele fez quatro voos de reconhecimento antes de resgatar o traficante, pagando sempre com dinheiro em espécie, à vista.

No dia 31 de dezembro de 1985, Escadinha estava com a mulher dele e três filhos do casal numa casa de dois cômodos isolada na mata, fora da penitenciária. Aquele tipo de imóvel era reservado para os chamados colonos livres (presos em regime de relativa liberdade) do Instituto Penal Cândido Mendes, mas também podiam ser cedidas a detentos durante visitas íntimas, que duravam até dois dias. Havia uma cabine de segurança perto do casebre, mas estava vazia. Ou seja, o caminho estava livre

Helicóptero modelo Bell-47 alugado e usado na fuga de Escadinha, em 1985 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Helicóptero modelo Bell-47 alugado e usado na fuga de Escadinha, em 1985 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO

O helicóptero vermelho modelo Bell-47 era conduzido por um piloto de 25 anos de idade contratado pela empresa dona da aeronave. Durante a investigação, o condutor garantiu não sabia de nada que estava acontecendo, até que Gordo colocou uma submetralhadora na cabeça dele e o obrigou a baixar a aeronave até quase tocar no chão em um platô bastante irregular. Escadinha, então, pulou no helicóptero com um sorriso no rosto e disse: "até que enfim, minha liberdade".

A fuga foi uma vergonha para o sistema de segurança do Rio. No dia 3 de janeiro, segundo noticiou o Jornal O GLOBO, cerca de 300 policiais haviam sido colocados no encalço do criminoso, que se tornou o bandido mais procurado do estado. Ele acabou sendo preso 81 dias mais tarde, depois de levar dois tiros no peito durante confronto com policiais. Após ser operado, o criminoso foi levado de helicóptero de volta ao presídio na Ilha grande e, a partir de então, passou praticamente o resto da vida na cadeia.

Em setembro de de 2004, quando estava em regime semi-aberto e era sócio de uma cooperativa de táxis, Escadinha foi executado com sete tiros de fuzil, após deixar um presídio do Complexo de Bangu para ir trabalhar. Ele foi atacado por dois bandidos de moto, na Avenida Brasil, altura de Padre Miguel. Na época, o criminoso, que então integrava a facção Amigos dos Amigos (ADA), era investigado por suspeita de fornecer aparelhos de rádio para sua antiga organização, o Comando Vermelho.

Cabine de segurança desativada na área do presídio de Ilha Grande, em 1985 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Cabine de segurança desativada na área do presídio de Ilha Grande, em 1985 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Instituto Penal Cândido Mendes, em Ilha Grande, desativado em 1994 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Instituto Penal Cândido Mendes, em Ilha Grande, desativado em 1994 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Escadinha chegando para depor na 3ª Auditoria do Exército, em 1988 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Escadinha chegando para depor na 3ª Auditoria do Exército, em 1988 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
O corpo de Escadinha e sua carteira de identidade, após execução do bandido, em 2004 — Foto: Luís Alvarenga/Agência O GLOBO
O corpo de Escadinha e sua carteira de identidade, após execução do bandido, em 2004 — Foto: Luís Alvarenga/Agência O GLOBO
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