Cultura
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Por — São Paulo

Presídio de Bangu 1, Zona Oeste do Rio. Jonathan Azevedo acaba de filmar a última cena da primeira temporada de “O jogo que mudou a História”. No segundo seguinte, um rapaz também preto proclama, com ênfase no pronome de tratamento: “Cara, era para você estar trancado aqui dentro.”

— Aquilo mexeu comigo. Pensei no que estudei, nas oportunidades que tive, no esforço todo que me livrou de um destino anunciado. Foi um momento de reflexão. E de revolta — conta o ator de 38 anos, cria do Vidigal e do Nós do Morro, que vive o traficante Gilsinho, inspirado em José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, um dos fundadores do Comando Vermelho.

A seguir, as milícias

A conversa por detrás da cena sintetiza a ambição da série que tem os dois primeiros de seus dez episódios disponíveis a partir de hoje no Globoplay. Os demais entrarão na grade a cada quinta-feira, dois por vez. Criada por José Júnior, da AfroReggae Audiovisual, com direção de Heitor Dhalia (“O cheiro do ralo”) e elenco majoritariamente negro ou de origem nordestina, a obra retrata a gênese das facções criminosas que dominam há 25 anos o tráfico de drogas do Rio. E o faz pela ótica de quem estava preso ou vivendo nas favelas da cidade entre 1979 e 1989.

— O ponto de vista é de dentro. Ouvimos os protagonistas da história. Temos pensadas mais sete temporadas, chegando aos dias de hoje. A segunda começará em Rio das Pedras, na Zona Oeste, com os primórdios das milícias — anuncia José Júnior, criador também das séries “A divisão”, “Arcanjo renegado” e “Betinho”, todas no Globoplay.

“O jogo que mudou a História” começa no presídio da Ilha Grande. Revisita a formação do Comando Vermelho, após assaltantes de banco dividirem celas com militantes políticos e absorverem noções de organização, hierarquia e disciplina.

No “caldeirão do inferno”, a violência dá as caras logo nos primeiros minutos da série, quando um agente penitenciário avisa a quem chega: “É você quem vai decidir se, aqui, será homem, bicho ou puta.” Seguem mortes a pauladas, sangue, estupro coletivo, tortura, mais sangue, decapitação com cabeças usadas como bolas de futebol. Como escreve Patrícia Kogut em crítica, esta não é uma série para os fracos.

Mas, no mesmo primeiro episódio, um diálogo entre presos políticos do regime, vividos por Otávio Müller e Álamo Facó, berra que “O jogo (…)” não quer fazer da violência alvo de voyeurismo. O primeiro reage assim ao ser questionado pelo companheiro por que faz greve de fome em protesto à permanência de Mestre (Bukassa Kabengele, em papel inspirado no assaltante William Lima, o “Professor”, outro fundador do Comando Vermelho) na solitária por sete meses ininterruptos: “Qual a diferença entre presos políticos e bandidos? A cor da pele? A escolaridade? O CEP? Que militante é esse que não consegue se ver no outro?”

'O jogo que mudou a história', série do Globoplay: Samuel Melo e Julio Andrade em cena da partida que dá nome à série — Foto: Divulgação/César Diógenes
'O jogo que mudou a história', série do Globoplay: Samuel Melo e Julio Andrade em cena da partida que dá nome à série — Foto: Divulgação/César Diógenes

A nova série de José Júnior intima o espectador a encarar esse “outro”. E os idealizadores sabem que não se trata de tarefa fácil. Especialmente no momento em que o Rio tem mais de mil áreas conflagradas, com mais de uma dezena de grupos armados disputando o controle do tráfico de drogas na cidade. E quando a segurança pública é uma das maiores preocupações dos brasileiros, como atestam pesquisas, e a ascensão da extrema direita inclui, com apoio popular, a defesa de polícias mais combativas, especialmente em áreas controladas pelo crime. Ações oficiais recentes no Rio e na Baixada Santista, em São Paulo, resultaram na morte de moradores, inclusive crianças.

— Pensada inicialmente como longa-metragem, a série disseca os protagonistas do crime para mostrar a semente do negócio do tráfico de drogas. Mas não somos o Ministério Público, não julgamos. Fazemos entretenimento com verdade, buscando entender algo que afeta nossas vidas de forma radical e cotidiana— diz Dhalia.

