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Na ficção 'Ruptura', personagens reorganizam mentes com cirurgia

Patrícia Kogut

Cena de 'Ruptura' (Foto: Apple TV+)Cena de 'Ruptura' (Foto: Apple TV+)

 

Para explicar a premissa de “Ruptura” (“Severance”), a série que estreou na Apple TV+, vou recorrer a Jorge Amado e um aforismo de Teodoro, o segundo marido de Dona Flor. Ele dizia: “Um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar”. Nesse enredo de ficção científica dirigido pelo ator Ben Stiller, os personagens reorganizaram suas mentes. Num hemisfério, ou num lobo cerebral, como o leitor preferir, ficam as informações relacionadas ao trabalho. No outro, as memórias da vida pessoal. Essa compartimentação acontece depois de uma cirurgia, que é feita de forma voluntária.

A virada de chave de um self para o outro ocorre quando o expediente começa. Basta eles entrarem no elevador que leva aos escritórios da Lumon Industries, onde trabalham, para a mágica acontecer. A personalidade profissional entra em ação. E as lembranças de casa desaparecem. A compartimentação de setores da vida parece prática. Mas, já na primeira cena, fica claro que os lapsos mentais levam aqueles personagens a uma certa robotização. Só que eles não conseguem identificar essa limitação direito: perderam a capacidade de lutar. A vida arrumadinha e restrita também é mais pobre. Ficar livre do sofrimento pode parecer bom, mas é uma amputação. Essa é a lição da série.

O personagem central é Mark Scout (Adam Scott, que interpretava o marido de Reese Witherspoon em “Big little lies”). Acompanhamos sua rotina no setor de dados da empresa ao lado de colegas: Irving (John Turturro) e Dylan (Zach Cherry). A eles se junta Helly (Britt Lower). Por alguma razão, Petey (Yul Vazquez), um ex-funcionário e melhor amigo de Mark, desapareceu de repente. O fato tem importância central para a solução do mistério que puxa o thriller. Já no primeiro episódio, ele aparece de surpresa, se dizendo perseguido por conhecer um grande segredo. Patricia Arquette faz Harmony, chefe deles e vizinha de Mark — mas no trabalho ele não lembra que ela mora ao lado e vice-versa.

“Ruptura” lembra outros enredos que misturam o mundo corporativo a experimentações científicas inescrupulosas. Um deles é “Homecoming” (clique no link para ler as críticas), estrelado por Julia Roberts. Está no Prime Video da Amazon. Apresenta cenários minimalistas, com poucos objetos, onde o branco predomina. Os figurinos são impessoais e colaboram para esse “achatamento” que marca os personagens. Esse cérebro “aparado”, sem muitas ondas ou emoções, está expresso em toda a concepção visual da série. Planos do alto, estetizações, cenas longas e silêncios que afligem o espectador dominam tudo. Em alguns momentos, o resultado é de uma afetação irritante, mas, no geral, a produção vale a viagem.

 

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