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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Hoje um grupo criminoso com cerca de 42 mil membros, o Primeiro Comando da Capital (PCC) fatura algo em torno de R$ 1 bilhão por ano, principalmente com o tráfico internacional de várias drogas. Para alcançar o mercado ilegal nos cinco continentes do planeta, a facção conta com 1,6 mil representantes em 23 países do exterior. Trata-se de uma organização maior, pelo menos em número de integrantes, que a Caixa Econômica Federal, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ou mesmo o Ministério da Justiça (todos com 30 mil funcionários). Mas qual foi o pontapé inicial do PCC?

Pouca gente sabe, mas a maior facção criminosa do Brasil foi fundada depois de um jogo de futebol dentro da Casa de Custódia de Taubaté. Seus idealizadores eram os oito únicos presos oriundos da capital paulista na unidade, no interior do estado. Chamados de "os da capital" pelos demais detentos, eles criaram o time Comando Capital para disputar um campeonato interno no inverno de 1993. Após vencer o Comando Caipira na final, e de matar um dos jogadores rivais, os paulistanos celebravam o título, na noite de 31 de agosto daquele ano, quando decidiram que não podiam parar por ali.

Entre os oito idealizadores do PCC, estavam Mizael Aparecido da Silva, criador do primeiro estatuto da organização; Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, seu primeiro chefe; César Augusto Roriz, o Cesinha, conhecido por decapitar seus inimigos; e José Márcio Felício, o Geleião, inventor da sigla PCC.

O grupo havia unido forças para se proteger da perseguição dos outros internos da Casa de Custódia de Taubaté , que consideravam "os da capital" arrogantes. O bando já vinha conversando entre si sobre criar uma facção dentro da cadeia, com o pretexto de evitar abusos do Estado como o "Massacre do Carandiru", em outubro de 1992, quando 111 presos foram assassinados pela Polícia Militar na Casa de Detenção de São Paulo. Durante a celebração pela conquista do campeonato interno, os bandidos paulistanos resolveram que era a hora de colocar todas as ideias gestadas em prática.

O grupo se manteve oculto até que seus membros começaram a ser transferidos para outras cadeias paulistas e passaram a recrutar milhares de integrantes. De acordo com o livro "Irmãos: Uma história do PCC" (2018), de Gabriel Feltran, a organização se espalhou com base em "políticas" acolhidas pelos integrantes, como a interdição ao estupro de presos, o fim de homicídios considerados injustos e o uso de crack. Simultaneamente a essa "paz entre ladrões", estava o enfrentamento aos "coisas", gíria usada para definir adversários entre os detentos e os policiais e carcereiros.

Até meados dos anos 1990, facções de alcance nacional como as atuais ainda não existiam, apenas grupos que dominavam áreas da cidade. Pode-se dizer que o próprio Estado ofereceu o motivo para a criação da maior organização criminosa de hoje ao invadir o Carandiru. Há 35 anos um voluntário no sistema prisional paulista, o médico Drauzio Varella havia acabado de deixar a penitenciária em São Paulo quando a cadeia “virou”. Ele diz que os presídios eram “uma panela de pressão”, sempre prestes a explodir, mas que desavenças do tipo eram comuns à época e passíveis de serem contidas.

— O que se fazia para controlar? Trancava a cadeia, cortava a água, a luz e as refeições, e deixava os presos lá à noite. Eles faziam bagunça e, no dia seguinte, vinha alguém negociar. Aquilo teria acabado sem nenhum problema. Só que era véspera de eleição, e um idiota deu a ordem para a PM entrar e dominar a rebelião a qualquer preço — recorda o médico, autor de "Estação Carandiru" (1999), livro em que ele conta o dia a dia na cadeia que se tornaria cenário da maior chacina de presos do Brasil.

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