Ao contar uma história de origem, “O jogo (...)” retrata os fundadores do Comando Vermelho sem maniqueísmo. Mostra, por exemplo, o cotidiano de suas famílias. Ele os humaniza e inevitavelmente dá cores mais fortes à mitologia em torno da facção, como na cena que mostra o impacto das primeiras pichações nas favelas de “Paz, justiça e liberdade”, mote inspirado nas conversas dos bandidos com os presos políticos. Mas também apresenta o surgimento do Terceiro Comando como reação a privilégios intramuros conquistados pela facção rival com violência extrema e corrupção de agentes públicos.

— A série não passa pano para os bandidos, mas mostra como o sistema cria o monstro. Tenho memória clara das pichações ‘Quem é R.L.?’ (referência ao traficante Rogério Lemgruber, o Bagulhão, um dos criadores da Falange, depois Comando Vermelho) — diz Babu Santana, outra cria do Vidigal e do Nós do Morro, que vive Hoffman, inspirado em Lemgruber.

Quando convidado, o ator torceu o nariz, conta, para encarnar “mais um bandido”. Mas mudou de ideia.

— Vi que a série tem relevância política e social, com personagens complexos, criados a partir da vivência de homens pretos e pobres. O que fazemos aqui é o pós-favela movie — diz, em referência a inspirações diretas de “O jogo (...)”, entre elas “Cidade de Deus”, “Tropa de elite” e “5X favela”.

'O jogo que mudou a história', série do Globoplay: em cena, Jailson Silva (no papel de Belmiro, que ilustra ligação entre passado e presente do crime) e Pedro Wagner (que impressiona com sua interpretação de Amarildo) — Foto: Divulgação/César Diógenes
'O jogo que mudou a história', série do Globoplay: em cena, Jailson Silva (no papel de Belmiro, que ilustra ligação entre passado e presente do crime) e Pedro Wagner (que impressiona com sua interpretação de Amarildo) — Foto: Divulgação/César Diógenes

Atrás das grades, jogo de vida e morte

“O jogo (...)” se beneficia do acesso a personagens e locais que José Júnior ofereceu a Heitor Dhalia, com quem já havia trabalhado em “Arcanjo renegado” (e há easter eggs, com a participação especial de personagens do universo da série anterior e de “A divisão”).

Após três décadas ativo na mediação de conflitos em endereços conflagrados do Rio, e na busca de trabalho para pessoas egressas do crime, o fundador da ONG AfroReggae trouxe para a pesquisa, assinada pelo escritor e agora roteirista Bruno Paes Manso, de “A república das milícias” e “A fé e o fuzil”, a cara e a voz de moradores, líderes comunitários, prisioneiros e policiais. Parte dos figurantes e os motoristas passaram pelo xilindró.

Dhalia filmou em Bangu I e no inativo presídio Frei Caneca. As celas, com as marcas da solidão e dos horrores, são reais. E a parte implodida do antigo presídio da Ilha Grande foi reconstituída em 3D.

No continente, os cenários centrais são os fictícios Morro da Promessa, Padre Nosso e Parada Geral, identificáveis como Morro do Juramento, Parada de Lucas e Vigário Geral (onde o AfroReggae teve atuação destacada após a chacina de 1993), localizados na Zona Norte do Rio. Dhalia filmou em Vigário, em Lucas, nas favelas do Dique e no Complexo da Pedreira, na Zona Norte; na Rocinha, na Zona Sul; e no Parque Analândia, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

O jogo que batiza a série e aconteceu em 1983 gerou uma briga entre as facções do tráfico nas comunidades de Vigário e Lucas que durou um quarto de século. Ele só é retratado no nono episódio, um dos mais impressionantes. A reconstituição incluiu a presença de craques, entre eles Adílio e Cafu. Outra participação especial é a do ator Júlio Andrade, como o árbitro intimado a apitar a partida. Sua exigência é trabalhar armado. Acaba assaltado no meio da peleja que pode definir o futuro da carreira do fenômeno local Gegê, vivido com brilho por Samuel Melo.

No elenco, que inclui Ravel Andrade (Egídio) e Vanessa Giácomo (Marta), também se destaca Rômulo Braga, como Chico da Cavanha, inspirado em Zé Bigode, bandido que enfrentou policiais no episódio conhecido como “400 contra 1”. O pernambucano Pedro Wagner impressiona como Amarildo, único personagem em função de liderança a crer em um futuro para a favela sem a tutela de bandidos ou policiais. E Jailson Silva, também de Pernambuco, ilustra com precisão, no papel de Belmiro, a ligação entre passado e presente do crime. Ele tem uma relação misteriosa e consequente com Amarildo. Curiosamente, os dois seriam vividos pelo mesmo Mateus Nachtergaele, ausência motivada pelo atraso das filmagens por conta da pandemia.

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